A Armênia e o Azerbaijão assinaram na madrugada desta terça (10) um acordo, com mediação da Rússia, visando encerrar o conflito militar sobre a região de Nagorno-Karabakh.
Em um texto publicado já na madrugada de terça (noite de segunda no Brasil) no Facebook, o premiê armênio, Nikol Pashinyan, afirmou que a decisão foi “muito difícil” e baseada na análise da situação militar, bem desfavorável para os armênios desde que a guerra começou, em 27 de setembro.
O acordo prevê que os armênios sigam controlando a maior parte de Nagorno-Karabakh, onde compõem 99% da população de 140 mil pessoas, mas desocupem os sete distritos azeris em torno da região, tomados na guerra entre os países entre 1992 e 1994.
Assim, serão implementadas as resoluções da ONU que previam estabelecer a paz na região, nos anos 1990.
Além disso, os ganhos territoriais de Baku sobre áreas de Karabakh, incluindo a cidade histórica de Shushi, serão mantidos. Morreram nos combates, segundo contas russas, mais de 5.000 pessoas.
Os corredores que ligam a região separatista à Armênia serão controlados, por pelo menos cinco anos, por 2.000 soldados de uma força de paz russa. Moscou também irá patrulhar as rodovias que ligam o encrave azeri de Nakhivechan, no leste da Armênia.
Após o anúncio, manifestantes tomaram as ruas do centro de Ierevan e atacaram prédios públicos, acusando o governante de ter capitulado ante o presidente azeri, Ilham Aliyev. Partidos de oposição pedem a renúncia de Pashinyan.
“Eu vou falar em detalhes sobre tudo isso nos próximos dias. Isso não é vitória, mas não será derrota exceto que você se reconheça como perdedor. Nunca vamos nos reconhecer como perdedores”, afirmou.
Segundo agências de notícias russas, o presidente Vladimir Putin afirmou que o acordo permitirá uma paz duradoura na região.
Já Aliyev, em um pronunciamento na televisão, tripudiou e disse que Pashinyan assinou o acordo porque não tinha outra opção. Falou em capitulação armênia e que expulsou os adversários “como cães”, além de dizer que a Turquia também faria parte da estabilização da região.
Os azeris fizeram diversos avanços militares nos últimos dias, tomando vilas em Nagorno-Karabakh.
A região havia ficado dentro do Azerbaijão como parte da divisão do Cáucaso após a conquista soviética daqueles territórios, nos anos 1920.
O fim da União Soviética, em 1991, acelerou o movimento nacionalista e, no ano seguinte, uma guerra emergiu entre as antigas repúblicas comunistas. Um cessar-fogo precário ocorreu em 1994.
Ao longo dos anos houve escaramuças mais ou menos sérias, mas agora a situação mudou devido ao forte apoio turco ao governo de Baku —os países têm sólidos laços étnicos e culturais.
O expansionismo militarista de Ancara sob Recep Tayyip Erdogan se somou à crise econômica tanto da Turquia quanto do Azerbaijão, acentuada pela pandemia do novo coronavírus. Guerras são sempre catalisadores de opinião pública, afinal.
A Rússia, principal ator político na região, se viu tragada pela situação e buscou um papel moderador mais ponderado. Patrocinou, com um apoio inédito do Ocidente, tentativas fracassadas de cessar-fogo.
Isso aconteceu porque Putin tem interesse em trazer o Azerbaijão, que controla ricas províncias petrolíferas e de gás na região do mar Cáspio, para sua órbita política.
Havia, portanto, o perigo de um choque maior entre Ancara e Moscou no Cáucaso. Isso se devia ao fato de que a Rússia, para manter uma base militar com 3.000 homens em Gyumri, no leste armênio, oferece por tratado proteção a Ierevan em caso de agressão externa.
O risco pareceu aumentado nesta segunda (9), quando forças azeris no encrave de Nakhivechan, no leste armênio, derrubaram um helicóptero de combate russo. Dois dos três tripulantes morreram, e Baku pediu desculpas pelo que chamou de engano.
Pashinyan está pressionado por todos os lados, até porque não é bem visto em Moscou. Ele ascendeu ao poder em 2018 após uma revolta popular derrubar o governo anterior, que era muito ligado ao Kremlin.
Ao fim, tudo indica uma vitória política dupla para Putin e Erdogan, caso o acordo de fato se mantenha —as tentativas anteriores de cessar-fogo fracassaram.
Para o russo, a presença de uma força de paz sob seu comando assevera sua influência sobre a região de forma definitiva, permitindo estabilizar sua fronteira sul, uma das rotas históricas de invasões potenciais do seu território e berço de instabilidade para o turbulento norte do Cáucaso (as repúblicas russas islâmicas da Tchetchênia e do Daguestão).
Além disso, ele sai como mediador de um conflito com apoio inédito do Ocidente ao processo, já que França e EUA são sócios da Rússia no chamado Grupo de Minsk, que negociava a paz na região desde os anos 1990.
Já Erdogan, se viu o parceiro e rival de Moscou sair por cima, também tem uma vitória. Bancou a aventura militar de Aliyev tanto com ajuda material e econômica quanto politicamente e viu o aliado ter ganhos expressivos.
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