A primeira aparição pública de Donald Trump após voltar do hospital em que ficou internado para tratar da Covid-19 foi 100% Trump. Ao chegar à sacada da Casa Branca, onde discursou a dezenas de apoiadores uniformizados, tirou a máscara que usava, num gesto simbólico de como encara a pandemia.
O republicano já havia feito o mesmo teatro ao voltar à residência oficial, na última segunda (5). Neste sábado (10), usou a Casa Branca como palco de comício e repetiu declarações infundadas e polêmicas que difundiu durante toda a campanha: chamou o coronavírus de "vírus chinês", criticou imigrantes em situação irregular, voltou a falar sobre a construção de um muro na fronteira, associou Joe Biden e Kamala Harris à esquerda radical e martelou a narrativa de que é o guardião da lei e da ordem.
Até por isso, o evento foi batizado de "um protesto pacífico por lei e ordem". “Negros e latinos rejeitam o projeto radical socialista da esquerda e estão abrançando nosso projeto a favor de empregos, pró-trabalho e pró-polícia. Queremos lei e ordem”, afirmou ele, que não tossiu nem apresentou dificuldade para respirar.
Trump anunciou ter recebido o diagnóstico de Covid-19 na madrugada de sexta (2), há oito dias, e desde então ninguém do governo informou quando foi a última vez que ele realizou um teste de Covid-19 com resultado negativo. Ainda não se sabe ao certo por quanto tempo uma pessoa que foi infectada pelo coronavírus pode transmitir a doença, mas estudos já mostraram que o contágio pode ocorrer por até três semanas. Ao menos 20 pessoas do entorno presidencial já foram contaminadas pelo vírus.
Assim, o evento pouco mais de uma semana depois de revelar que pegou o coronavírus serve para tentar mostrar que está forte e pronto para retomar a campanha.
Quando ainda estava no centro médico, a Casa Branca publicou fotos em que ele aparecia mexendo em papéis, numa indicação de que estaria trabalhando mesmo internado. No domingo (4), surpreendeu ao sair de carro para acenar a apoiadores que se concentravam em frente ao hospital, o que gerou críticas de que estaria colocando em risco os agentes de segurança que o acompanharam.
Após voltar à Casa Branca, deu diversas entrevistas —a grande maioria por telefone—, quase todas à emissora Fox News, que costuma fazer uma cobertura favorável ao republicano. Ao canal, na noite de sexta (9), Trump disse que ter parado de tomar remédios para o coronavírus. “Sinto-me realmente forte.”
O discurso da sacada da Casa Branca a uma plateia formada majoritariamente por eleitores negros e latinos, que usavam camisetas azuis, numa referência à cor do uniforme de policiais nos EUA, foi interpretado como o primeiro passo antes de voltar a fazer comícios presenciais durante a semana. Há eventos programados para a Flórida, na segunda, além de Pensilvânia e Iowa.
Durante 18 minutos, o presidente abordou uma ampla gama de assuntos, do fim da Lei de Tratamento Acessível, conhecido como Obamacare, a reforma da justiça criminal e estado da economia. Sobre o coronavírus, voltou a mostrar o negacionaismo que o marcou sua gestão na pandemia.
Disse que há altas nos casos na Europa e no Canadá, mas que o vírus vai desaparecer, "já está desaparecendo". Embora não existe uma perspectiva de quando uma vacina contra o patógeno estará disponível, também afirmou que em breve uma imunização ficará pronta para ser distribuída.
As pesquisas nacionais de intenção de voto mostram cada vez mais que, à medida que o dia da eleição se aproxima, os eleitores enxergam 3 de novembro como a data para votar na maneira como Trump se comportou diante da crise sanitária que matou mais de 210 mil pessoas nos Estados Unidos.
Trump enfrenta críticas generalizadas devido à resistência a obrigar o uso de máscaras e as seguidas tentativas de reabrir o país precocemente, na contramão do que especialistas de saúde diziam.
Democratas e a imprensa americana condenaram o evento deste sábado na Casa Branca justamente por expor apoiadores ao vírus, além do uso eleitoral de um prédio do governo.
Os esforços de Trump para se mostrar um combatente do crime tiveram até o momento pouco impacto nas pesquisas nacionais, que o mostram atrás de Biden. O site FiveThirtyEight, que compila a média dos principais levantamentos recentes, mostra o democrata 10,1 pontos percentuais à frente do presidente.
Desde que as pesquisas eleitorais nos EUA passaram a adotar metodologias científicas, nos anos 1930, nenhum candidato conseguiu reverter uma desvantagem tão grande a tão pouco tempo da eleição.
Mas a diferença entre os dois candidatos é menor em alguns estados, o que pode determinar quem vencerá a eleição, já que o pleito americano é decidido por meio do Colégio Eleitoral, que não segue proporcionalmente os votos totais.
Cada estado tem um número de votos proporcional à sua população. A Califórnia, com 39,51 milhões de habitantes, por exemplo, tem direito a 55 representantes. Já a Dakota do Sul, com 884,6 mil, a 3.
O candidato que vence a eleição em um estado leva todos os votos dele —as exceções são Nebraska e Maine, que dividem os votos de maneira um pouco mais proporcional. No fim do processo, é eleito quem conquistar mais da metade dos votos no Colégio Eleitoral, ou seja, ao menos 270 dos 538 votos possíveis.
O republicano Tom McCullagh, que concorre ao Senado pelo estado de Illinois, voou a Washington para participar do evento na Casa Branca. Disse não estar preocupado com a chance de se contaminar e que confia no julgamento do presidente de que era seguro fazer o comício.
Mesmo assim, ele usava uma máscara e manteve distanciamento físico de outros participantes. Segundo McCullagh, porque ele não teve a temperatura checada antes de entrar na Casa Branca.
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