Cinquenta dias antes da eleição americana, a Folha começou a publicar a série de reportagens “50 estados, 50 problemas”, que se debruça sobre questões estruturais dos EUA e presentes na campanha eleitoral que decidirá se Donald Trump continua na Casa Branca ou se entrega a Presidência a Joe Biden.
Até 3 de novembro, dia da votação, os 50 estados do país serão o ponto de partida para analisar com que problemas o próximo —ou o mesmo— líder americano terá de lidar.
A promessa de Donald Trump de fazer da América um lugar grande novamente parece ter surtido efeito só em sua superficialidade na Virgínia Ocidental, um dos estados mais pobres e mergulhados na crise de opioides do país —e onde o republicano venceu em 2016 com a segunda melhor margem de votos.
Neste ano, Trump segue outra vez à frente, com uma vantagem de 23,8 pontos percentuais sobre o democrata Joe Biden (59,6% a 35,8%), segundo o FiveThirtyEight, site que compila a média das principais pesquisas de intenção de voto nos Estados Unidos.
Boa parte dos indicadores do estado, como pobreza, educação e emprego, de fato melhoraram —mas do mesmo modo como avançaram em todo o país com o empuxo da recuperação econômica que começou ainda no governo de Barack Obama.
Numa dobradinha com o governador republicano do estado, James Justice, Trump já destacou algumas vezes a melhora da oferta de empregos na Virgínia Ocidental, muito dependente, no passado, de madeireiras e da indústria de carvão mineral, cujo declínio remonta aos anos 1970.
O dado que mais se distancia positivamente da tendência de melhora geral nos indicadores do país é o aumento da força de trabalho relativa à população. A questão é que a população do estado vem encolhendo mais rapidamente do que as autoridades previam, sobretudo pela fuga de moradores atrás de outras oportunidades, o que acabou turbinando os números do mercado de trabalho.
Com 1,8 milhão de habitantes, a Virgínia Ocidental tem no setor público seu maior empregador hoje, com 155 mil pessoas, seguido pela área de saúde (131 mil). O restante divide-se em setores de baixos salários e pouca perspectiva, como o de carvão mineral, no qual foram criados apenas 2.000 empregos em todo o país desde a posse de Trump —apesar da promessa do presidente de reanimar a atividade.
A crise duradoura do mercado de trabalho na Virgínia Ocidental está na base de outras duas tragédias: números recordes de crianças em idade escolar sem local adequado para dormir ou morar e a epidemia de opioides que afeta muitos estados decadentes.
Empatada com o Alabama, a Virgínia Ocidental é o quarto estado com maior percentual de pessoas abaixo da linha de pobreza nos EUA, à frente apenas de Mississippi, Louisiana e Novo México.
É considerada pobre nos EUA uma família de três indivíduos que ganha menos de US$ 21.720 (R$ 120 mil) por ano. Com 16% delas nesta condição no estado, 1 em cada 25 crianças no ensino fundamental dorme em sofás de domicílios precários, em automóveis ou em abrigos públicos.
Grande parte delas acaba trocando frequentemente de cidade e de escola, com consequências negativas duradouras para o aprendizado.
Mas o aspecto mais chocante é como a crise dos opioides se enraizou no estado, a ponto de a relativamente pequena população da Virgínia Ocidental ter sido, durante anos, um dos maiores destinos de comprimidos de Oxycontin e de outros medicamentos do tipo.
Durante seis anos, até meados da década, a Virgínia Ocidental chegou a receber 780 milhões de comprimidos (433 pílulas por habitante) de hidrocodona e oxicodona, enquanto 1.728 pessoas morreram de overdose provocadas pelos dois medicamentos, segundo revelou investigação premiada por um Pulitzer do Sunday Gazette-Mail.
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