"Absolutamente incrível" foi como a Universidade da Califórnia em Santa Bárbara descreveu o projeto do Munger Hall, uma enorme residência para mais de 4.500 estudantes que foi desenhada por Charlie Munger, um bilionário e executivo da investidora Berkshire Hathaway.
Mas Dennis McFadden, arquiteto que era consultor na comissão de análise do projeto, não concordou. Em 24 de outubro, em uma carta contundente à presidência da comissão, anunciou que estava se demitindo devido à decisão de aprovar um projeto que ele comparou a "um experimento social e psicológico".
Ele disse que ficou "perturbado" pelo projeto que vai espremer os estudantes num prédio de 11 andares e 158 mil metros quadrados e fazer a vasta maioria deles viver em pequenos quartos sem janelas, "totalmente dependentes de luz artificial e ventilação mecânica".
"Nos quase 15 anos que servi como arquiteto consultor da comissão, nenhum projeto apresentado foi maior, mais transformacional e potencialmente mais destrutivo para o campus do que um lugar como o Munger Hall", escreveu McFadden na carta. "O conceito básico do Munger Hall como lugar para estudantes morarem é insustentável na minha perspectiva de arquiteto, pai e ser humano."
A renúncia de McFadden ocorreu depois de uma reunião da comissão em 5 de outubro sobre o projeto, que a universidade aprovou enquanto enfrenta uma escassez de moradias tão grave que os estudantes tiveram de ser colocados em hotéis. Em seu site, a instituição diz que o Munger Hall criará moradias "melhores e mais acessíveis", "com beleza e elegância". Em um comunicado, Andrea Estrada, porta-voz da universidade, disse que o desenho e o projeto estão avançando "conforme planejado".
Estrada afirmou que o plano é uma colaboração entre a universidade, Munger e arquitetos da VTBS Architects e que ele vai reduzir o número de estudantes que têm de morar fora do campus.
A porta-voz disse ainda que o projeto está de acordo com a maneira como a universidade desenvolve seus projetos habitacionais, "para oferecer habitação acessível no campus que reduza o consumo de energia".
Estrada não mencionou as preocupações específicas de McFadden. "Estamos gratos pelas contribuições e opiniões de McFadden durante seu mandato como consultor-conselheiro", disse.
Em uma entrevista, Munger, 97, desdenhou das críticas e disse que as via como nada mais que típica choradeira de arquitetos. "Não estou nem um pouco surpreso que alguém tenha olhado e dito: 'Que diabos está acontecendo aqui?'", disse. "O que está acontecendo é que isto vai funcionar melhor do que qualquer outra alternativa prática." Munger, que não é arquiteto, disse que trabalhou com arquitetos no projeto.
O desenho é semelhante a dormitórios que ele ajudou a projetar na Universidade de Michigan, em que as unidades também não possuem janelas, e os estudantes têm quartos próprios.
Diferentemente daquelas residências, disse Munger, os dormitórios em Santa Bárbara terão "janelas virtuais": os estudantes poderão manipular com um botão a intensidade de luz artificial que desejam nos quartos, de forma a imitar a iluminação diurna ou noturna.
Janelas artificiais com lâmpadas LED que imitam a luz natural já foram usadas em espaços fechados, pequenos apartamentos e porões. "Se você quiser iluminação romântica e suave, pode ter", disse Munger. "Quando na sua vida você pôde mudar o sol? Nesse dormitório, você pode."
Ele acrescentou: "São um lugar muito alegre esses quartinhos". A ideia das janelas virtuais foi inspirada nas janelas artificiais das cabines dos navios de cruzeiro da Disney. "Mas as minhas são melhores."
Outras partes do edifício, principalmente áreas comuns como a academia de ginástica, uma sala multiuso e uma sala de estudos, terão janelas abertas para o exterior. Em sua carta, McFadden disse que ambientes internos com acesso à luz natural e à natureza melhoram o bem-estar físico e psíquico das pessoas.
"O Munger Hall ignora essa evidência e parece assumir a posição de que isso não importa", disse o arquiteto. A densidade "sem precedentes" e a escala do projeto também estão fora de sintonia com o caráter do campus, que fica sobre o litoral do oceano Pacífico, escreveu McFadden.
O arquiteto, diretor de projeto na firma Leo A Daly, não quis comentar o caso. Ele confirmou que escreveu a carta anunciando sua demissão, mas disse que ela vazou e não deveria ter sido publicada.
Críticos e estudantes de arquitetura apareceram para apoiar McFadden. Um aluno disse que se opõe ao projeto pela altura do edifício e pela falta de janelas, segundo a transcrição de comentários públicos registrados durante uma reunião em julho sobre a proposta. "Jovens nem sempre cheiram bem", escreveu ele. "Ar fresco é inacreditavelmente importante para estudantes universitários."
Outro estudante comparou os quartos a unidades de confinamento solitário. "Vocês estão querendo que os estudantes fiquem deprimidos e firam a si próprios", escreveu. "Reconsiderem todo esse projeto."
Paul Goldberger, crítico de arquitetura da revista The New Yorker, disse que o conceito mostra "o quanto a UCSB caiu desde o tempo em que tinha arquitetos como Charles Moore". "Este projeto é uma piada grotesca, doentia —uma prisão disfarçada de dormitório", disse no Twitter, com link para uma reportagem do jornal The Santa Barbara Independent. "Não, projetos não são para doadores bilionários."
O Munger Hall deverá custar mais de US$ 1 bilhão (R$ 5,6 bilhões) e será financiado em parte por Munger. Ele deverá ser inaugurado em 2025. Munger, um velho amigo e sócio de Warren Buffett, presidente e CEO da Berkshire Hathaway, disse que consultou vários arquitetos e outros profissionais.
McFadden "talvez não tenha sido consultado, mas muitas outras pessoas foram", disse Munger. "Isto não é algo feito por um maluco sozinho em um quarto."
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