Como democracia e economia da Venezuela decaíram sob Maduro

País viu ditadura recrudescer apesar de melhora relativa de índices econômicos após auge da crise

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Buenos Aires

A Venezuela está às vésperas de uma eleição crucial, em que a oposição aparece à frente nas pesquisas e o chavismo pode ver o fim de um ciclo de 25 anos. Destes, os últimos 11 foram sob Nicolás Maduro. O governo autoritário virou ditadura em 2017, quando o Executivo impediu o funcionamento de um Legislativo dominado pela oposição após um pleito livre e convocou eleições para instituir uma Assembleia Constituinte governista.

Esta fase de recrudescimento do regime, herdado após a morte de Hugo Chávez, tem sido marcada pela rápida deterioração da democracia e por uma das maiores crises humanitárias e migratórias da América Latina, com ápice em 2018.

Um homem está levantando uma espada com uma lâmina curva, usando luvas brancas e um chapéu colorido. Ao fundo, há edifícios com cúpulas, sugerindo um evento ao ar livre. O homem parece estar em uma posição de destaque, possivelmente em uma celebração ou apresentação.
Nicolás Maduro ergue espada que teria sido do herói nacional Simón Bolívar, em comício no último dia de campanha em Maracaibo - Isaac Urrutia/25.jul.24/Reuters

A melhora recente de alguns índices econômicos faz Maduro falar no surgimento de uma "nova Venezuela", mas salários irrisórios, a persistência da pobreza e da desigualdade e a continuidade da perseguição a críticos do ditador seguem preocupantes.

Entenda abaixo como o país chegou até aqui e qual é a sua situação atual.

Como a democracia ruiu na Venezuela?

O autoritarismo começou ainda no governo de Hugo Chávez, que em 2009 fez uma emenda na Constituição para permitir reeleições ilimitadas. Mas foi depois que ele morreu de câncer, em 2013, que seu vice à época, Maduro, passou a mostrar a face mais autoritária do regime, tentando conservar o poder mesmo sem gozar da mesma popularidade que seu antecessor.

Maduro suprimiu os poderes do Legislativo, aparelhou o Judiciário, cerceou a imprensa e reprimiu com violência protestos que eclodiram principalmente em 2014, 2017 e 2019. Ele se reelegeu em 2018 sob eleições questionadas, boicotadas pela oposição e sem a presença de observadores internacionais.

Segundo a ONG Foro Penal, até o último dia 22 de julho o país registrou quase 16 mil prisões políticas desde 2014, ainda no início de sua gestão, além de ao menos 273 mortes em manifestações de 2002 a 2019. Hoje, 305 dissidentes seguem presos, sendo cerca de metade militares, muitos acusados de planos para derrubar o regime —caso da conhecida ativista Rocío San Miguel e de sete membros de um partido da oposição detidos neste ano.

"Os numerosos eventos registrados [nos últimos meses] confirmam que nos encontramos diante de uma fase de reativação da modalidade mais violenta de repressão", afirmou em março a missão da ONU no país, que em outras ocasiões documentou evidências de tortura contra dissidentes, com casos que incluíam espancamento, descarga elétrica e violência sexual.

Este endurecimento se deu junto com a ascensão de uma nova líder opositora, a ex-deputada María Corina Machado, que reativou o antichavismo em carreatas pelo país e foi impedida de concorrer a cargos públicos por 15 anos. Ela surgiu em uma Venezuela cansada e decepcionada com a política, que se despolarizou nos últimos anos. Sem poder disputar a eleição, seu representante é Edmundo González, que chegou a marcar 60% das intenções de voto em sondagens de institutos independentes.

Soma-se ao cenário a falta de acesso à informação livre. O regime cooptou os grandes meios de comunicação, enquanto centenas foram quebrando em meio à crise econômica. O que sobrou foram veículos digitais independentes, num país com apagões de energia diários e profissionais que têm até três empregos para se sustentar. Muitos trabalham sob autocensura, evitando fazer críticas a pessoas específicas.

O que aconteceu com a economia?

A crise econômica na Venezuela começou a dar as caras em 2013, atingiu seu ápice em 2018 e até hoje deixa grande parte da população sem acesso a produtos básicos, já que os preços são muito elevados. A principal raiz do problema, de acordo com analistas, foi a grande dependência do petróleo.

Com o fim da bonança das commodities, que ajudou Hugo Chávez a reverter altos índices de pobreza durante a década de 2000, as receitas caíram e não foram suficientes para sustentar os elevados gastos, a má gestão e a corrupção dentro do governo. A inflação explodiu a mais de 130.000%, a moeda local (bolívar) derreteu, e o PIB despencou.

A queda abrupta das exportações, e portanto da entrada de dólares e importações, foi agravada pelas sanções impostas pelos Estados Unidos e outros países ao regime a partir de 2015, causando uma crise de abastecimento —o presidente Joe Biden relaxou algumas restrições em 2022, mas voltou a aplicá-las em janeiro, após a inabilitação de María Corina Machado.

Com a quebra total do país, por volta de 2019, Maduro começou uma silenciosa e progressiva volta à economia de mercado para estabilizar a situação: readmitiu o uso de dólares enquanto a população fugia dos bolívares, cessou o discurso anticapitais e congelou os reajustes de salários para servirem como âncora à inflação.

O PIB voltou a subir, a inflação já está longe do seu pico, os negócios voltam a despontar e a economia está mais diversa, mas isso tudo ocorre sem uma melhora da renda da população e com um aumento da informalidade. Um trabalhador ganha em média US$ 213 por mês (R$ 1.200), enquanto a cesta básica está em US$ 500 (R$ 2.820), segundo o Observatório Venezuelano de Finanças.

Qual é a situação social da Venezuela hoje?

A estabilização econômica fez os índices de pobreza recuarem nos últimos dois anos em relação ao auge da crise. Mas venezuelanos falam em "bolsões de riqueza", já que 52% da população continua pobre —muito acima dos 35% historicamente registrados no país.

"A abertura econômica que ocorreu a partir dos anos 2019-2020 fez com que as diferenças sociais se ampliassem", diz a edição mais recente da Pesquisa de Condições de Vida (Encovi), da Universidade Católica Andrés Bello (Ucab). Na prática, o aumento da qualidade de vida se resume em ter mais dólares para comprar os produtos que passaram a entrar, e não níveis educacionais mais elevados, por exemplo.

O relatório indica que, para compensar os baixos salários, 80% dos habitantes do país recebem benefícios sociais do regime de, em média, US$ 19,50 (R$ 110) mensais. Enquanto isso, os serviços públicos continuam com problemas. A Venezuela virou o país do 'GoFundMe', diz uma jornalista que prefere não se identificar, referindo-se a "vaquinhas online" organizadas para cobrir despesas com saúde ou educação.

Hoje, mais de 7,7 milhões de venezuelanos, mais de um quarto da população, vivem fora do país, segundo a ONU, representando uma fonte de renda importante para os que ficaram ao enviar dólares. Parte dos emigrantes agora começa a voltar, mas o meio da pirâmide etária segue encolhido, com maior quantidade de idosos e também de jovens que já nasceram sob a sombra do autoritarismo.

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