Dois lugares distantes do mundo, conhecidos por seus climas temperados, estão sendo atingidos por desastres mortais. Incêndios florestais mataram mais de 130 pessoas enquanto varriam regiões costeiras do Chile, e chuvas recordes fizeram com que rios transbordassem e desencadeassem deslizamentos de terra no sul da Califórnia.
Por trás desses riscos estão duas forças poderosas: a mudança climática, que pode intensificar tanto a chuva quanto a seca, e o fenômeno natural conhecido como El Niño, que também pode aumentar o clima extremo.
Na Califórnia, meteorologistas vinham alertando há dias que uma forte tempestade fora dos padrões, conhecida como rio atmosférico ou rio voador, estava ganhando força por conta das altas temperaturas do oceano Pacífico. As chuvas começaram no fim de semana e vários cidades estavam em estado de emergência. Na segunda-feira (5), autoridades alertaram que a área de Los Angeles poderia ser inundada com o equivalente à chuva de um ano em um único dia.
No hemisfério sul, o Chile tem sofrido com a seca há quase uma década. Isso preparou o cenário para um fim de semana infernal, quando, em meio a uma onda de calor severa, os incêndios florestais eclodiram. O presidente Gabriel Boric declarou desde então dois dias de luto nacional e alertou que o número de mortos nos devastadores incêndios poderia "aumentar significativamente".
Tanto as enchentes quanto os incêndios refletem os riscos climáticos extremos causados por uma perigosa combinação de aquecimento global, que é principalmente causado pela queima de combustíveis fósseis, e o El Niño deste ano, um fenômeno climático cíclico caracterizado pelo superaquecimento na porção equatorial do oceano Pacífico.
O incêndio no Chile e a enchente na Califórnia sucedem o ano mais quente em terra e nos oceanos. Eles anunciam o que quase certamente será um dos cinco anos mais quentes registrados, segundo a instituição americana Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (Noaa, na sigla em inglês).
"Esses incêndios e enchentes sincronizados no Chile e na Califórnia são certamente um lembrete dos extremos climáticos e seus impactos em climas mediterrâneos que, de outra forma, não teriam gravidade", disse John Abatzoglou, cientista do clima na Universidade da Califórnia em Merced.
Segundo ele, as variáveis climáticas, juntamente com os efeitos do El Niño, "são os principais instrumentos da orquestra para a ocorrência de fenômenos extremos" em lugares específicos, "com o ruído da mudança climática cada vez mais alto com o passar dos anos".
Os dois desastres destacam o que alguns especialistas chamam de risco subestimado das mudanças climáticas. Embora tenha sido investido muito dinheiro e atenção na preparação para a seca na Califórnia, as chances de consecutivas tempestades pesadas também estão aumentando em um clima mais quente. "Não estamos realmente prontos", disse Daniel Swain, cientista do clima na Universidade da Califórnia (UCLA). "Deixamos de considerar seriamente os aumentos no risco de enchentes em um clima mais quente", disse ele.
Brett Sanders, professor de engenharia na Universidade da Califórnia em Irvine, que concentra seu trabalho no gerenciamento de enchentes, disse que eventos de rio atmosférico como o que está atingindo a Califórnia agora têm sido previstos por modelos climáticos e estão apresentando novos desafios para os planejadores urbanos.
"A mentalidade do passado era que poderíamos controlar as enchentes e conter onde ocorriam as inundações. E fora disso, a sociedade, empresas e residentes poderiam continuar fazendo o que fazem, sem pensar em enchentes", disse Sanders. "Mas agora sabemos que, nos Estados Unidos, estamos vendo que a infraestrutura não tem tamanho suficiente para conter o clima extremo atual".
Não colaborou que, em regiões do Chile atingidas pelo calor e pela seca, existam grandes plantações de monocultura de árvores altamente inflamáveis próximas a cidades e vilas. Quando o incêndio começou, ventos fortes e quentes espalharam as chamas rapidamente.
Incêndios não são incomuns durante os meses quentes de verão. Estima-se que 1,7 milhões de hectares tenham sido alvo de queimadas na última década, triplicando o território destruído pelo fogo na década anterior.
O governo impulsionou o financiamento para combate a incêndios este ano, mas não foi suficiente para evitar os piores incêndios do país em uma década.
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