A ditadura da Nicarágua encerrou as atividades da Cruz Vermelha do país e confiscou seus bens, em mais uma ofensiva autoritária do regime de Daniel Ortega poucos dias depois do aniversário de cinco anos dos protestos massivos que levaram ao endurecimento do regime.
A dissolução da entidade aconteceu nesta quarta-feira (10), por meio da aprovação de uma lei pela Assembleia Nacional, dominada por orteguistas. A sociedade nacional, que pertence ao Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, teria atuado "contra seus princípios de humanidade, imparcialidade e neutralidade durante os acontecimentos de 2018 que atentaram contra a paz e a estabilidade da nação", segundo nota dos legisladores.
De acordo com a CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), ao menos 355 pessoas foram mortas durante os protestos de 2018, nos quais a organização humanitária atuou atendendo feridos.
Em 2022, a Cruz Vermelha Nicaraguense fez 26.058 atendimentos no país, onde atuava havia 89 anos —o que significa que a organização conseguiu manter suas atividades durante a ditadura da família Somoza, no século 20, e na guerra civil, que acabou em 1979, mas não resistiu ao regime de Ortega.
O texto aprovado pelos deputados determina também que todo o patrimônio da entidade passará a ser propriedade do Estado. Seus bens expropriados serão administrados por uma nova organização, que prestará o serviço anteriormente feito pela Cruz Vermelha Nicaraguense. A entidade sucessora "continuará cumprindo o marco jurídico internacional fundamentado na Convenção de Genebra de 1949", diz o documento, citando o acordo que originou o direito humanitário internacional.
Os legisladores alegam ainda que a organização descumpriu a lei que regula ONGs no país. Em nota, o Ministério de Governo sustenta que a entidade deixou de apresentar demonstrações financeiras e declaração de impostos, além de não ter identificado seus doadores nem atualizado suas informações.
A entidade ainda não se pronunciou sobre a investida, apenas o capítulo final de uma tensão crescente. Em março do ano passado, o regime expulsou Thomas Ess, chefe da missão do Comitê Internacional da Cruz Vermelha no país, e não deu maiores explicações. Na época, a organização afirmou ter sido pega "de surpresa". Desde 2019, o comitê entrava nas prisões e acompanhava a condição dos encarcerados.
O caso reúne dois padrões da ditadura: o ataque a organizações da sociedade civil e a expropriação de bens daqueles que desagradam o regime.
Desde 2018, o Ministério de Governo já fechou mais de 3.000 ONGs, segundo o jornal nicaraguense Confidencial —em grande parte, sob o pretexto de irregularidades fiscais. No discurso oficial, o regime diz proteger o país de influências estrangeiras, às quais atribui qualquer divergência interna.
Mais recentemente, em fevereiro deste ano, a Nicarágua inaugurou outra prática de repressão: a expropriação de bens, aplicada agora à Cruz Vermelha do país. Naquele mês, 222 presos políticos foram expulsos, desnacionalizados e enviados para os EUA. Imóveis e empresas que tinham no país foram confiscados, regra que está sendo aplicada a outros opositores desde então.
Embora quase todos os presos políticos tenham sido liberados na ocasião, os cárceres nicaraguenses voltaram a receber críticos nos últimos dias. No começo de maio, 57 pessoas foram capturadas pelo regime, segundo o grupo Monitoreo Azul y Blanco —incluindo María de la Cruz Bermúdez, mãe de Richard Pavón, primeiro morto nos protestos há cinco anos e membro da Associação Madres de Abril.
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