Sob um calor de 33ºC, a bandeira do Chile virou toldo em meio à muvuca que tentava impedir os fura-filas. "Viemos nos despedir de um presidente democrático, estamos todos a favor do diálogo", gritava em tom de brincadeira a chilena Nubia Serrano, 56.
A espera era para dar tchau a Sebastián Piñera, ex-presidente de direita que liderou o país duas vezes —de 2010 a 2014 e de 2018 a 2022. Ele morreu afogado nesta terça-feira (6), aos 74 anos, após o helicóptero que pilotava cair num lago na região de Los Ríos, no centro-sul chileno.
"Eu acho que ele está vendo a gente e está feliz", dizia Nubia enquanto esperava para ver o caixão no antigo palácio do Congresso Nacional, em Santiago.
A família decidiu abrir as portas do velório à população na tarde desta quarta (6), e logo depois uma missa foi realizada com a presença de seis ministros da gestão atual de Gabriel Boric, que declarou luto nacional por três dias. A expectativa é que o velório aberto seja estendido até esta quinta (8).
Já na sexta (9), Piñera será transportado em cortejo até o palácio do governo La Moneda, onde será homenageado pelo atual presidente e depois conduzido até a Catedral de Santiago para uma missa fúnebre. O enterro então acontecerá no cemitério Parque del Recuerdo, na zona norte de Santiago.
Uma fileira de gente estacionou o carro na estrada, acumulou-se em pontes ou foi às ruas no entorno do palácio para ver o cortejo que levou o caixão do aeroporto até o centro da cidade. Eles receberam o carro balançando panos brancos, cantando o hino nacional e jogando pétalas vermelhas e brancas.
Dentro do Congresso, os apoiadores passavam por poucos segundos em volta do caixão, onde estavam membros da família. Era possível ver o rosto e o busto de Piñera, vestido com a faixa presidencial azul, branca e vermelha, mas não foi permitido fazer imagens.
No fim da tarde, a fila dava uma volta no quarteirão. As pessoas cantavam "Piñera, amigo, o povo está contigo" e "se sente, se sente, Piñera presidente" enquanto sustentavam bandeiras e broches vendidos com o rosto do político, que era considerado um líder relevante da direita chilena.
Entre elas estava Nubia, que exaltou a capacidade de diálogo do ex-presidente durante o "estalido social" que enfrentou em 2019, com massivos e violentos protestos contra a desigualdade social e o alto custo de vida no país. "Ontem adormeci enquanto chorava", contou, levando uma foto de Piñera e outra do papa João Paulo 2º (1920-2005) atadas com clipes no bolso da camisa.
A engenheira Verónica Espíndola, 50, adiou a viagem de volta para casa no interior para ver o velório. "Vim me despedir de um grande presidente, que é muito inteligente, que fez muitas coisas pelo Chile. As pessoas destacam muitas coisas que ele fez na pandemia. Mas foi o melhor presidente que o Chile teve nos últimos anos, e sempre", defendeu.
Já a advogada colombiana Milena Gomez, 41, que mora no Chile há oito anos, elogiou o diálogo que o ex-líder teve com o ex-presidente de seu país, Iván Duque (2018-2022). "Ele ajudou muito a nós trabalhadores que chegamos nessa época, sem tanta burocracia. Foi um estadista", afirmou.
Os familiares de Piñera fizeram uma cerimônia privada horas antes, ainda na base aérea, na qual Boric cumprimentou e conversou por alguns minutos com a ex-primeira-dama Cecilia Morel.
Nesta quarta, a autópsia feita no corpo indicou que ele morreu por asfixia devido à submersão no lago. "Pulem vocês primeiro, porque, se eu pular junto, o helicóptero vai cair em cima de todos nós", ele teria dito aos outros três passageiros, que conseguiram escapar e chegar até a margem.
Estavam no helicóptero a irmã do ex-presidente, Magdalena, seu amigo Ignacio Guerrero e o filho dele, Bautista.
Piñera assumiu o governo chileno pela primeira vez em 11 de março de 2010, poucos dias depois de um terremoto que matou mais de 500 pessoas e foi o mais intenso do país desde 1960. Agora, morre em meio a outra tragédia, a pior desde o tremor de 14 anos atrás: os incêndios que assolam a região de Valparaíso e deixaram ao menos 131 vítimas.
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