Ataque de Israel contra área humanitária mata 45 em Rafah; Netanyahu fala em 'acidente trágico'

Comunidade internacional condena bombardeio em região de deslocados; premiê diz que vai investigar incidente

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São Paulo

Um ataque de Israel contra um acampamento de deslocados internos em Rafah, no sul da Faixa de Gaza, deixou pelo menos 45 mortos no domingo (26), afirmou o Ministério da Saúde do território palestino, controlado pelo Hamas.

O bombardeio, feito no mesmo dia em que o grupo terrorista disparou foguetes contra Tel Aviv pela primeira vez em quatro meses, causou indignação na comunidade internacional. Dois dias antes, na última sexta-feira (24), a CIJ (Corte Internacional de Justiça) havia ordenado que Israel interrompesse a ofensiva na cidade, o que não ocorreu.

Questionado, o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, não confirmou o número de mortes e disse que Tel Aviv tem tentado manter os civis de Rafah em segurança por meio de operações de retirada. Admitiu, no entanto, que o ataque pode ter saído do controle.

"Apesar dos nossos esforços para não feri-los [os civis], houve um acidente trágico. Estamos investigando o incidente. Para nós é uma tragédia, para o Hamas é uma estratégia", disse o premiê.

Palestinos em área de Rafah que sofreu ataque aéreo de Israel - Eyad Baba - 27.mai.24/AFP

O comentário de Netanyahu enfraquece o argumento prévio do Exército de Israel, segundo o qual o ataque aéreo teria se baseado em "inteligência precisa". A pressão internacional fez a principal promotora militar do país, a major Yifat Tomer Yerushalmi, dizer que o ataque foi "muito grave".

"Os detalhes do incidente ainda estão sob investigação, e estamos comprometidos a conduzi-la da maneira mais completa", disse ela em uma conferência organizada pela Ordem dos Advogados de Israel. "O Exército lamenta qualquer dano a não combatentes durante a guerra."

Os Estados Unidos voltaram a pedir que Israel tome todas as precauções para proteger civis após "imagens devastadoras" do ataque militar em Rafah. "Israel tem o direito de ir atrás do Hamas, e entendemos que este ataque matou dois terroristas seniores do Hamas responsáveis por ataques contra civis israelenses", disse um porta-voz do Conselho de Segurança Nacional. "Mas, como temos sido claros, Israel deve tomar todas as precauções possíveis para proteger civis."

Em uma sequência de publicações na rede social X, o Crescente Vermelho Palestino, como as sociedades da Cruz Vermelha são denominadas em países de maioria muçulmana, publicou "cenas horríveis de equipes de resgate transportando vítimas" no ataque contra o acampamento.

A organização falou em vários mortos e feridos no bairro de Tel Al-Sultan, embora não tenha especificado o número. "Indivíduos permanecem presos sob as chamas e nas tendas destruídas pelo bombardeio", afirmou a entidade. "É importante notar que este local foi designado pela ocupação israelense como área humanitária, e os cidadãos foram coagidos a se refugiar ali."

Ao amanhecer, o acampamento era uma ruína de metal retorcido e pertences carbonizados sob fumaça. Diversas famílias palestinas correram para hospitais para preparar seus mortos para o enterro —uma cena que já se tornou familiar no território, palco de uma guerra há oito meses.

Sentado ao lado dos corpos de seus parentes, Abed Mohammed Al-Attar disse que Israel mentiu quando disse aos moradores que eles estariam seguros nas áreas ocidentais de Rafah. Seu irmão, sua cunhada e vários outros parentes foram mortos no incêndio.

"O Exército é mentiroso. Não há segurança em Gaza. Não há segurança nem para uma criança, um homem idoso ou uma mulher. Aqui está meu irmão com sua esposa, eles foram martirizados", disse Al-Attar. "O que eles fizeram para merecer isso? Seus filhos estão órfãos."

De acordo com o Hamas, mais de 36 mil palestinos já foram mortos em Gaza desde o início do conflito.

