Acusações falsas de fraude em 2020 assombram midterms na Geórgia

Alvo de Trump para mudar eleição há quatro anos, estado volta a ser crucial para definição do controle do Senado

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Atlanta (Geórgia)

Símbolo maior das tentativas do ex-presidente Donald Trump de subverter a eleição que o tirou do cargo em 2020, o estado americano da Geórgia volta às urnas nesta terça-feira (8) para eleger senador, deputados e governador ainda sob a sombra das alegações infundadas de fraude há dois anos.

As midterms, como são chamadas as eleições de meio de mandato nos Estados Unidos, ocorrem enquanto o próprio Trump ensaia uma nova candidatura à Presidência —na quinta (3), ele disse que, "para tornar o país bem-sucedido, seguro e glorioso", irá "muito, muito, muito provavelmente concorrer de novo", o que seria anunciado até segunda (14), de acordo com a imprensa americana.

Público participa do festival Cherry Blossom na cidade de Macon, na Geórgia, sul dos Estados Unidos - Michael M. Santiago/Getty Images/AFP

Foi na Geórgia que Trump fez um dos gestos mais claros para tentar roubar a eleição, ao telefonar para o secretário de estado local, responsável pelo controle do pleito, e pedir expressamente: "Tudo o que quero é isso: encontrar 11.780 votos, um a mais do que temos [de diferença]. Porque nós ganhamos a Geórgia".

O hoje presidente Joe Biden venceu Trump por 11.779 votos de diferença e conquistou todos os 16 votos do Colégio Eleitoral do estado, o oitavo com maior peso no sistema americano. Desde 1996, com Bill Clinton, apenas republicanos eram eleitos por lá. Trump processou a Geórgia alegando que 15 mil eleitores votaram de maneira irregular, a maior parte com nomes de pessoas que já morreram, outros que não estavam registrados e alguns que não poderiam ter votado por terem sido condenados por crimes graves.

A Justiça afirma que as alegações eram não só falsas, como Trump sabia que eram falsas, e mesmo assim decidiu mantê-las. Mesmo sem conseguir reverter o resultado, o estrago já está feito, uma vez que até hoje moradores do estado repetem a mentira. "É claro que Trump ganhou em 2020", diz o motorista Carlos Reyes, 34, que vive em Atlanta e decidiu não votar neste ano. "Não deixaram ele assumir o cargo porque essas coisas são decididas antes", afirma ele, que ecoa outras teorias conspiratórias.

Nada disso tem base na realidade, mas a insistência em relação a fraudes fez as autoridades se prepararem neste ano com iniciativas para agilizar a contagem, na tentativa de evitar que conspirações que surgem quando os resultados demoram a sair ganhem força. Uma legislação local aprovada no ano passado autorizou condados a abrir e a escanear os votos que chegam pelo correio antes do dia da eleição. Um terço dos condados do estado afirmou que, mesmo que não possa divulgar os resultados, pretende começar a contagem dos votos antecipados antes que as urnas fechem.

Se concorrer novamente, Trump pode encontrar outra vez autoridades pouco abertas a atender a pedidos de mudança dos resultados, já que o atual governador, Brian Kemp, deve ser reeleito. O ex-presidente trabalhou duro para impedir outra candidatura do republicano, já que, em 2020, Kemp ignorou os apelos do correligionário e confirmou a vitória de Biden —desde então é alvo da ira do ex-chefe da Casa Branca.

Do outro lado da disputa pelo governo está Stacey Abrams, ativista pela ampliação do acesso de minorias ao voto e vista como crucial para que Biden tenha saído vitorioso por lá. Abrams e Kemp repetem o pleito de 2018, vencido pelo republicano com 50,2% dos votos. Neste ano, ele tem margem mais confortável, e, até a véspera da eleição, aparece com vantagem de 7,5 pontos percentuais nas intenções de voto.

Os moradores da Geórgia vão às urnas também para escolher um senador, em uma das corridas consideradas mais importantes para determinar se o atual presidente terá ou não maioria no Senado. A eleição opõe dois candidatos negros, o que traz forte simbolismo no estado onde atuaram alguns dos maiores nomes do movimento negro no país, como Martin Luther King Jr. e o ex-deputado John Lewis.

O candidato democrata, Raphael Warnock, busca a reeleição —ele foi eleito para ocupar o cargo em 2020 por apenas dois anos, na vaga do senador que decidiu se aposentar no meio do mandato.

O fato de ser pastor da Igreja Batista Ebenézer, a mesma em que pregou Martin Luther King Jr., lhe dá certa projeção —no memorial montado em frente à igreja, ponto turístico de Atlanta, há cartazes divulgando o livro de memórias do senador. "Impossível não votar nele. É a história do nosso povo. Não estou tão confiante em outros candidatos democratas, mas Warnock é o nosso pastor", afirma Ola Tunde, 42, que não frequenta a igreja, mas aproveitou a tarde de sol para levar a filha para conhecer o local.

Embora as pesquisas mostrem a disputa empatada tecnicamente, ao longo de outubro Warnock chegou a abrir mais de 4 pontos percentuais em relação ao rival, Herschel Walker, republicano apoiado por Trump.

Ele, que se dizia contrário ao aborto em qualquer situação, mesmo em casos de estupro, foi acusado por duas ex-namoradas de ter incentivado e pagado para que elas fizessem abortos no passado.

Além disso, um de seus filhos, Christian Walker, 23, influencer conservador com mais de 500 mil seguidores no Instagram, acusou o pai de violência doméstica. "Você não é um ‘homem de família’ quando nos deixou para fazer sexo com um monte de mulheres, ameaçou nos matar e nos fez mudar mais de seis vezes em seis meses fugindo da sua violência", escreveu no Twitter. Walker nega todas as acusações.

Opositores contrataram anúncios no Google, e, hoje, quem estiver em Atlanta e buscar pelo nome do candidato encontrará no topo da lista de resultados um site com o título "O passado violento de Herschel Walker". Estrela do futebol americano, com passagens por New York Giants e Philadelphia Eagles, ele não tem experiência na política. Em sua plataforma, além da proibição do aborto, advoga por "defesa da família", aumento do controle das fronteiras e aumento do financiamento das polícias.

Agora, a disputa nacionalizada, com a piora da economia sob Biden, pode ter dado um alívio ao republicano nas pesquisas. Se nenhum dos dois alcançar 50% dos votos, haverá segundo turno em 6 de dezembro, o que pode atrasar a definição de quem controlará o Senado a partir do ano que vem —hoje a Casa tem 50 senadores de cada partido, com o voto de minerva nas mãos da vice, Kamala Harris.

Como cada estado tem suas regras de votação e de contagem dos votos, não é possível ter certeza de que o resultado das midterms estará claro na noite desta terça ou na madrugada de quarta-feira (9).

Além do caso da Geórgia, há outros estados com corridas acirradas e mecanismos particulares que atrasam a apuração. Na Pensilvânia, por exemplo, os votos enviados pelo correio, que devem ser cerca de 1,5 milhão neste ano, só podem ser contados depois que as urnas fecharem.

Assim, se houver questionamentos na Justiça, o resultado pode atrasar ainda mais. Em 2020, Biden foi declarado vencedor quatro dias após a eleição, e quatro estados ainda tinham os resultados indefinidos.

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