O Parlamento da Dinamarca aprovou nesta quinta (3) uma lei que permite retirar do país requerentes de asilo, que teriam que aguardar a análise de seus pedidos em “centros de recepção” em outras nações, provavelmente na África.
A medida contraria os princípios de cooperação internacional para o asilo, segundo o Acnur (Alto Comissariado da ONU para Refugiados). A entidade não governamental Anistia Internacional disse que enviar requerentes de asilo a uma terceira nação é “ilegal e inescrupuloso”.
País que foi um dos mais progressistas na recepção de refugiados —o primeiro a assinar a Convenção das Nações Unidas sobre Refugiados em 1951—, a Dinamarca tem hoje uma das políticas mais duras da União Europeia em relação à imigração, ainda que seu ministro da área, o social-democrata Mattias Tesfaye, seja ele mesmo filho de um imigrante etíope.
Há dois meses, o governo dinamarquês declarou como “segura para o retorno de refugiados” a área em torno de Damasco, capital da Síria. Como resultado, revogou a autorização de residência de 94 refugiados sírios, apesar de relatos de violência em seu país de origem, onde a guerra já matou 500 mil pessoas. Outros 500 casos devem ser reavaliados.
Sob argumento de evitar a radicalização islâmica, o governo também desalojou imigrantes em bairros de várias cidades dinamarquesas. Pelo mesmo motivo, no mês passado, mudou de ideia e resolveu repatriar as chamadas "noivas do Estado Islâmico" (garotas europeias que foram cooptadas pelo grupo terrorista, muitas vezes sob falsas promessas de boas condições de vida).
A Dinamarca não especificou com que países estão sendo negociados os centros de recepção, mas afirmou que “transferências de requerentes de asilo serão feitas de acordo com as obrigações internacionais”. De acordo com a nova lei, aprovada por 70 votos a favor contra 24, caso o pedido de asilo não seja aceito, o país terceiro ficará responsável por deportar o refugiado.
O governo dinamarquês afirmou que o objetivo é desincentivar viagens de imigrantes para a Europa, que muitas vezes terminam em naufrágios e mortes. “Você saberá que será enviado de volta a um país fora da Europa e, portanto, esperamos que as pessoas parem de buscar asilo na Dinamarca”, disse à mídia nacional o porta-voz do governo sobre imigração, Rasmus Stoklund.
A própria Comissão Europeia (Poder Executivo da UE), no entanto, acha difícil reduzir o fluxo de pessoas sem combater os chamados “coiotes”, que organizam as entradas ilegais, e sem investir em melhores condições nos países de origem. A Comissão trabalha num plano para tentar homogeneizar as regras de imigração e asilo no bloco europeu, projeto que fica mais difícil com a nova lei dinamarquesa.
Nesta quinta, o órgão afirmou concordar com preocupações do Acnur e ver “questões fundamentais sobre o acesso ao asilo e à proteção” na medida. Segundo o porta-voz responsável pelo tema, Adalbert Jahnz, enviar requerentes de asilo para outro país “não é possível sob as regras da UE, nem sob as que já existem nem sob o novo pacto para migração e asilo que está sendo proposto".
A solução agora aprovada pelo Parlamento da Dinamarca já havia sido discutida na UE após a crise imigratória de 2015 e 2016, mas foi abandonada por preocupações legais, humanitárias, políticas, de segurança e financeiras. De lá para cá, a pressão caiu, embora governos temam que a crise provocada pela pandemia possa reativar o afluxo de refugiados.
Na Dinamarca, após um pico de 21 mil pedidos de asilo em 2015, o número caiu gradativamente para cerca de 1.500 em 2020. Há dois anos, no entanto, quando a chegada de refugiados era a menor em 30 anos e os índices de emprego, educação e domínio do idioma cresciam, o governo substituiu os esforços de integração de longo prazo e direitos iguais por estadias temporárias, direitos limitados e foco na deportação.
Segundo Michala Clante Bendixen, coordenadora nacional para a Dinamarca do site europeu sobre integração, da Comissão Europeia, essa mudança se deu sob pressão do ultradireitista Partido do Povo Dinamarquês. Embora o partido xenófobo não integre o governo, seus parlamentares condicionam a aprovação de qualquer projeto de lei a medidas que restrinjam os direitos dos estrangeiros.
Os sociais-democratas, que competem com os direitistas pelo voto dos trabalhadores, passaram a adotar a política linha-dura. “Hoje, o Partido do Povo Dinamarquês tornou-se quase redundante. Suas políticas, antes denunciadas como racistas e extremistas, agora se tornaram predominantes”, escreve a especialista.
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