Mulheres na política hesitam em reconhecer que são alvo de violência, diz especialista

Mona Lena Krook afirma que agressão psicológica, forma mais comum de violência, é negligenciada

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Rio de Janeiro

Ao conversar com mulheres na política, Mona Lena Krook perguntava se elas já haviam sofrido violência —e muitas vezes ouvia "não". Porém, quando insistia e descrevia determinados tipos de violência —abusos, intimidação e ameaças—, frequentemente as mesmas mulheres diziam: "Ah, sim, foi o que eu sofri".

A cientista política afirma que esse reconhecimento costuma esbarrar na linguagem, já que agressões psicológicas muitas vezes não são consideradas um tipo de violência. Por videoconferência, ela diz que é preciso aumentar a conscientização para solucionar o problema: "Nomeá-lo, dizer que não é aceitável".

Professora de ciência política e chefe do programa de doutorado em mulheres e política da Universidade Rutgers (EUA), Krook participou em maio do webinar "Formação Política para Mulheres", promovido pela FGV (Fundação Getúlio Vargas) em parceria com o consulado dos Estados Unidos.

A cientista política Mona Lena Krook, presidente do programa de doutorado em mulheres e política da Universidade Rutgers (EUA), durante evento em Lisboa
A cientista política Mona Lena Krook, presidente do programa de doutorado em mulheres e política da Universidade Rutgers (EUA), durante evento em Lisboa - Maurice Weiss - 6.dez.18/PES Women Annual Conference/Divulgação

A violência contra as mulheres na política é uma resposta negativa ao aumento da participação delas nestes espaços? É uma resistência antiga e duradoura, mas maior agora porque há mais mulheres nessas posições. Minha primeira área de estudo foram as cotas para mulheres na política. Quando fiz perguntas sobre o seu impacto, pensei que fossem responder ‘as cotas deixaram todos mais receptivos a líderes mulheres’ ou ‘as cotas mudaram as ideias sobre quem pode tomar decisões’. As pessoas confirmaram essas transformações, mas também disseram que houve resistência, com violência, assédio, intimidação.

Quais as formas mais comuns de violência contra mulheres na política? Física, psicológica, sexual, econômica. Essas são quatro formas muito reconhecidas nas leis internacionais. No meu livro adiciono um quinto tipo, que chamo de violência semiótica: usar imagens e palavras muito degradantes para tratar de mulheres na vida pública. Sei que há muito disso com [a ex-presidente] Dilma [Rousseff]. É sobre tentar degradar não só uma mulher, mas mulheres em geral que ousam participar da política. É uma mensagem para todas: ‘Você não pertence a esse espaço, isso vai acontecer se você tentar participar da política’.

Muitas mulheres, ao menos em um primeiro momento, não se reconhecem como vítimas dessa violência, certo? Frequentemente pensamos na política como um espaço violento, de conflito. Então talvez não pareça surpreendente que, quando as mulheres ingressam nesses espaços, elas encontram violência. Uma coisa com a qual fiquei muito intrigada é que, uma vez que você explica os diversos tipos de violência, elas dizem ‘ah, sim, foi exatamente o que eu sofri’. Uma das maiores barreiras é que a palavra violência remete a violência física, que, sabemos, é uma das formas menos comuns. Há uma tendência a achar que os outros tipos não são importantes. A palavra violência é difícil, mas se você pergunta "você já foi ameaçada?", "você já recebeu uma mensagem online abusiva?", elas respondem "sim". Se você pergunta "você já sofreu violência?", elas dizem "não, mas já sofri intimidação, ameaças e abuso".

Como diferenciar a violência comum nos espaços políticos e aquela que tem como fundamento o preconceito de gênero? A violência na política é contra seu oponente, homens e mulheres podem passar por isso. Já a violência contra mulheres na política é baseada na identidade. É sobre quem pode participar da política. Tem como raiz a ideia de que a mulher não deveria estar na política, então você usa a violência para expulsá-la. Isso também nos ajuda a explicar por que as mulheres que mais enfrentam essa violência são as mais jovens, de etnias minoritárias. Elas também não se parecem com o político tradicional.

Então nem toda violência contra mulheres na política é motivada pelo gênero. Exatamente. Eu analisei, por exemplo, o assassinato de Benazir Bhutto, que foi primeira-ministra no Paquistão. Foi um caso de violência contra um político, havia alguns aspectos de gênero, mas foi motivado pela política quase que exclusivamente. Mas há casos difíceis de serem desembaraçados. No caso [da morte] de Jo Cox, que era membro do Parlamento britânico, havia aspectos políticos e identitários.

O caso de Marielle Franco parece ser um exemplo. Ela foi assassinada por ser uma mulher negra na política ou porque atingiu os interesses das milícias? Podem ser os dois, não devemos negligenciar o aspecto identitário. Ela tinha ideias ameaçadoras para pessoas no poder, mas havia também o fato de que era uma mulher negra, lésbica, da favela. Um dos critérios é identificar se a comunidade sentiu que esse foi um ataque baseado na identidade. Jo Cox foi um exemplo de violência motivada pelo gênero porque as mulheres no Parlamento foram as que realmente reagiram contra o crime. Elas sentiram que foi um ataque contra elas. O que sei sobre os dias e as semanas após o assassinato de Marielle é que também foi assim, como mostra um dos slogans que as pessoas usaram, "eles mataram uma de nós".

Quais são as soluções a curto prazo para a violência contra as mulheres na política? Temos declarações regionais e internacionais, leis internacionais, especialmente na América Latina. Temos parlamentos adotando códigos de conduta, aumentando a segurança para os políticos. Mas a solução na base de tudo é o aumento da conscientização. Falar sobre o problema, nomeá-lo, dizer que não é aceitável.


RAIO-X | Mona Lena Krook, 47

Professora de ciência política e chefe do programa de doutorado em mulheres e política da Universidade Rutgers (EUA), é doutora em ciência política pela Universidade Columbia (EUA). Também é autora de "Violence against Women in Politics" e "Quotas for ​Women in Politics", ambos sem edição no Brasil.

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