Uma mensagem de texto enviada por Tucker Carlson que provocou pânico nos altos escalões da Fox News na véspera do julgamento da empresa por difamação mostrou o apresentador mais popular da rede compartilhando opiniões inflamatórias sobre violência e raça.
A descoberta da mensagem contribuiu para uma série de fatos que acabou levando à demissão de Carlson. Na mensagem, enviada a um de seus produtores horas depois que violentos apoiadores de Trump invadiram o Capitólio em 6 de janeiro de 2021, o apresentador contou que havia assistido a um vídeo de um grupo de homens –apoiadores de Trump, disse ele– atacando violentamente "um jovem ‘antifascista’".
Foram "três contra um, pelo menos". Ele então expressou um sentimento de consternação, porque os atacantes, como ele, eram brancos. "Pular num cara desse jeito é obviamente desonroso", escreveu. "Não é assim que homens brancos lutam." E Carlson disse ainda que, por um momento, viu-se desejando que o grupo matasse a pessoa que ele descreveu como o jovem "antifa".
Durante anos, Carlson defendeu pontos de vista em seu programa que amplificavam a ideologia do nacionalismo branco. Mas a mensagem de texto revelou mais de suas opiniões sobre superioridade racial.
O texto alarmou o conselho da Fox, que viu a mensagem um dia antes de a rede se defender contra a firma de urnas eletrônicas Dominion. O conselho ficou preocupado que a mensagem pudesse ser divulgada quando Carlson estivesse depondo, num episódio que levantaria questões mais amplas sobre a empresa.
No dia seguinte à descoberta, o conselho disse aos executivos da Fox que estava contratando um escritório de advocacia para conduzir uma investigação sobre a conduta de Carlson.
A mensagem de texto se somou a um número cada vez maior de questões internas envolvendo Carlson que levaram a chefia da empresa a concluir que ele era mais um problema do que um ativo e que tinha de sair, segundo várias pessoas informadas sobre a decisão. Em outras mensagens, ele se referiu a mulheres —incluindo uma executiva sênior da Fox– com termos grosseiros e misóginos.
A mensagem sobre a briga também desempenhou um papel na decisão da empresa de fazer um acordo com a Dominion por US$ 787,5 milhões (R$ 3,9 bilhões), a maior indenização conhecida num caso de difamação. Um representante de Carlson disse que ele não faria comentários.
A mensagem faz parte de processos judiciais "editados" (com trechos ocultados por tarja), e seu conteúdo não foi divulgado anteriormente. O conteúdo foi compartilhado em entrevistas com pessoas próximas ao processo de difamação contra a Fox. Elas falaram sob a condição de anonimato porque não queriam ser identificadas discutindo um assunto protegido por ordem judicial.
As mensagens de Carlson foram colhidas como parte do processo de difamação movido contra a Fox pela Dominion, que acusou a rede de divulgar conscientemente mentiras sobre fraude eleitoral.
Muitas mensagens compartilhadas no caso, inclusive entre executivos e apresentadores da Fox, foram divulgadas. Mas outras, incluindo aquela entre Carlson e um de seus produtores após o 6 de Janeiro, permanecem ocultas. Nessa mensagem, ele descreveu suas emoções ao assistir ao vídeo do confronto, que disse ter ocorrido nas ruas de Washington. Carlson não descreveu a raça do homem atacado.
"Eu me vi torcendo pela multidão contra o homem, esperando que eles o acertassem com mais força, o matassem. Queria que eles machucassem o rapaz. Podia sentir o gosto", escreveu. "Então, em algum lugar no meu cérebro, um alarme disparou: isso não é bom para mim. Estou me tornando algo que não quero ser. Alguém provavelmente ama esse garoto e ficaria arrasado se ele fosse morto. Se eu não me importo com essas coisas, se eu reduzo as pessoas à sua política, como sou melhor que ele?", escreveu Carlson.
A mensagem de texto chamou a atenção do conselho de administração da Fox e até mesmo de alguns executivos seniores pouco antes do início do julgamento, segundo duas pessoas informadas sobre deliberações internas da Fox. Na época, os negociadores da rede estavam entrando em discussões sobre um acordo extrajudicial antes da formação do que se configurava um júri diversificado.
No dia seguinte, o conselho informou à direção da Fox sobre o plano de mandar o escritório de advocacia Wachtell, Lipton, Rosen and Katz investigar Carlson. Essa revelação criou a possibilidade de que pudesse haver uma investigação firme sobre o que havia por trás das mensagens de Carlson, ao mesmo tempo que se desenrolava um julgamento e enquanto ele era o principal apresentador no horário nobre.
A Fox não comentou a demissão de Carlson, além de uma declaração anunciando que eles "concordaram em se separar" e agradecendo a ele por seu serviço. A rede não respondeu a um pedido de comentário.
Ainda não está claro como a mensagem passou despercebida anteriormente, visto que a equipe jurídica da Fox estava ciente dela e de outras mensagens ofensivas escritas por Carlson. Os advogados da Fox apresentaram a mensagem como parte do processo de descoberta. Carlson foi questionado sobre isso durante um depoimento, segundo várias pessoas que leram as transcrições não editadas.
Não foi garantido que a mensagem seria revelada em audiência pública. Os advogados da Dominion ainda tinham decidido se apresentariam o texto perante o júri. Os dois lados discordaram sobre se os advogados da empresa poderiam ter apresentado a mensagem editada no julgamento se tivessem decidido fazê-lo. A diferença tornou-se discutível depois que a Fox fechou um acordo de última hora em 18 de abril para pagar à Dominion US$ 787,5 milhões e evitar o julgamento.
A forma como os executivos e o conselho da Fox lidaram com o caso nos meses que antecederam o julgamento deverá ser discutida nas ações judiciais movidas contra a empresa em Delaware.
Embora o programa de Carlson, "Tucker Carlson Tonight", fosse apenas um pequeno fator no processo da Dominion, suas mensagens pessoais estavam atraindo um escrutínio exagerado.
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