Em um novo capítulo da repressão ao movimento pró-democracia, o governo de Hong Kong prendeu nesta segunda-feira (10) diversos ativistas críticos ao regime chinês, incluindo dois dos nomes mais conhecidos da oposição a Pequim no território.
As detenções foram feitas com base na nova lei de segurança, imposta a Hong Kong em junho, em meio a protestos locais e repúdio internacional, e aumentam ainda mais as preocupações sobre controle da mídia e diminuição de liberdades prometidas à ex-colônia britânica quando foi devolvida à China, em 1997.
Entre os presos estão o bilionário Jimmy Lai, 71, dono de um jornal, e Agnes Chow, 23, ativista e uma das criadoras do grupo pró-democracia Demosisto, desfeito após a promulgação da nova legislação.
De acordo com uma publicação em seu perfil numa rede social, Chow foi presa sob acusação de incitar a secessão depois de a polícia cumprir um mandado de busca em sua casa.
Já Lai, um dos principais ativistas pró-democracia do território, foi preso sob acusação de conluio com forças estrangeiras, informou seu assessor principal também por meio de uma rede social.
Lai visitou Washington diversas vezes, onde se reuniu com funcionários do governo americano, incluindo o secretário de Estado, Mike Pompeo, o que levou Pequim a rotulá-lo de traidor.
O magnata é dono da Next Digital, empresa que publica o popular jornal Apple Daily. Ele tem sido um dos ativistas mais proeminentes na cidade governada pela China e crítico fervoroso de Pequim.
Em fevereiro, ele já havia sido preso por participar de uma assembleia não autorizada que se tranformou em mais um dos já tradicionais protestos a favor da democracia em Hong Kong.
A nova lei de segurança pune atos que a China considere subversão, secessão, terrorismo e conluio com forças estrangeiras, com penas que podem chegar a prisão perpétua.
A polícia de Hong Kong afirma que foram presos nove homens e uma mulher, com idades entre 23 e 72 anos, mas não divulgou os nomes dos detidos.
Segundo as forças de segurança, os delitos incluem "conspiração e conluio com países ou elementos estrangeiros para pôr a segurança nacional em perigo".
O Apple Daily, que publicou em sua página no Facebook uma transmissão ao vivo de dezenas de policiais entrando em suas instalações e levando informações de quem trabalhava lá, relatou que Lai foi levado de sua casa em Ho Man Tin na manhã de segunda-feira.
O jornal disse que um dos filhos do empresário, Ian, também foi preso em sua casa e que outros executivos seniores da empresa estavam entre os alvos.
À agência de notícias Reuters o editor-chefe do Apple Daily, Ryan Law, afirmou que o jornal não seria intimidado e que seguirá com "os negócios como sempre".
Hu Xijin, editor do Global Times, jornal controlado pelo Partido Comunista, por sua vez, escreveu em uma rede social que as prisões são um sinal de que o governo de Hong Kong "não foi intimidado pelas sanções impostas pelos Estados Unidos".
Um porta-voz do Gabinete de Assuntos de Hong Kong e Macau disse à imprensa estatal chinesa que Lai representava pessoas "anti-China e anti-Hong Kong". Além disso, ainda segundo o porta-voz, essas pessoas representam um perigo que deve ser removido para que haja paz no território.
"Ele [Lai] pediu arrogantemente às pessoas que lutassem pelos Estados Unidos, participou do planejamento, organização e instigação de uma série de protestos ilegais."
O porta-voz também afirmou que Lai financiou forças pró-independência e usou seus meios de comunicação para espalhar boatos e instigar violência. Disse, por fim, que o magnata e os outros presos devem ser severamente punidos para mostrar que "a justiça tarda, mas não falha".
Em um comunicado, o Clube dos Correspondentes Estrangeiros de Hong Kong (FCC) disse que "as prisões e a ação na Redação do Apple Daily são um ataque direto à liberdade de imprensa de Hong Kong e sinalizam uma nova fase sombria na erosão da reputação global da cidade".
Segundo o FCC, a polícia de Hong Kong também interrompeu uma entrevista coletiva na sede do jornal, na qual repórteres de várias nacionalidades questionavam as operações da polícia no local.
A prisão de Lai gerou mais uma onda de críticas à China por parte da comunidade internacional.
Em um comunicado divulgado nesta segunda-feira (10), Peter Stano, porta-voz da Comissão Europeia, disse que as ações das autoridades chinesas "alimentam ainda mais os temores de que a lei de segurança nacional esteja sendo usada para sufocar a liberdade de expressão e da mídia em Hong Kong".
"A União Europeia recorda que o respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais é um elemento central da Lei Básica [Constituição de Hong Kong] e do princípio 'um país, dois sistemas'."
O princípio ao qual o porta-voz se refere é o resultado do acordo entre China e Reino Unido. Hong Kong foi colônia britânica até 1997, quando foi devolvida ao regime chinês e ganhou status de Região Administrativa Especial, na qual há liberdade política e econômica inexistentes na China continental.
Um representante do primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, avaliou as prisões como "uma prova de que a lei de segurança nacional está sendo usada como pretexto para silenciar a oposição".
Nathan Law, ativista pró-democracia que fugiu de Hong Kong para o Reino Unido e é considerado foragido pela China, disse que as "prisões malucas" representam o fim da liberdade de imprensa no território. "A lei de segurança nacional está anulando a liberdade de nossa sociedade, espalhando políticas de medo."
O presidente da Associação de Jornalistas de Hong Kong, Chris Yeung, comparou as ações desta segunda às realizadas em países menos desenvolvidos. "Acho que em algum lugar dos países do terceiro mundo houve esse tipo de supressão da liberdade de imprensa, só não esperava que ocorresse em Hong Kong."
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