Manifestantes tomaram as ruas de Ierevan, capital da Armênia, para protestar contra o acordo de paz assinado com o Azerbaijão para pôr fim à guerra em torno da área disputada de Nagorno-Karabakh.
O texto foi assinado pelo premiê Nikol Pashinyan, que está isolado após fazer concessões consideradas impensáveis no país ao presidente azeri, Ilham Aliyev, com mediação do russo Vladimir Putin.
O texto tripartite decretou na madrugada da terça-feira (10) o fim de seis semanas de hostilidades, que mataram milhares de pessoas —os números são todos imprecisos.
Baku atacava há mais de um mês as áreas em torno do encrave autônomo, sob gestão de armênios étnicos desde os conflitos que sucederam ao fim da União Soviética.
Após semanas sem grandes ganhos, apesar do auxílio logístico e militar da aliada Turquia, os azeris fizeram grande avanço e tomaram a cidade histórica de Shushi, símbolo da resistência armênia na região. Dali, a queda da capital Stepanarket seria inevitável.
Essa foi a narrativa apresentada por Pashinyan, após consultar-se com o comando das Forças Armadas, em um pronunciamento nesta quarta (11). "Perderíamos tudo, e milhares de nossos soldados seriam cercados", afirmou em um vídeo no Facebook.
Com o acordo, a Armênia fica com a maior parte da Nagorno-Karabakh, mas perde áreas importantes e terá de desocupar os sete distritos azeris que tomou após a guerra que travou com Baku de 1992 a 1994.
Enquanto a lógica do premiê é verdadeira, no país o resultado é visto como traição. O Azerbaijão, ainda que mais rico e preparado militarmente, só foi à ofensiva pelo apoio do maior inimigo existencial da Armênia, a Turquia.
A animosidade remonta ao genocídio promovido no deslocamento em massa de armênios quando o povo ficava sob o Império Otomano, em 1915. Ancara não aceita o termo. Os países, vizinhos, não têm relações diplomáticas.
Assim, os cerca de 3.000 manifestantes no centro de Ierevan, segundo contas de agências de notícias, querem a cabeça daquele que foi o herói de uma "revolução colorida" há pouco mais de dois anos.
Houve alguma repressão, com 135 pessoas detidas e depois soltas nas ruas ainda enfeitadas com bandeiras da Armênia e de Artsakh, como Nagorno-Karabakh é chamada no país. Depois que o Parlamento foi invadido na madrugada de terça, o reforço policial era grande.
Pashinyan substitui no poder a Serzh Sargsyan, que havia passado uma década à frente da Armênia, estreitando os laços com seu aliado Putin.
A Rússia já era dominante na região desde os tempos soviéticos e se firmou como a protetora militar de Ierevan ao manter uma grande base militar no país. Mas a retórica anti-Kremlin de Pashinyan não lhe fez muitos amigos em Moscou, apesar de ele ter pedido ajuda durante a atual crise.
Putin, ao tentar acomodar Aliyev, viu uma oportunidade para expandir sua influência sobre o mar Cáspio, rico em petróleo e gás. Se conseguirá é dúvida, dado que a Turquia está festejando quase tanto quanto o Azerbaijão a vitória agora.
Nesta quarta, o presidente Recep Tayyip Erdogan celebrou o "fim de 28 anos de ocupação armênia" no Cáucaso. De todo modo, são os russos os garantidores militares da aparentmente frágil paz acertada.
Já chegaram para garantir as rotas de acesso da Armênia a Karabakh e do encrave azeri de Nakhichevan ao Azerbaijão 400 dos 1.960 soldados da força de paz de Putin.
Segundo relatos, as Forças Armadas da Armênia, que forçaram o fim do conflito, ficaram insatisfeitas com a liderança de Pashinyan na guerra. Nesta quarta, o Estado-Maior exortou as forças políticas a manterem a ordem no país, um mau sinal quando vem de gente fardada. De todo modo, isso pode indicar tanto que rifaram o premiê quanto como o manterão sob rédea curta no poder.
Líderes de 17 partidos de oposição pedem a renúncia de Pashinyan, e a Presidência se mantém em silêncio. Em Ierevan, o antigo líder dos protestos de 2018 vem sendo chamado de "cúmplice dos turcos" —um xingamento e tanto no país.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.