Os russos que vieram para o Brasil fugindo da revolu��o comunista de 1917
Arquivo Pessoal/BBC | ||
Nicolau Ivanovich Vassilnenko (de preto) era capit�o do Ex�rcito Branco quando os bolcheviques tomaram o poder; para n�o ser mandado � pris�o na Sib�ria ou, pior, fuzilado com tiro na nuca, fugiu �s pressas e se instalou no Brasil |
Durante muito tempo, o pai de Igor Chnee, Anat�li, seguiu um mesmo ritual: na noite de R�veillon, ele abria uma garrafa de champanhe, fazia um brinde � R�ssia e desejava, do fundo do cora��o, regressar � terra natal. Ex-tenente do Ex�rcito Branco durante a sangrenta guerra civil russa, que durou de 1918 a 1921 e dizimou 9,5 milh�es de pessoas, entre civis e militares, Anat�li Viktorovitch Chnee morreu em 1962, aos 65 anos, sem conseguir realizar seu �ltimo desejo.
"A saudade de meu pai era tanta que, certa vez, chegou a confidenciar que, se necess�rio, amputaria seu bra�o direito em troca do direito de visitar sua p�tria", recorda Igor, um economista polon�s de 83 anos, 69 deles vividos no Brasil.
Por ocasi�o da revolu��o dos bolcheviques ("maioria", em russo), nome dados aos comunistas que assumiram o poder em 7 de novembro de 1917 (25 de outubro, pelo calend�rio russo), Anat�li Chnee era ajudante de ordens do general Piotr Nikolaevich Wrangel, o comandante-chefe do Ex�rcito Branco, grupo militar formado por contrarrevolucion�rios. No caso de uma eventual derrota para o Ex�rcito Vermelho, Wrangel ordenara a Anat�li que arrestasse todas as embarca��es que entrassem no porto de Sebastopol, na Crimeia.
Miss�o dada, miss�o cumprida. Depois de confiscar 126 navios, Wrangel mandou que os militares e suas fam�lias seguissem rumo a Gallipoli, na Turquia. Antes de embarcar, o Ex�rcito ainda cantou, perfilado, o hino imperial Boje czaria chrani ("Deus salve o czar"). Era a �ltima vez que Anat�li Chnee pisava em solo russo.
"Meu pai teve tr�s irm�os. Todos eles foram fuzilados por ordem de Josef St�lin. Se n�o tivesse fugido da R�ssia, em 1921, teria tido o mesmo fim", garante Igor. Com o fim da guerra civil, em dezembro de 1922, foi criada a Uni�o das Rep�blicas Socialistas Sovi�ticas (URSS) - que voltaria a mergulhar em um per�odo de grande sofrimento e terror nos expurgos de Josef St�lin, que mataram milh�es de pessoas.
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Igor Chnee Anat�li era um dos integrantes do Ex�rcito Branco, que tentava evitar a revolu��o comunista. Ele fugiu para o Brasil quando os bolcheviques tomaram o poder |
REF�GIO NO BRASIL
Autor do livro Imigrantes Russos no Brasil, Igor Chnee integra o grupo de 1,8 milh�o de descendentes de imigrantes e refugiados russos que, segundo estimativas, vivem hoje no Brasil. Os Estados que concentram o maior n�mero de filhos, netos e bisnetos de russos s�o Rio Grande do Sul, S�o Paulo, Goi�s e Paran�, seguidos de Rio de Janeiro, Santa Catarina e Pernambuco.
"Depois de derrotado pelo Ex�rcito Vermelho de Vladimir L�nin, o Ex�rcito Branco fugiu para diversos pa�ses, como Bulg�ria, Fran�a e Alemanha. Na ocasi�o, aproximadamente 200 imigrantes russos, vindos em dois navios, Provence e Aquitaine, desembarcaram no porto de Santos", relata Victor Gers J�nior, presidente da Associa��o Russo Brasileira (ARB), entidade cultural com sede em S�o Paulo (SP).
