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Diogo Bercito

Ataque a funeral de jornalista da Al Jazeera viola direitos básicos dos palestinos

Eventos recentes parecem demonstrar o quanto Israel teme identidade e reivindicações palestinas

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São Paulo

A morte da jornalista Shireen Abu Akleh não é um episódio isolado, mas uma evidência de um sistema que viola os direitos mais básicos dos palestinos. Entre eles, o direito a um funeral digno, ao descanso em paz.

Akleh, um ícone do jornalismo árabe, foi morta na quarta-feira (11), durante uma operação israelense na Cisjordânia. A rede de notícias Al Jazeera, na qual ela trabalhava, afirma que o disparo partiu de Israel, algo que testemunhas corroboram —mas que o governo por enquanto coloca em dúvida.

Artista pinta mural em homenagem à jornalista Shireen Sbu Akleh, em Gaza
Artista pinta mural em homenagem à jornalista Shireen Sbu Akleh, em Gaza - Mohammed Abed/AFP

A situação já era de uma volatilidade perigosa, mas Israel conseguiu agravá-la nesta sexta-feira (13), quando suas forças atacaram o cortejo fúnebre de Akleh em Jerusalém. As imagens registram o horror, mostrando o caixão cambaleando nos ombros de palestinos sob ataque.

Funerais são tão sagrados, mesmo em um sentido secular, que é difícil não ficar estupefato com as ações israelenses. Os eventos desses últimos dias parecem dar conta do quanto o governo de Israel teme a identidade palestina, seus símbolos e suas reivindicações por um estado soberano.

Segundo os relatos de palestinos, repetidos em uma enxurrada de denúncias na imprensa e nas redes sociais, israelenses invadiram a casa de Akleh no dia em que ela foi morta e retiraram uma bandeira palestina. Na quinta, autoridades convocaram o irmão da jornalista e ordenaram que o funeral não tivesse bandeiras e mensagens de teor nacionalista.

Não foi, evidentemente, o que aconteceu. O cortejo, noticiado ao vivo pela Al Jazeera, foi marcado por cantos como o de "com nossa alma, com nosso sangue, nos sacrificamos por você, Shireen" —uma fórmula clássica de protestos em árabe. Manifestantes ululavam em homenagem.

As demonstrações aparentemente preocuparam Israel. Segundo a Al Jazeera, ao menos quatro pessoas foram detidas, incluindo dois homens brandindo bandeiras. Imagens mostram forças israelenses retirando uma bandeira do carro com o caixão. O governo havia posto uma série de controles nas ruas, temporariamente impedindo a passagem do cortejo.

Akleh, 51, era um ícone porque trabalhava, em circunstâncias extremas, para noticiar os acontecimentos. Sua voz informou toda uma geração de palestinos. É um trabalho de risco inerente. Segundo as autoridades palestinas, ao menos 45 jornalistas foram mortos por forças israelenses desde 2000. Já o sindicato de jornalistas palestinos diz que foram 55.

As críticas dos palestinos nesses dias não se limitaram a Israel e à brutalidade de suas forças de segurança. Houve protesto, também, contra parte da imprensa internacional —que, como de costume, noticiou "embates" na região. Como tantos apontaram durante a sexta-feira, é impensável falar em embates quando as imagens mostram homens armados atacando um caixão durante um funeral.

Causou fúria, também, quando a revista Forbes noticiou a morte de Akleh "após ser atingida na cabeça por uma bala". Como se fosse um acidente, uma coisa do acaso.

Essa é uma crítica antiga dos palestinos, que acusam a imprensa de uma cobertura parcial —algo que os israelenses também fazem. Essa ideia, no entanto, tem ganhado força nos últimos anos e mudado, aos poucos, como jornalistas se referem à situação dos palestinos.

Ativistas circulam panfletos explicando a história da região e destrinchando os termos que consideram injustos, por não dar conta da desigualdade dessas forças.

O corpo de Akleh foi levado de Jenin, onde morreu, até Jerusalém. Ela foi enterrada no Cemitério Protestante Monte Sião, ao lado dos pais. Em um raro momento de entendimento entre as diferentes denominações cristãs de Jerusalém, os sinos das igrejas soaram em uníssono na cidade.

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