A renomada ativista Rocío San Miguel, 57, especializada em questões militares, será acusada pelo regime da Venezuela de traição à pátria, terrorismo e conspiração, disse na segunda-feira (12) o procurador-geral Tarek William Saab. Organizações que atuam com direitos humanos dizem que ela foi detida no Aeroporto Internacional Simón Bolívar, em Maiquetía, no momento em que tentava deixar o território venezuelano
Saab escreveu na plataforma X que o Ministério Público solicitará ao tribunal antiterrorismo que cuide do caso de "privação judicial preventiva da liberdade" de San Miguel por supostos crimes que teriam colocado em risco a segurança da Venezuela. Antes, ele já havia acusado a ativista, sem apresentar provas, de vinculação com o caso "Brazalete Blanco", um suposto plano para matar o ditador Nicolás Maduro e outras autoridades do país.
Várias organizações e a defesa de San Miguel afirmam que ela e cinco de seus familiares —sua filha, dois irmãos, seu pai e seu ex-marido— sofreram "desaparecimento forçado". A prática vem se tornando corriqueira na Venezuela e já foi denunciada, entre outros, pelo Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos.
O Ministério Público também solicitará a "privação preventiva de liberdade" do militar reformado Alejandro José Gonzales De Canales Plaza, ex-companheiro de San Miguel, pela "suposta prática dos crimes de revelação de segredos políticos e militares relativos à segurança da nação, além da obstrução de administração da Justiça".
Saab disse que as autoridades apresentariam em uma audiência, ainda sem data definida, seis cidadãos que, após "rigorosas investigações preliminares", parecem envolvidos na trama conspiratória chamada "Brazelete Blanco". O procurador não especificou se familiares de San Miguel estão no grupo.
"[Trata-se de] uma detenção que se estende ao grupo familiar, a qualquer pessoa que tenha ligação emocional ou familiar com Rocío San Miguel. Isto é terrível", disse González Taguaruco, um dos advogados de defesa da ativista. Ela e familiares teriam sido detidos na última sexta-feira (9).
O regime da Venezuela denuncia com frequência supostos planos conspiratórios contra Maduro. Só em 2023, autoridades disseram ter neutralizado cinco conspirações envolvendo militares, jornalistas e ativistas de direitos humanos.
O governo dos Estados Unidos afirmou estar "profundamente preocupado" com os relatos sobre a ativista. "Estamos acompanhando isso muito, muito de perto", disse o porta-voz da Casa Branca, John Kirby, a repórteres, instando Maduro a cumprir os compromissos que seu governo fez em um acordo com a oposição política para realizar eleições este ano. "Maduro precisa cumprir os compromissos que ele fez no outono sobre como eles vão tratar a sociedade civil, ativistas políticos, bem como os partidos de oposição", disse Kirby.
O acordo eleitoral de Maduro com a oposição levou os Estados Unidos a suspender temporariamente as sanções ao petróleo venezuelano, mas Washington começou a reimpor sanções no mês passado depois que o principal tribunal da Venezuela manteve o veto à candidatura da principal candidata presidencial da oposição, Maria Corina Machado.
San Miguel se tornou conhecida porque, além do fato de hoje ser uma das principais vozes independentes a analisar o regime, ela também foi um dos primeiros alvos da perseguição política na Venezuela em meio à autocratização do poder no início dos anos 2000.
Em 2004, quando atuava como funcionária no Conselho Nacional de Fronteiras da Venezuela, ela e outras duas colegas foram sumariamente demitidas após assinarem uma petição a favor de um referendo que votaria a revogação do mandato do então presidente Hugo Chávez.
Chávez afirmou que o referendo atentava contra a soberania nacional e exigiu às autoridades eleitorais que entregassem uma cópia da lista dos que assinaram a petição. Com seu nome na lista, ela foi demitida pouco depois e chegou a apresentar seu caso à CIDH, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e à corte de mesmo nome.
Em 2012, a CIDH chegou a emitir medidas cautelares de proteção a Rocío San Miguel e sua filha, afirmando que ambas eram ameaçadas por autoridades. Depois, em 2018, emitiu parecer favorável ao caso, mas deu até o próximo 6 de maio para que Caracas respondesse. Até aqui, o regime de Maduro não tem respeitado as decisões da comissão.
"As acusações [conta San Miguel" nos parecem absurdas e infundadas", disse o advogado González Taguaruco. Opositores do regime e ONGs também questionam a prisão.
"O padrão sistemático de desaparecimentos forçados temporários na Venezuela foi documentado por órgãos das Nações Unidas e relatado ao Grupo de Trabalho sobre Desaparecimentos Forçados ou Involuntários", afirmaram 204 organizações em um comunicado conjunto divulgado na segunda.
A detenção de San Miguel e de familiares "dá continuidade a uma tendência preocupante" de prisões arbitrárias, disse em nota a embaixada dos EUA na Venezuela que funciona a partir de Bogotá.
A possível detenção mais uma vez amplia os alarmes sobre o autoritarismo na Venezuela. Em especial porque é ampla a expectativa sobre a possibilidade de eleições presidenciais serem realizadas no país neste ano, ainda que o descrédito em relação ao pleito seja amplo, com boa parte da comunidade internacional e de especialistas prevendo que Maduro não se desprenderá tão fácil do poder.
Os temores cresceram após Caracas inabilitar eleitoralmente os principais nomes da oposição, com María Corino Machado à frente. Ela foi, aliás, uma das que saiu em defesa de Rocío San Miguel. "Pedimos solidariedade nacional e internacional com ela e com todos os presos e perseguidos políticos da Venezuela", escreveu no domingo no X.
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