A Coreia do Norte é para a comunidade internacional uma espécie de constante pesadelo, desde que explodiu em 2006 sua primeira bomba atômica. O pior é que não há no horizonte diplomático nenhuma iniciativa para enquadrar as ambições militares da pequena ditadura comunista da Ásia.
Os EUA e seus aliados, como Coreia do Sul e Japão, ainda estão sob a ressaca do fracasso da cúpula de Hanói, quando o então presidente Donald Trump e o ditador Kim Jong-un se separaram, em fevereiro de 2019, sob o mais espalhafatoso desacordo.
Mesmo assim, agentes de todos os gêneros se mexem para encontrar uma saída. Esse foi o tema do podcast do CFR (Council on Foreign Relations), centro americano de pesquisas em política internacional. Participaram da conversa o vice-presidente da entidade, James Lindsay, e Jenny Town, diretora do Stimson’s 38 North, grupo altamente especializado em Coreia do Norte —38 é o número do paralelo geográfico que separa as duas Coreias.
Lindsay resume numa curta frase o atual impasse das negociações: "Os norte-coreanos insistem para que os EUA os reconheçam como potência nuclear, o que Washington jamais faria, porque isso arrebentaria com sua política de não proliferação".
Mas essa divergência fundamental não significa que as coisas estejam paradas. O quadro é mais grave porque as coisas estão andando para trás, assinala Town. Ela cita a decisão que Pyongyang anunciou no ano passado, que mudou o estatuto do seu arsenal nuclear. A bomba não é mais um instrumento de dissuasão, que desestimula a invasão do território por um inimigo. É bem mais que isso. Virou um instrumento de defesa a ser utilizado em caso de ameaça eminente. Ou seja, os norte-coreanos podem puxar o gatilho caso subjetivamente acreditem que os ocidentais têm contra eles más intenções.
Town afirma ainda que não houve mudança fundamental de predisposição na passagem de Trump para Joe Biden. O republicano desprezava a península coreana e chegou a ameaçar retirar forças militares americanas da Coreia do Sul. O democrata não chegaria a tanto. Mas manteve a inflexibilidade quanto às sanções econômicas que os EUA adotaram em retaliação aos testes nucleares norte-coreanos.
Com a consistência de tamanho impasse, os debatedores do CFR descrevem como pueril (não chegam a usar a expressão) a reiterada afirmação norte-coreana de que está pronta para negociar "qualquer coisa, em qualquer momento e em qualquer lugar". Diplomacia de verdade não é feita assim. É necessária uma agenda detalhada, e é por falta dela que não ocorreu uma nova cúpula como a de Hanói.
Depois daquele encontro na capital vietnamita outra mudança importante foi a do governo sul-coreano. De mais liberal, o Executivo é hoje mais conservador. Um dos efeitos da mudança está na discussão –da qual os Estados Unidos não participam– sobre a hipótese de Seul hospedar em seu território um pedaço do arsenal nuclear americano. Ou então, dispensando intermediários, produzir sua própria bomba atômica.
Seria a repetição, em outro canto da Ásia, do mesmo roteiro que levou o Paquistão a fabricar a bomba atômica, como forma de se contrapor à bomba em poder da Índia. O que o podcast do CFR não diz é que tal equilíbrio é frágil em razão da leviandade política que poderia levar um dos países a perder a cabeça diante de um desentendimento que viraria guerra nuclear.
Sem mudar de assunto, Town relata que indiretamente a Guerra da Ucrânia fortaleceu na Coreia do Sul a tese de que a nuclearização do país seria necessária. Isso porque –e o raciocínio é indireto e tortuoso– a Rússia tem ameaçado sua vizinha e inimiga com o uso da bomba atômica. Pouco importa que ela tenha a intenção verdadeira de usá-la. O fato é que uma potência nuclear ameaça um vizinho desnuclearizado. Exatamente como a Coreia do Norte diante da Coreia do Sul.
Além de seis testes nucleares, o último deles em 2017, os norte-coreanos têm um programa ambicioso e bem-sucedido de lançadores. Seus mísseis já partem de silos subterrâneos, onde os satélites de observação não conseguem mais detectá-los. E esses mísseis são ainda frequentemente testados.
E sobretudo: a Coreia do Norte já disporia de mísseis intercontinentais, que podem teoricamente atravessar o Pacífico e atingir o território americano. São mísseis concebidos para transportar explosivos, inclusive nucleares. É claro que Pyongyang não ousaria ir tão longe. Receberia imediatamente um troco, e o planeta Terra seria destruído pela radioatividade.
Trocando em miúdos, a Coreia do Norte não é apenas um problema asiático. Simples assim.
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