O papa Francisco, chefe da Igreja Católica, fez neste sábado (2) sua primeira crítica direta ao presidente russo, Vladimir Putin, ainda que sem citar o nome do mandatário que ordenou a invasão da Ucrânia em 24 de fevereiro. O pontífice ainda afirmou que considera viajar à capital do país, Kiev, em meio à guerra.
"Mais uma vez, um poderoso, apanhado em reivindicações anacrônicas de interesses nacionalistas, está provocando e fomentando conflitos, enquanto as pessoas comuns querem construir um futuro", afirmou, em discurso às autoridades da ilha de Malta, onde chegou para uma visita de dois dias.
O papa já havia condenado o que chamou de "agressão injustificada" e denunciou as atrocidades da guerra, mas ainda não havia se referido de forma tão incisiva a Putin.
"Pelo leste da Europa, pela terra onde o sol nasce, as sombras escuras da guerra agora se espalharam. Nós achávamos que invasões de outros países, batalhas selvagens pelas ruas e ameaças atômicas eram lembranças sombrias de um passado distante", disse Francisco.
"No entanto, os ventos gelados da guerra, que trazem apenas morte, destruição e ódio em seu rastro, varreram poderosamente a vida de muitas pessoas e afetaram a todos nós", completou.
Mais cedo, respondendo a repórteres, ele afirmou que estuda aceitar o convite do presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, e viajar a Kiev.
Em vídeo publicado no começo da manhã deste sábado, Zelenski disse que tropas russas estão se movendo para a região do Donbass, na porção leste do país, após deixarem os arredores da capital.
As cidades de Irpin, Butcha e Hostomel, importantes artérias para chegar a Kiev e outrora intensos campos de batalha, teriam sido retomadas pelos ucranianos, que encontraram cenas de devastação nas ruas.
O Comitê Internacional da Cruz Vermelha faz neste sábado mais uma tentativa de retirar civis da cidade de Mariupol, após uma operação frustrada na sexta (1º), que precisou ser abortada dada a grave situação dos confrontos na cidade do sul da Ucrânia.
Sitiada desde os primeiros dias da invasão russa, a cidade portuária fica na província de Donetsk e é considerada estratégica para bloquear o acesso ucraniano ao mar. A cidade enfrenta uma das situações humanitárias mais graves da guerra, com dezenas de milhares de pessoas sem acesso a comida, água, energia e medicamentos.
Rússia e Ucrânia concordaram em abrir corredores humanitários para facilitar a retirada de civis, mas se acusam de não respeitar o cessar-fogo que permitiria a passagem de moradores. Desta vez, a expectativa era levar os civis até Berdiansk, outra cidade portuária ao sul, e de lá eles tomariam ônibus para outras regiões.
Em outras regiões do país, informou a vice-primeira-ministra Irina Vereschunk, 4.217 pessoas foram retiradas ao longo do dia.
Segundo Zelenski, houve fortes bombardeios em Kharkiv, no nordeste do país. A agência Reuters conversou com duas jovens em um hospital na cidade de Tchuhuiv, que se disseram sobreviventes de um ataque a um ônibus que levava 20 civis.
"As janelas começaram a balançar. Então eu vi alguma coisa que lembrava buracos. E aí começaram a voar balas acima de nós. Poeira, fumaça. Eu estava gritando e minha boca estava cheia [de fumaça]", disse Alina Sheguret, apontando para machucados nas pernas e no quadril. A Rússia nega, reiteradamente, atacar civis na Ucrânia.
Os números mais atualizados das Nações Unidas indicam que 1.325 civis morreram em todo o país desde o início da invasão russa e outros 2.017 ficaram feridos, embora as cifras sejam reconhecidamente subnotificadas. Pelo menos 4,1 milhões de pessoas já deixaram o país —a maioria com destino à Polônia (2,4 milhões) e à Romênia (629 mil).
O serviço de inteligência do Reino Unido, que tem monitorado as movimentações de tropas na guerra, afirmou que tropas russas abandonaram o aeroporto de Hostomel, nos arredores da capital ucraniana, palco de confrontos desde o primeiro dia do conflito.
Também disse que forças ucranianas continuam a avançar sobre regiões ao redor de Kiev, onde as tropas russas começam a deixar o fronte e a abandonar equipamentos militares, como tanques.
Depois de não conseguir tomar o controle de nenhuma grande cidade ucraniana, a Rússia afirmou que mudou o foco da sua "operação militar especial", como Moscou chama a invasão, para o sudeste da Ucrânia, onde apoia separatistas desde 2014.
O país de Putin afirma que a retirada de tropas da região de Kiev é um gesto de boa vontade para contribuir para as negociações de paz, mas ucranianos e aliados afirmam que as forças russas foram forçadas a se reagrupar em outras regiões depois de sofrerem fortes perdas.
Zelenski disse, sem apresentar evidências, que as forças inimigas têm espalhado minas terrestres à medida que desmobilizam suas tropas —informação que não pôde ser confirmada de forma independente. Segundo a inteligência britânica, os ucranianos conseguiram estabelecer uma rota segura até a cidade de Kharkiv.
Nas primeiras horas deste sábado, mísseis russos atingiram duas cidades na região central do país, Poltava e Kremenchuk, disse o administrador da província de Poltava. Segundo ele, os ataques atingiram edifícios residenciais e infraestruturas da cidade, mas não houve registro de mortos.
A administração de Dnipro também afirmou que ataques com mísseis atingiram infraestruturas da cidade e feriram duas pessoas. O Ministério da Defesa da Rússia assumiu a autoria da ação e disse que o objetivo era usar os projéteis de alta precisão para desmobilizar rotas aéreas militares.
Enquanto os confrontos se desenrolam, a guerra tem vitimado também jornalistas, e neste sábado o governo confirmou a morte de um fotógrafo e documentarista ucraniano que estava desaparecido há quase três semanas. Maks Levin havia sido visto pela última vez em 13 de março, na zona de conflito na região de Kiev, e seu corpo foi encontrado na sexta, segundo o governo.
De acordo com a ONG ucraniana Instituto de Comunicação de Massas, com base em informações da promotoria do país, o jornalista estava desarmado e foi morto após ser atingido por dois tiros.
Levin colaborava com a Reuters desde 2013. "Sua morte é uma grande perda para o mundo do jornalismo. Nossos pensamentos estão com sua família neste momento difícil", disse John Pullman, editor global de recursos visuais da agência americana.
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