O primeiro general brasileiro a integrar o Comando Sul das Forças Armadas dos Estados Unidos, Alcides Valeriano de Faria Júnior, nega que sua indicação signifique algum tipo de subordinação de Brasília a Washington.
"Caso alguma decisão seja tomada [pelo Comando Sul], eu, como general, devo apresentar o ponto de vista militar brasileiro de maneira leal e responsável", disse, em entrevista por escrito enviada na semana passada e respondida nesta segunda (25).
Para ele, na hipótese de que uma "decisão soberana dos EUA não esteja de acordo com a posição política nacional, o Brasil pode determinar meu regresso e eu, como militar, funcionário de Estado, retorno imediatamente. Assim que receber a ordem."
O general de brigada Alcides, identificado pelo prenome no Exército, comanda a 5ª Brigada de Cavalaria Blindada, de Ponta Grossa (PR).
Aos 52 anos, ele delineia o seu novo cargo, de subcomandante de Interoperabilidade: integrar esforços entre forças brasileiras e de outros países da região às dos EUA em caso de calamidades naturais ou crises humanitárias.
Apesar desse viés, ele também se descreve como o responsável pela ligação entre o Brasil e Comando Sul, o que amplia o escopo de suas funções para a diplomacia militar.
Isso foi lido por setores da esquerda, a exemplo de opinião expressa pelo ex-chanceler Celso Amorim, como submissão à hipótese de intervir militarmente na crise venezuelana a partir de uma tentativa de ajuda humanitária. Este, aliás, foi o roteiro apresentado pelo ditador Nicolás Maduro no fim de semana, quando bloqueou a entrada de caminhões com mantimentos do Brasil e da Colômbia, coordenados pelos EUA.
O líder opositor Juan Guaidó deixou em aberto a ideia de uma intervenção militar contra Maduro. Isso já foi sugerido pelo próprio presidente Donald Trump, e o Brasil diz ser contrário à ideia.
Alcides descarta precedência dos americanos nesse caso. "Os EUA defendem suas posições estratégicas. Cabe a nós buscar trabalhar em todos as esferas, organismos multilaterais, acordos bilaterais, ou quaisquer outros instrumentos, para defender nossos interesses. Vamos defender sem que isso implique falta de camaradagem e de fidalguia."
Perguntado se há a possibilidade de a crise humanitária escalar para uma ação militar, a exemplo do que as forças da Otan (aliança liderada pelos EUA) fizeram em 1999 na então província iugoslava do Kosovo, Alcides disse que a situação na Europa "era um pouco diferente".
"Acredito que os atores envolvidos na atual situação da Venezuela, encontrarão uma saída para resolver esse impasse e evitar que a situação se agrave", afirmou.
A reportagem lembrou o general da fala do chefe do Comando Sul, almirante Craig Faller, ao Congresso americano, no dia 7 passado. Nela, o militar havia nomeado China, Rússia, Irã, Nicarágua, Venezuela e Cuba como inimigos dos interesses dos EUA na América Latina. A Folha então perguntou: integrar o Comando Sul não seria um alinhamento político a Washington?
"Não vejo dessa forma. O fato de termos representantes do Brasil em Forças Armadas de outros países não significa alinhamento automático. As decisões de política externa são tomadas pelos responsáveis no nível político e diplomático. Minha missão é executiva", respondeu o militar.
Alcides se apresenta a Faller e ao seu chefe direto, o general Mark Stammer, em meados de março. Ele substituirá um militar chileno.
Já havia oficiais superiores (coronéis, tenentes-coronéis e majores) brasileiros no Comando Sul desde 2017, mas é a primeira vez que um oficial general do país participa de tal tipo de missão fora do guarda-chuva de organizações multilaterais como a ONU.
Para ele, a mudança de paradigma é uma "tendência mundial" e "uma oportunidade".
Ele enumerou a participação em missões de paz da ONU, emprego de força em faixas de fronteira e as Operações de Garantia da Lei e da Ordem como eventos que precederam a nova realidade.
"A presença de um oficial general coloca o Exército em um outro patamar de integração e deve ser visto como um reconhecimento internacional da capacidade e do preparo profissional dos militares brasileiros", disse.
"O Brasil adota em seus documentos de Defesa ('Livro Branco', Estratégia e Política Nacionais de Defesa) o multilateralismo, ou seja, trabalhar com instituições e organizações mundiais, com diferentes atores e países, para solução dos problemas", afirmou o general.
A negociação para que Alcides substituísse um oficial chileno no Comando Sul começou no governo Michel Temer (MDB), mas foi concluído agora que o presidente é Jair Bolsonaro (PSL), um capitão reformado que adotou retórica agressiva contra o regime de Maduro.
Isso levou parlamentares de oposição ao governo federal a questionar a indicação para o Comando Sul como uma decisão belicista oriunda de Bolsonaro, o que também é descartado pela área de defesa.
O Comando Sul cuida dos interesses americanos na região do Caribe e Américas Central e do Sul, e emprega 1.200 homens. É um dos dez do gênero no mundo. A indicação de Alcides havia sido adiantada ao Congresso por Faller. Isso também gerou críticas à esquerda.
Desde a implantação da Doutrina Monroe no século 19, passando pelo intervencionismo explícito do presidente Theodore Roosevelt nos anos 1900 e a longa história de apoios a golpes na região, a relação entre forças americanas e suas vizinhas menores a sul sempre foi marcada por turbulências.
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