O terrorismo se vulgarizou como tamanha rotina que poucos se lembram dos dez anos das duas bombas que mataram três pessoas e feriram 281 junto à linha de chegada da Maratona de Boston, nos EUA.
O saldo desse atentado foi infinitamente menor que o do 11 de Setembro, quando, no colapso do World Trade Center, em Nova York, morreram 2.606. Mas as bombas da maratona tiveram dimensão dramática suplementar. Elas colocaram a mídia e a polícia americanas em suspense por cinco dias, e até o então presidente Barack Obama entrou na história, ao pedir a suspensão do lockdown imposto a Boston enquanto se caçava o último terrorista.
O cinema entendeu essa dramaticidade. E a Netflix acaba de lançar "Procurados - EUA: O Atentado à Maratona de Boston", documentário em três episódios dirigido por Floyd Russ, em que o 15 de abril de 2013 virou um produto de suspense aplicado à história real.
As bombas foram fabricadas por dois lobos solitários (sem vínculos com grupos terroristas), os irmãos Dzhokhar e Tamerlan Tsarmaev. Eram muçulmanos, de família tchetchena e nascidos no Quirguistão. Ambos chegaram a Massachusetts ainda meninos, com os pais, e já eram cidadãos americanos.
Mas eram cidadãos ressentidos. Um deles praticava luta livre e acreditou que só o preconceito religioso o impediu de entrar para a seleção olímpica dos EUA. Alguns meses de ódio foram suficientes para levá-los a comprar os explosivos e colocá-los numa panela de pressão, com um controle remoto para detoná-los.
O documentário é cuidadoso para não se tornar um panfleto islamofóbico. Traz longa entrevista com o imã da mesquita de Boston, que reitera a dimensão pacífica de sua fé e o patriotismo pró-EUA da sua comunidade. Dzhokhar e Tamerlan eram problemáticos, mas o religioso não suspeitava que fossem capazes de um radicalismo homicida.
Curiosamente, o FBI, a polícia federal americana, recebeu do serviço secreto russo informações alertando sobre as tendências terroristas de Tamerlan, que fizera breve viagem ao país em que nasceu. O alerta foi considerado pouco importante pelos agentes dos EUA, que, por isso, involuntariamente, deixaram os dois irmãos à vontade para seguirem adiante com seus planos ensandecidos.
As duas bombas explodiram com um intervalo de 14 segundos e a 190 metros de distância uma da outra. Ao lado da confusão e das ambulâncias, prevalecia entre os policiais o pânico e a perplexidade. Não tinham a menor ideia sobre os autores do ataque.
Era o início da tarde de uma segunda-feira, feriado estadual do Dia dos Patriotas. A maratona atraía uma multidão. Em algumas horas os policiais recolheram fragmentos metálicos no chão —vestígios da bomba deixada ali de modo intencional.
O segundo passo consistiu em tentar descobrir pistas sobre os autores. A polícia recebeu 6.000 horas de vídeos gravados por celulares e passou a monitorar câmeras dos prédios da região. Uma delas, na entrada de um restaurante, gravou um rapaz de boné branco que deixou uma mochila no chão. Era a primeira bomba. O registro era precário, mas permitiu localizar um segundo rapaz com o qual o primeiro se encontraria.
O tempo corria. A mídia e as pessoas cobravam a identidade e a prisão dos terroristas. Os dois rapazes sequestraram um jovem empresário chinês. Tentaram pegar a estrada para Nova York. Pararam para reabastecer. O empresário escapou e deu um jeito de avisar à polícia.
Segue-se a primeira caçada aos terroristas. A polícia dispara 210 tiros. Tamerlan, o irmão mais velho, é ferido e morre ao chegar ao hospital. Impressões digitais do cadáver. Os terroristas são identificados.
Uma imensa operação policial procura pelo sobrevivente. O governador de Massachusetts proíbe a abertura do comércio e a circulação de veículos. Boston e subúrbios mais próximos ficam desertos.
Já é tarde de sábado quando Dzhokhar é localizado, escondido num barco guardado no quintal de um morador. Sua prisão dá lugar a uma explosão de patriotismo. Cantam-se hinos. Aplaude-se a polícia.
O terrorista é meses depois condenado a morte. Mas esse tipo de penalidade é nos anos seguintes suprimido em Massachusetts. Eis que a pena foi restabelecida, e hoje o irmão sobrevivente está no corredor da morte. Pode ser executado a qualquer momento, sob os protestos de entidades de direitos humanos, como a Anistia Internacional.
É um detalhe que o documentário não traz. Sua visão se resume, quanto a isso, à luta dos mocinhos contra os bandidos.
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