Descrição de chapéu imigrantes

República Dominicana fecha fronteira com Haiti e escala crise regional

Disputa da vez tem como pano de fundo desvio de águas de rio; medida deve ter impacto migratório e econômico

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São Paulo

A República Dominicana fechou na manhã desta sexta-feira (15), por tempo indeterminado, sua fronteira com o Haiti, ampliando o isolamento da nação vizinha que vive aquela que é considerada a mais grave crise humanitária das Américas.

O presidente dominicano, Luis Abinader, anunciou o fechamento das fronteiras terrestre, marítima e aérea na noite de quinta (14) após um conflito que envolve a construção de um canal destinado a desviar as águas de um rio comum aos dois países para vendê-las a agricultores.

Haitianos reunidos em região onde é construído desvio para águas do rio Massacre, em Ouanaminthe
Haitianos reunidos em região onde é construído desvio para águas do rio Massacre, em Ouanaminthe - Octavio Jones - 14.set.23/Reuters

Privado, o projeto não contava com aval público de Porto Príncipe —mas, frente à ação do país vizinho, o governo haitiano saiu em defesa do que chama de sua soberania sem manifestar contrariedade ao desvio das águas. A justificativa oficial para a obra é mitigar os impactos de uma seca prolongada na planície haitiana de Maribaroux.

Poucas horas após a determinação de Abinader, centenas de haitianos que estavam no país vizinho cruzavam a fronteira de volta a sua nação de origem. Segundo relatou a agência Reuters, mais de mil haviam atravessado a fronteira somente na noite de quinta.

O líder dominicano descreveu como "uma ação provocativa" e "uma construção totalmente inadequada" o projeto de desvio das águas do rio Massacre. Segundo Santo Domingo, a medida viola o acordo de fronteira dos dois países, que dividem a ilha de Hispaniola no Caribe.

A medida escala o conflito entre as nações. Abinader, com apoio da população, tem adotado uma política linha-dura contra imigrantes haitianos, que chegam em volume expressivo —ONGs locais estimam que de 250 a 300 cheguem diariamente. Na última segunda-feira, seu governo suspendeu a emissão de vistos para haitianos. A administração também já havia bloqueado parte da fronteira terrestre.

"Se há pessoas 'incontroláveis' lá [no Haiti], elas serão um problema para o governo haitiano, não para o governo dominicano", acrescentou Abinader que, no entanto, afirma que segue tendo conversas com Porto Príncipe em busca de soluções para as rixas regionais.

Especialistas da ONU afirmaram no início da semana que mulheres gestantes e puérperas haitianas que buscavam atendimento médico na República Dominicana teriam sido presas enquanto realizavam exames e deportadas imediatamente, sem possibilidade de apelar da decisão.

Já o Ministério da Comunicação haitiano afirmou, em nota, que o país "pode decidir soberanamente sobre a exploração dos seus recursos naturais" e que "tem todo o direito de realizar as capturas [das águas]".

O Haiti vive uma grave crise política, social e econômica agravada após o assassinato do presidente Jovenel Moïse em 2021 por mercenários estrangeiros. Com o vácuo no poder —hoje a mais alta autoridade do país é o premiê Ariel Henry, alvo de críticas da população e chefe de um governo disfuncional—, gangues urbanas armadas expandiram sua capilaridade e já controlam ao menos 80% de Porto Príncipe.

A República Dominicana fechou sua fronteira com o Haiti pela última vez após o assassinato de Moïse. Desde então, Abinader tem bloqueado ocasionalmente partes da fronteira e começou a construir um muro entre os dois países, medida controversa e alvo de críticas internacionais.

Além do dilema migratório —muitos haitianos cruzam para o país vizinho não apenas em busca de serviços básicos, mas também em busca de voos, já que são poucos os que partem do Haiti—, há uma incógnita sobre o impacto econômico do fechamento da fronteira.

Mais de 25% das importações oficiais do Haiti têm origem na República Dominicana, que é o terceiro maior parceiro comercial dos haitianos. Dessa maneira, o mercado haitiano também tem relevância considerável para empresários do lado dominicano.

O desafio ficou evidente na ação anunciada por Joel Santos Echavarría, ministro da Presidência dominicano —cargo similar ao de ministro da Casa Civil no Brasil— de que o governo irá comprar todos os produtos perecíveis de produtores locais que normalmente são exportados para o Haiti, como frango, cebola, feijão e berinjela.

"Os produtores devem saber que o governo vai apoiá-los nesta situação, porque a medida tomada pelo presidente representa uma questão de segurança e defesa da soberania nacional", disse à agência de notícias Associated Press.

Em 2021, os países emitiram declaração conjunta em que reconheciam um acordo de 1929 que estabelecia que ambos tinham direito de utilizar a água do rio Massacre. As obras para desviar o fluxo, segundo o líder dominicano, não foram autorizadas pelo governo de Ariel Henry e são realizadas por ex-políticos e empresários locais. Luis Abinader, no cargo desde 2020, disse que isso mostra a "desordem crescente" no Haiti e a falta de controle do governo local sobre seu território.

Com AFP, Reuters e The New York Times

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