Uma urna poderia perguntar hoje para um eleitor, em Israel: "Você vem sempre aqui?". E o pior é que ele vem. Nesta terça-feira (1º), o país realizou sua quinta eleição em menos de quatro anos para tentar formar um governo que possa —provavelmente não vai— chegar até o fim do mandato.
Israel tem penado para sair de seu ciclo eleitoral, o que sugere que o sistema não funciona tão bem. Essa questão já é bem conhecida, ademais. Nos últimos 20 anos, Israel teve dez eleições legislativas.
Um dos principais entraves é a barreira eleitoral, considerada baixa. Os partidos com mais de 3,25% dos votos nacionais são eleitos para o Parlamento. Com tanta competição, nenhum chega perto de ter a maioria dos assentos —61 num total de 120— necessária para formar um governo.
Nesse cenário fragmentado, os partidos precisam negociar duro para construir um consenso. Costumam recorrer a siglas pequenas, inclusive aquelas mais à margem no espectro político. Como resultado, os partidos menores têm influência desproporcional ao seu tamanho.
A candidatura do ex-premiê Binyamin Netanyahu é também um fator de instabilidade por si só. No passado, os israelenses talvez votassem pensando em temas como segurança, economia e o futuro dos palestinos. Nas últimas eleições, porém, o debate público se concentrou no destino político de Netanyahu —ou seja, os eleitores votaram para garantir seu retorno ao poder ou impedi-lo.
Suas batalhas na Justiça —ele responde a acusações de corrupção— agitaram ainda mais essas paixões. Basta passar os olhos pelas notícias na imprensa israelense e internacional nos últimos dias. Todas as reportagens sobre a eleição enfatizam a possibilidade de que Netanyahu volte ao poder. É mais raro encontrar análises sobre as propostas dos candidatos ou mesmo suas trajetórias políticas.
As bocas de urna divulgadas na tarde desta terça (1º), ao fim do pleito, indicavam que, somados, Netanyahu e aliados conseguiram 61 ou 62 assentos, margem estreita para tentar formar um governo. Para voltar ao poder, ele vai precisar contar com os radicais de direita Itamar Ben-Gvir e Bezalel Smotrich, alçados do baixíssimo clero para o papel de chancelar um governo.
O racista Ben-Gvir foi membro de um grupo terrorista e idolatra Baruch Goldstein, extremista israelense que matou 29 muçulmanos em 1994 em Hebron. Como tantos outros radicais de direita, matizou algumas de suas posições mais problemáticas, mas ainda defende, entre outras pautas, a expulsão de cidadãos árabes que não jurem lealdade a Israel. Ele também se opõe aos direitos das pessoas LGBTQIA+.
Netanyahu vai precisar, ainda, dos partidos ultrarreligiosos Yahadut Hatorá (Judaísmo da Torá) e Shas. Mesmo assim, não está claro se conseguirá 61 assentos. A coalizão contrária é liderada pelo centrista Yair Lapid, que atua hoje como premiê. Seu partido, Yesh Atid (Há Futuro), conta com a união centrista Machané Mamlachtit (Campo Nacional), o Ra'am (Lista Árabe Unida) e os esquerdistas Trabalhista e Meretz para tentar obter as tais 61 cadeiras.
Mesmo que Netanyahu ou Lapid consigam formar um governo, é difícil que, no contexto atual, ele dure muito. Se houver outra vez uma maioria parlamentar frágil, bastará que um só membro do governo rompa a aliança para devolver o país às urnas. No passado, pequenas siglas ultraortodoxas se aproveitaram desse poder para garantir que sua comunidade não fosse convocada ao serviço militar obrigatório.
As populações palestinas, tanto dentro quanto fora de Israel, observam esse vaivém com atenção.
Não há, no entanto, muita expectativa de que o resultado influencie as questões existenciais da política médio-oriental: a ocupação israelense da Cisjordânia, a disputa por Jerusalém e a possibilidade de retorno dos milhões de refugiados palestinos. De certo modo, não importa se Netanyahu, Lapid —ou ninguém— vai vencer o pleito. Os palestinos seguem, por ora, perdendo.
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