Descrição de chapéu

Documentário sobre os Trumps tem acesso privilegiado à família, mas não traz revelações

Produzido por brasileiro, 'Unprecedented' estreia no streaming com imagens de dentro do Capitólio no dia da invasão

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Lúcia Guimarães
Nova York

Um brasileiro e um britânico entram na Casa Branca. Não é o começo de uma piada de bar, mas é uma situação notável, quando se leva em conta que os dois entraram munidos de câmeras e tiveram acesso sem precedentes à família Trump antes e depois da invasão do Capitólio, em janeiro de 2021. "Unprecedented" (sem precedentes, em tradução livre), o documentário em três partes dirigido pelo londrino Alex Holder e produzido e editado pelo carioca Marcos Horácio Azevedo, acaba de estrear na plataforma de streaming Discovery +.

O projeto ficou em segredo por mais de um ano, mas um furo do site Politico em junho revelou não só a existência do filme como o fato de que Alex Holder foi intimado pelo comitê que investiga o 6 de Janeiro. O comitê requisitou e obteve todas as gravações feitas pela dupla e entrevistou Holder, cuja equipe filmou e testemunhou a invasão do Capitólio.

Comício de Donald Trump em Iowa - Rachel Mummey - 9.out.21/Reuters

Holder e Azevedo passaram por Nova York e conversaram por telefone com a Folha. Os dois moram em Los Angeles e foram apresentados depois que o diretor já havia feito uma primeira entrevista com Trump, antes da eleição. Sobre a entrega das gravações sob intimação, o diretor não acredita se tratar de um precedente negativo. "Eu já esperava porque sabia que o comitê estava requerendo as imagens de todos que estavam presentes ao 6 de Janeiro. Não considero que isso afeta a nossa integridade ou independência porque se trata de um documento histórico," explica Holder.

O diretor, que havia começado a entrevistar e acompanhar Donald Trump e os 3 filhos mais velhos antes da eleição, já esperava os acontecimentos do 6 de Janeiro e planejou a filmagem na véspera. Ele culpa Trump pela explosão de violência, por causa da retórica e a insistência na mentira da eleição roubada.

"Unprecedented" foi precedido de semanas de promoção, com a liberação de trechos das entrevistas, numa seleção de clipes que criaram suspense sobre as revelações obtidas. Dias depois do distúrbio no Capitólio, os documentaristas capturam o momento em que o então vice-presidente Mike Pence lê no celular a notícia de que a líder democrata Nancy Pelosi pede que ele remova Donald Trump do cargo, invocando uma emenda constitucional. Mike Pence, imperturbável, diz apenas, "excelente".

Em outra cena, Ivanka Trump se contradiz sobre o que afirmou depondo junto ao comitê. No filme, ela diz que o pai deve continuar lutando para provar que ganhou a eleição. Sob juramento, ela disse que tinha aceitado a derrota do pai.

A intensa promoção antecipada de "Unprecedented" criou uma expectativa de revelações sensacionais sobre a família que já vivia em público antes do nascimento de Donald Jr, Ivanka e Eric Trump, os três filhos que seguiram o pai nas empresas e na vida política.

Mas o filme não revela fatos desconhecidos em décadas de livros e reportagens investigativas sobre Donald Trump. A surpresa maior, diz Holder, é o fato de que eles tiveram tanto acesso à família, viajando no avião presidencial, seguindo a campanha e gravando com o ex-presidente nos clubes, na Flórida e em Nova Jersey.

Marcos Horácio Azevedo explica que, desde o começo, a intenção era deixar Donald, Donald Jr, Eric, Ivanka e o genro de Trump Jared Kushner falar sem interrupção.

Como a família tem passado notório de encontros com a lei, por causa de práticas irregulares da empresa, e o patriarca bateu o recorde de mentiras proferidas por um ocupante da Casa Branca, o editor carioca diz que o critério foi não deixar passar inverdades patentes. Como contraponto, o filme usa entrevistas de conhecidos jornalistas políticos falando sobre os Trumps.

Alex Holder destaca as entrevistas em que os três filhos competem para se mostrar mais subservientes ao pai. "Fica claro que o que mais importa para esta família é a marca Trump, e a derrota na eleição é encarada como prejudicial à marca", diz o diretor.

A decisão dos documentaristas de se aproximar da família sem um ponto de vista e deixar o público decidir foi vista por alguns críticos americanos como um desperdício da oportunidade extraordinária. O acesso incomum foi talvez obtido porque a família não via num inglês desconhecido uma ameaça e esperava um resultado lisonjeiro sobre o "legado" da Presidência Trump que, eles tinham certeza, teria um segundo mandato.

Sobre o clima que encontrou entre os Trumps depois do 6 de Janeiro, Holder conta que a deterioração foi real. "Trump estava com mais raiva, depois deprimido e havia engordado quando o encontrei em Mar-a-Lago, na Flórida."

No filme, Trump é o único que comenta o 6 de Janeiro, mentindo de novo e defendendo os manifestantes. Os três filhos se recusam a responder, mas Azevedo diz que o medo das consequências era evidente. Ele conta que acabou de encontrar um resto de áudio não incluído no filme em que Eric Trump lamenta, "o 6 de janeiro foi muito ruim", usando uma gíria que confirma sua fama de ser o simplório da família.

Nesta segunda-feira (18) começa o julgamento do ex-conselheiro de Trump Steve Bannon. Ele foi indiciado com duas acusações por desacato ao Congresso, por ter se recusado a depor e entregar documentos sobre o 6 de Janeiro. Com medo da prisão, Bannon voltou atrás neste mês e se ofereceu para depor, mas para a Justiça federal, foi tarde demais. Quem sabe se Bannon, por interesse próprio, vai revelar o que é tão difícil de obter da família mais destrutiva para a democracia americana: a verdade.

Unprecedented

  • Onde Disponível no Discovery +
  • Direção Alex Holder
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