Por meses, Rafah foi o último refúgio da guerra para mais de 1 milhão de moradores do território —quase metade da população total. Nas últimas semanas, porém, Israel concretizou as ameaças que fazia de avançar sobre essa cidade na fronteira com o Egito, fazendo com que cerca de 800 mil pessoas fugissem dali, segundo a UNRWA, agência da ONU para refugiados palestinos.

As que foram atingidas neste domingo estavam em uma área designada pelo próprio Estado judeu para deslocados na cidade, o que causou consternação em parte da comunidade internacional. Segundo a facção, 23 dos mortos são crianças, mulheres ou idosos. "Nós vimos corpos carbonizados, casos de amputações, crianças, mulheres e idosos feridos", disse à AFP Mohammad al-Mughayyir, funcionário da agência de Defesa Civil palestina.

Segundo ele, os trabalhos de emergência enfrentam desafios causados pela destruição da campanha militar de Israel, que deixou partes de Gaza em ruínas, e pelos bloqueios impostos por Tel Aviv. "Há escassez de combustível, e estradas foram destruídas, o que dificulta a circulação de veículos da Defesa Civil nas áreas que são alvos", afirmou. "Também falta água para apagar os incêndios."

O Egito condenou o que chamou de "bombardeio deliberado das forças israelenses contra tendas de deslocados" em Rafah e pediu, em um comunicado, que Tel Aviv "aplique as medidas determinadas pela CIJ em relação ao fim imediato das operações militares" na cidade.

Na última sexta-feira (24), o tribunal determinou que Israel interrompesse imediatamente sua ofensiva terrestre em Rafah em resposta a um pedido da África do Sul —o que não aconteceu. A audiência é parte do processo que começou em dezembro do ano passado, quando o país africano acusou Israel de descumprir a Convenção Internacional contra o Genocídio em sua guerra na Faixa de Gaza.

A Itália deu uma de suas declarações mais duras contra Israel até agora. "Há uma situação cada vez mais difícil, na qual o povo palestino está sendo espremido sem levar em conta os direitos de homens, mulheres e crianças inocentes que nada têm a ver com o Hamas. Isso não pode mais ser justificado", disse o ministro da Defesa italiano, Guido Crosetto, à TV local. "Estamos acompanhando a situação com desespero."

O presidente da França, Emmanuel Macron, disse estar indignado com o ataque. "Essas operações devem parar. Não há áreas seguras em Rafah para civis palestinos", disse ele no X. O secretário-geral da ONU, António Guterres, também mencionou a falta de alternativa segura e disse que o bombardeio "matou vários civis inocentes que apenas buscavam refúgio neste conflito mortífero".

A ministra das Relações Exteriores da Alemanha, Annalena Baerbock, e o chefe da política externa da União Europeia, Josep Borrell, também se pronunciaram ao dizer que a decisão da CIJ deve ser respeitada. "O direito humanitário internacional se aplica a todos, inclusive à conduta de guerra de Israel", disse Baerbock.

Borrell também disse que os chanceleres da UE vão convocar uma reunião com Israel para pedir explicações sobre sua campanha militar em Gaza e afirmou que pretende mencionar o respeito aos direitos humanos nas conversas com Tel Aviv.

Condenaram o ataque ainda a Arábia Saudita e o Qatar. Este último, mediador das negociações entre Israel e Hamas que tentam estabelecer um cessar-fogo, disse que o bombardeio poderia prejudicar os esforços para chegar a uma trégua e à libertação dos reféns capturados pelo grupo terrorista nos atentados do dia 7 de outubro.

Apesar disso, tanques israelenses continuaram a bombardear áreas orientais e centrais de Rafah nesta segunda-feira (27), matando oito pessoas, segundo autoridades locais de saúde.

Capitais europeias, como Madri e Paris, tornaram-se nesta segunda palco de novas manifestações em apoio à causa palestina. Dezenas de milhares de pessoas exibiam cartazes contendo frases como "parem o genocídio" e defendendo a imposição de sanções contra Israel.

Manifestantes pró-Palestina durante protesto em Paris, na França - Geoffroy van der Hasselt - 27.mai.24/AFP

Com Reuters e AFP

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