Na lista dos russos que encontraram abrigo no Brasil est�o Yuri Andreievitch Leskov e Nicolau Ivanovich Vassilnenko. O primeiro era diplomata em miss�o na Bulg�ria e o segundo, capit�o do Ex�rcito Branco quando os bolcheviques tomaram o poder. Para n�o serem mandados para a pris�o na Sib�ria ou, pior, fuzilados com um tiro na nuca, fugiram �s pressas. A fam�lia de Yuri chegou ao Brasil em 1944. A de Nicolau, dois anos depois.
"Minha av� tinha verdadeiro pavor de L�nin e St�lin. Para ela, eram a encarna��o de Sat�", afirma a bailarina, professora e core�grafa francesa Tatiana Leskova, de 94 anos. "Todos os homens da fam�lia, tanto do lado da minha m�e, Helena, quanto do meu pai, Yuri, foram mortos pelo Ex�rcito Vermelho. N�o sobrou ningu�m para contar a hist�ria", lamenta a ex-diretora do corpo de baile do Theatro Municipal do Rio de Janeiro.
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Yuri Andreievitch Leskov era diplomata em miss�o na Bulg�ria quando a revolu��o comunista aconteceu. Ele buscou ref�gio no Brasil e trouxe a fam�lia |
No meio de tanta tristeza, Tamara Kalinin, a filha de Nicolau, se atreve a contar uma hist�ria curiosa. Seus pais, relata, se casaram no dia 14 de outubro de 1920, entre duas batalhas. Ele era oficial e ela, enfermeira. O local da cerim�nia foi, no m�nimo, inusitado: a capelinha de um cemit�rio no sul da R�ssia. O casal n�o teve tempo de curtir a lua de mel. No dia 20 de novembro, embarcava em Sebastopol, na Crimeia, rumo ao ex�lio.
"A adapta��o deles foi dif�cil. Meu pai trabalhava como mec�nico e minha m�e, costureira. Os dois custaram a arranjar emprego", lamenta Tamara, uma professora francesa de 86 anos que d� aula particular de russo em S�o Paulo. "Curiosamente, meu pai terminou seus dias como padre da Igreja Ortodoxa", conta.
'A REVOLU��O RUSSA DESTRUIU MINHA FAM�LIA'
Se depender de Tatiana e Tamara, o dia 7 de novembro de 2017 vai passar em branco.
"N�o tenho nada a comemorar. A Revolu��o Russa destruiu minha fam�lia", queixa-se Tatiana Leskova.
"Foi um per�odo tenebroso de muita fome e persegui��o", faz coro Tamara Kalinin.
"Felizmente, a R�ssia, que estava morta desde 1917, ressuscitou em 1991", festeja, referindo-se �s duas reformas implementadas pelo presidente Mikhail Gorbatchov: a glasnost ("transpar�ncia"), que abre espa�o para o debate pol�tico, e a perestroika ("reconstru��o"), que promove uma reforma econ�mica.
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"N�o tenho nada a comemorar. A Revolu��o Russa destruiu minha fam�lia", queixa-se Tatiana Leskova |
Em dezembro daquele ano, as 15 rep�blicas sovi�ticas proclamaram sua independ�ncia e deram fim � antiga URSS.
A opini�o de Tamara e Tatiana � compartilhada por Igor Chnee.
"A Revolu��o Russa foi uma desgra�a para o pa�s. O povo foi nivelado por baixo. Todo mundo virou pobre", opina.
Indagado se a R�ssia do presidente Vladimir Putin, o terceiro l�der p�s-comunista do pa�s, � diferente daquela do czar Nicolau 2�, o �ltimo representante da dinastia Romanov, diz que sim. "Em alguns aspectos, sou obrigado a reconhecer, melhorou. A R�ssia hoje est� melhor do que na �poca do imp�rio. Atualmente, 100% da popula��o � alfabetizada", justifica Igor.
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