Os efeitos da pandemia do coronavírus transpõem os limites da saúde pública e levam governos do mundo todo a pensar em estratégias que permitam a reconstrução da economia em um cenário pós-Covid-19.
Um modelo econômico que priorize o crescimento, ou a recuperação econômica, a qualquer custo pode, entretanto, levar o planeta à destruição, de acordo com a pesquisadora Kate Raworth, da Universidade de Oxford, no Reino Unido.
A economista é a idealizadora de uma estratégia conhecida como “modelo da rosquinha”, que tem como objetivo central a busca do equilíbrio entre as necessidades econômicas de países, cidades e pessoas e os recursos ambientais disponíveis.
Detalhado no livro “Economia Donut: Uma Alternativa ao Crescimento a Qualquer Custo”, escrito por Raworth em 2017, o modelo da rosquinha voltou recentemente às discussões depois que a prefeitura de Amsterdã anunciou ter adotado a estratégia para superar a crise provocada pelo coronavírus.
"Acho que isso pode nos ajudar a superar os efeitos da crise", disse a vice-prefeita de Amsterdã, Marieke van Doorninck, em entrevista ao jornal britânico The Guardian, na quarta-feira (8).
"Pode parecer estranho que estejamos falando sobre o período seguinte [à crise], mas, como governo, precisamos fazê-lo.”
Para Raworth, que também concedeu entrevista ao Guardian, o cenário que se formou em decorrência da crise do coronavírus é propício para a aplicação de sua teoria. “Quando, de repente, precisamos nos preocupar com clima, saúde, empregos, moradia, assistência e comunidades, existe alguma estrutura que possa nos ajudar com tudo isso? Sim, existe, e está pronta”, afirmou.
No modelo criado pela economista, o círculo interno (o furo da rosquinha) representa um alicerce social, o mínimo necessário para levar uma vida digna. São 12 elementos, estabelecidos de acordo com os objetivos de desenvolvimento sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU), como água, alimento e saúde, passando também por educação, igualdade de gênero e voz política.
O círculo externo (a cobertura da rosquinha) é chamado por Raworth de teto ecológico da humanidade. Ele estabelece limites que a espécie humana não deve ultrapassar, sob risco de danos ambientais irreversíveis, como destruição da camada de ozônio, perda da biodiversidade e aquecimento global.
O intervalo entre os círculos interno e externo (a massa da rosquinha) representa a premissa central do esquema criado pela economista de Oxford: um espaço em que as necessidades humanas e as do planeta estão sendo atendidas simultaneamente.
Ou seja, Raworth afirma que o objetivo da atividade econômica deve ser o de atender às principais necessidades de todos sem promover o esgotamento dos recursos naturais.
Em seu livro, a autora cita dezenas de exemplos de como a teoria da rosquinha pode ser colocada em prática. Um deles é a taxação de grandes fortunas, uma espécie de imposto global sobre o patrimônio dos bilionários.
“Existem mais de 2.000 bilionários vivendo em 20 países (...). Um imposto anual sobre a riqueza de 1,5% sobre o patrimônio líquido renderia US$ 74 bilhões por ano: só isso bastaria para colocar todas as crianças na escola”, escreve Raworth.
Para aplicar a teoria da rosquinha em Amsterdã, Raworth fez uma série de análises para identificar em que aspectos as necessidades humanas estão deficitárias e onde os limites ecológicos estão sendo ultrapassados. O exemplo mais claro está na crise de habitação.
Em Amsterdã, quase 20% dos inquilinos são financeiramente incapazes de cobrir suas despesas básicas depois de pagar o aluguel. Ao mesmo tempo, apenas 12% dos quase 60 mil solicitantes conseguem os benefícios dos programas de moradia social.
Sem levar a sustentabilidade em consideração, a solução mais fácil seria aumentar a construção de casas. A rosquinha de Amsterdã, entretanto, aponta que a construção civil e a importação de materiais e suprimentos são responsáveis por 62% do total de emissões de dióxido de carbono da capital holandesa.
Para a vice-prefeita, a solução desse impasse está em uma regulamentação que garanta que as construtoras usem materiais que possam ser reciclados e que tenham uma base biológica, como a madeira.
"A rosquinha não nos traz as respostas, mas uma maneira de olhar para elas, para que não continuemos sobre as mesmas estruturas com as quais estávamos acostumados", diz van Doorninck. “Não é apenas uma maneira hippie de olhar para o mundo”.
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