ONU alerta para cerco de países contra defensores de migrantes e refugiados

Relatora especial Mary Lawlor vê criminalização de solidariedade em onda de acusações contra ONGs e ativistas

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"Houve um tempo em que ser gentil com as pessoas era visto como algo bom, mas a solidariedade agora vem sendo criminalizada." Variações dessa frase têm sido reproduzidas por Mary Lawlor, relatora especial da ONU sobre defensores de direitos humanos, em todas as oportunidades possíveis nas últimas semanas.

A irlandesa, que antes de ingressar no organismo multilateral fundou e dirigiu a ONG Front Line Defenders, diz estar preocupada com o que descreveu em recente relatório de 24 páginas como um processo de cerco jurídico e policial colocado em prática por diferentes países contra ativistas que ajudam refugiados e imigrantes.

Imigrantes aguardam em posto de segurança na Lampedusa até serem levados para outro local do país europeu - Alessandro Serrano - 10.jul.22/AFP

"Fiquei horrorizada quando descobri a quantidade de acusações, prisões e mesmo agressões físicas que alguns defensores sofreram simplesmente por ajudar imigrantes", diz Lawlor à Folha. "São acusações que podem ser bem sérias: promover imigração ilegal, tráfico de pessoas, espionagem; é chocante."

Do início de 2020 a junho deste ano, a relatora enviou ao menos 36 comunicados a 21 países expressando preocupação com o que ocorria em seus territórios com defensores de refugiados. México (6), Itália (5), Malásia (3) e Grécia (3) lideram a lista como os mais acionados com o alerta vermelho da ONU.

O documento que Lawlor apresentou na última sessão da Assembleia-Geral das Nações Unidas, fruto do que observou ao longo de dois anos de relatoria —e de toda uma carreira dedicada ao tema— reserva espaço significativo à União Europeia, um dos destinos principais de migrantes de países da África e, mais recentemente, da Ucrânia.

O relatório menciona, por exemplo, levantamento da Plataforma de Cooperação Internacional sobre Migrantes Indocumentados, ONG sediada em Bruxelas, segundo o qual 89 pessoas foram processadas na UE de janeiro de 2021 a março deste ano após prestarem ajuda humanitária a refugiados que chegavam aos países-membros do bloco.

Em 88% dos casos, defensores de direitos humanos foram denunciados por facilitar a entrada de imigrantes em situação irregular ou mesmo por contrabando de pessoas, a depender da legislação local. Em 28% deles foram levados à Justiça por supostos crimes de lavagem de dinheiro, espionagem e filiação a organização criminosa.

Lawlor menciona, entre outros, o caso de três imigrantes da Eritreia, país da costa leste africana, que conseguiram asilo na Itália, mas foram presos em 2016 por suspeita de promoção de imigração ilegal.

A alegação se sustentava em atividades de Afewerki Gebremedhn, Abraha Ghebrehiwet e Hintsa Mebrahtom durante 2014 e 2015, quando ajudavam outros imigrantes com informações básicas sobre o país, como a melhor maneira de encontrar uma hospedagem.

Eles ficaram presos em Roma por dois anos, até que, em maio deste ano, foram absolvidos pela última instância da Justiça italiana. A corte alegou que as provas não eram suficientes e que o crime, portanto, não existia.

A relatora também destaca com preocupação o caso da Líbia. Ali, diz, recebeu relatos de defensores que alegam terem sido torturados e assediados —alguns, sexualmente. Eles afirmam que foram acusados de conspirar contra a estabilidade do país e de tentar "colonizar" o território com imigrantes.

Outros contaram que foram proibidos de visitar migrantes detidos em prisões onde reconhecidamente há violações de direitos humanos.

À Folha Lawlor destaca que o Brasil não engrossou a lista de perseguição a ativistas da área da migração e refúgio, mas salienta que o país preocupa, e muito, no que diz respeito à violência de defensores do ambiente e de povos indígenas. A irlandesa disse ter tido conversas com altos diplomatas brasileiros sobre o tema.

"Ataques a defensores de direitos humanos, por atores estatais ou não estatais, devem ser investigados, e isso começa com vontade política", diz a relatora, que pede nas conclusões do relatório mais proatividade dos Estados. "A compaixão não é um crime."

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