O Brasil foi o país das Américas no qual mais pessoas tiveram de deixar suas casas no último ano devido a episódios de violência e eventos climáticos extremos, mostra relatório anual do Centro de Monitoramento de Deslocamento Interno divulgado nesta quinta (11).
Ao contrário de países como Colômbia e Haiti, onde a maior parte dos deslocados internos deixou sua casa em razão de conflitos, no Brasil a maioria dos movimentos forçados ocorre por eventos como fortes chuvas e enchentes, intensificadas em 2022 pelo fenômeno La Niña.
Ao todo, 713,6 mil brasileiros tiveram de abandonar seus lares. Ao menos 708 mil o fizeram por razões ligadas a desastres climáticos —o maior número para o país em dez anos— e outros 5.600 por razões ligadas a conflitos, em especial disputas por terra no estado de Goiás.
É como se todos os habitantes de uma cidade como Osasco tivessem sido forçados a deixar seus locais de residência para fugir dos efeitos de um conflito armado ou de catástrofes naturais.
Os dados, compilados desde 2013 pelo projeto do Conselho Norueguês para Refugiados, com base em Genebra, corroboram com o alerta para os efeitos da emergência climática, que intensifica a ocorrência de eventos extremos —levando, assim, a mais deslocamentos forçados.
Após o Brasil no topo do ranking regional estão: EUA (675 mil deslocados internos); Colômbia (620 mil); Haiti (121 mil) e Cuba (90 mil). Em parte, os números refletem o tamanho da população dos países —EUA e Brasil são os dois países mais populosos das Américas.
O material divulgado nesta quinta também revela que, globalmente, o número de deslocamentos internos em 2022 (60,9 milhões ao todo) foi 60% superior ao registrado um ano antes e também a maior cifra desde que esse monitoramento passou a ser feito.
Assim como ocorre no Brasil, também no mundo a maior parte dos deslocamentos ocorre por desastres ambientais ou geológicos, como terremotos. Esses fenômenos representam a causa de 32,6 milhões de deslocamentos no último ano —6 a cada 10 devido a enchentes.
Os outros 28,3 milhões de deslocamentos, guiados por conflitos e por violência, são puxados pela Guerra da Ucrânia, que moveu internamente 16,9 milhões de pessoas no país do Leste Europeu —o maior número registrado para apenas um país no histórico desse levantamento—, e pela República Democrática do Congo, no coração da África, onde conflitos civis deslocaram mais de 4 milhões.
No caso do Brasil, os dois eventos que mais causaram deslocamentos foram, respectivamente, as fortes chuvas em Pernambuco em maio de 2022, levando a mais de 131 mil movimentos, e fenômeno semelhante em Minas Gerais, em janeiro do mesmo ano, com 107 mil.
Se a situação do Brasil chama a atenção, o mesmo quadro se dá com países como Ucrânia, Haiti e Sudão, por exemplo. O primeiro, palco de uma guerra há mais de um ano, representou 60% dos deslocamentos forçados por conflitos no mundo. Ao final do ano, cerca de 5,9 milhões seguiam deslocados dentro do próprio país —outros milhares, afinal, decidiram cruzar a fronteira para nações vizinhas.
O relatório lembra que a situação de deslocados em contextos de guerra é muito mais grave do que a dos que conseguem seguir em suas casas durante a invasão. Mas os desafios variam. "Em Lugansk [região russófona ao leste da Ucrânia tomada pelos russos], 25% disseram que lutam para ter comida suficiente; enquanto em Kharkiv [no nordeste], 44% relatam dificuldades para conseguir dinheiro."
Já no Haiti, que vive uma intensa crise política e humanitária que chegou a ser comparada pela ONU à de um país em guerra, a quantidade de deslocados internos, em sua maioria devido à violência das gangues armadas, equivale a 1% do total da população. E o Sudão, que enfrenta um grave conflito local marcado por disputas entre o Exército, no poder após um golpe de Estado, e grupos paramilitares, é hoje o décimo país onde mais há deslocados internos no mundo. Apenas em 2022, 419 mil sudaneses tiveram de deixar suas casas. A perspectiva para este ano, de 2023, não é nada promissora.
Na última terça-feira (9), a OIM, o braço da ONU para migrações, informou que, apenas nas últimas três semanas, 700 mil pessoas foram forçadas a se deslocar internamente no país africano, pouco menos que o número total de deslocados no Brasil durante o último ano inteiro.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.