Descrição de chapéu estupro França

Este é o 'julgamento da covardia', diz mulher estuprada pelo marido e por 50 desconhecidos

Gisèle Pelicot fala pela última vez em tribunal na França; ex-cônjuge afirma tê-la dopado para satisfazer sua fantasia

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo | AFP

A sociedade deve "mudar sua atitude sobre o estupro", clamou Gisèle Pelicot nesta terça-feira (19), em sua última aparição no julgamento referente aos abusos sexuais que sofreu durante décadas enquanto estava dopada pelo ex-marido.

"Para mim, este será o julgamento da covardia", repetiu três vezes na frente do ex-cônjuge, Dominique Pelicot, que está sendo julgado em Avignon, sul da França, junto com outros 50 homens que também são acusados de violentá-la. Ele admitiu tê-la entregue a desconhecidos que recrutou na internet.

A imagem mostra uma mulher com cabelo castanho claro e liso, usando um casaco escuro. Ela tem uma expressão séria e está olhando para frente. Ao fundo, há uma vegetação difusa e pessoas indistintas
Gisèle Pelicot, vítima de estupros sob submissão química cometidos pelo ex-marido e por desconhecidos - Sarah Meyssonnier/19.nov.24/Reuters

"Desde o início do julgamento, ouvi muitas coisas. Vi pessoas desfilando perante o tribunal que, em sua maioria, negam o estupro, e é muito difícil para mim encarar esta banalidade", declarou Gisèle.

"Quero perguntar a eles em que momento, quando entraram naquele quarto, eu lhes dei meu consentimento? Em que momento, quando viram aquele corpo mole, eles tomaram consciência?", indagou.

"Eu ouvi 'eles estavam me manipulando', 'eu bebi um copo d'água, fui drogado', mas em que momento eles não perceberam?", questionou, indignada.

"Poucas pessoas assumem a responsabilidade por seus atos. Eu ouço o homem que diz que 'um dedo não é um estupro'. Que ele possa questionar isso", disse ela com veemência.

Um grupo de três pessoas caminhando em uma rua. À esquerda, um homem com cabelo escuro e barba, vestindo um casaco preto e um moletom branco. No centro, uma mulher de cabelo castanho claro, usando um casaco preto e segurando uma bebida. À direita, um jovem com cabelo castanho claro, usando um casaco escuro e um cachecol. Ao fundo, é possível ver um veículo e algumas pessoas desfocadas
Gisèle Pelicot e um de seus filhos, Florian, deixam o tribunal penal de Avignon, no sul da França - Christophe Simon/19.nov.24/AFP

O último dos 51 réus a depor nesta terça, Philippe L., 62, adotou a mesma linha de defesa, explicando que estava "sob as ordens do demônio" —referindo-se a Dominique— e que na época acreditava estar participando do cenário de um casal libertino no qual a mulher fingia dormir.

"Eu não sabia que estava fazendo algo doentio. Não sabia que estava lidando com um ser maligno. Só entendi depois", explicou o homem, apontando para Dominique. Acusado de estupro agravado, ele está sujeito, como a maioria dos 51 réus, a uma pena de 20 anos de prisão.

Interrogada por vários advogados de defesa, Gisèle negou a possibilidade de que tivesse ciência dos abusos cometidos pelo marido durante os 50 anos de vida em comum. "Absolutamente nada me fez suspeitar!", repetiu ela.

"Ele tinha muitas fantasias que eu não conseguia satisfazer, e como eu não queria ir a um clube de swing, ele teve a ideia de me apagar! Perdi dez anos da minha vida que nunca recuperarei. Essa cicatriz nunca vai sarar!", exclamou.

Com o interrogatório de Philippe L., o julgamento terminou de examinar os 51 acusados com idades entre 26 e 74 anos. Dez deles participaram várias vezes —até seis, em alguns casos—, convidados por Dominique.

Poucos pediram desculpas a Gisèle, mesmo depois de serem confrontados com vídeos de suas ações, projetados diante do tribunal, com imagens chocantes em que a vítima aparece totalmente inerte.

Descrito por todos como o "regente da orquestra", Dominique, 71, foi o primeiro a depor no início de setembro, sem explicar os motivos das ações, que aceleraram ao longo dos anos, com cerca de 200 estupros no total, metade deles cometidos por ele mesmo.

Nesta terça, ele admitiu, perante a corte, ter drogado, violentado e feito outros violentarem sua esposa para satisfazer "sua fantasia de subjugar uma mulher insubmissa", mas "sem fazê-la sofrer".

Diante da ex-mulher e dos três filhos —David, Caroline e Florian— sentados na bancada cível, o principal réu negou ter cometido qualquer ato incestuoso contra a filha, apesar de ter divulgado fotos dela nua nas redes sociais e aparentemente dormindo, às vezes vestindo roupas íntimas da mãe.

"Caroline, eu nunca fiz nada com você", insistiu, dirigindo-se diretamente à filha.

"Você mente, não tem coragem de dizer a verdade! Nem mesmo sobre sua ex-mulher!", ela respondeu, convencida de que também foi estuprada ou agredida sexualmente por alguém que ela agora chama apenas de genitor.

O julgamento entrará em sua fase final a partir de quarta-feira (20), com o início dos argumentos das partes civis, antes de ser provavelmente suspenso até a próxima segunda para permitir que o Ministério Público prepare suas acusações, que durarão três dias.

Depois desse período, a equipe de defesa deve ter três semanas para elaborar seus argumentos. Restará, então, uma semana para os cinco magistrados do tribunal deliberarem. O veredito deve ser tomado até 20 de dezembro.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.