Alian�a com Pio 11 solidificou fascismo
Associated Press | ||
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O ditador fascista italiano Benito Mussolini, em foto de 1937 |
A simbiose entre o regime fascista de Benito Mussolini (1883-1945) e o papado foi crucial para que o ditador consolidasse seu dom�nio da It�lia a partir dos anos 1920, afirma o historiador americano David Kertzer, da Universidade Brown.
O livro de Kertzer sobre o tema, que acaba de chegar ao Brasil, usa uma massa impressionante de documentos para mostrar que a Igreja Cat�lica aceitou at� mesmo as leis antissemitas propostas por Mussolini quando ele se aproximou do nazismo, ainda que protestasse contra detalhes da legisla��o.
"O Papa e Mussolini", obra que venceu o Pr�mio Pulitzer de Biografia em 2015, narra as vidas paralelas de Achille Ratti, o papa Pio 11 (1857-1939), e do l�der fascista, al�m de tra�ar perfis dos principais assessores de ambos, muitos dos quais ajudaram a costurar uma esp�cie de alian�a t�cita entre o Vaticano e o fascismo no per�odo entre as duas guerras mundiais.
Em entrevista � Folha, Kertzer contou que a decis�o de escrever o livro veio em 2002, quando o papa de ent�o, Jo�o Paulo 2�, anunciou que permitiria a consulta dos arquivos da Santa S� que datavam do pontificado de Pio 11. "Entre esse an�ncio e a abertura dos arquivos, quatro anos se passaram. Enquanto esperava, consultei os documentos do governo italiano sobre o per�odo e tamb�m estudei os arquivos centrais dos jesu�tas, os quais foram muito importantes para as rela��es entre o Vaticano e o fascismo. Meu livro, portanto, � um dos primeiros a analisar esse per�odo", explica.
CONTRASTE
� primeira vista, seria dif�cil imaginar uma alian�a entre sujeitos mais diferentes do que Mussolini e Achille Ratti. Nascido numa fam�lia de classe m�dia baixa profundamente anticlerical, o futuro duce ("l�der", como Mussolini passaria a ser chamado) come�ou sua carreira pol�tica como um agitador esquerdista radical. Dizia desprezar o cristianismo e s� foi batizado, junto com a mulher e os filhos, ap�s se tornar primeiro-ministro.
O futuro papa, por outro lado, tivera uma inf�ncia confort�vel e devota. Ap�s receber a ordena��o sacerdotal, tornou-se especialista em paleografia (o estudo da "letra" dos manuscritos antigos), al�m de atuar como enviado do papa Bento 15 na Pol�nia.
Coincidentemente, ambos assumiram seus cargos m�ximos em 1922. Embora usasse capangas para intimidar ativistas do Partido Popular e da A��o Cat�lica, principais �rg�os de ativismo pol�tico do catolicismo, Mussolini passou a oferecer � igreja a perspectiva de uma alian�a.
Promulgou leis que puniam insultos a sacerdotes e � f� cat�lica, instituiu o ensino religioso obrigat�rio nas escolas prim�rias (mais tarde, tamb�m nas secund�rias) e fez doa��es generosas para o reparo de igrejas.
Por meio dessas medidas, argumenta Kertzer, o fascista conseguiu atrair o interesse de Pio 11 justamente no ponto que mais irritava o papado desde o fim do s�culo 18: a crescente separa��o entre igreja e Estado na It�lia.
"Isso come�ou com a Revolu��o Francesa e as Guerras Napole�nicas, quando dois papas, Pio 6� e Pio 7�, chegaram a ser aprisionados por Napole�o", explica o historiador. Nessa �poca, os pont�fices eram os soberanos de um peda�o consider�vel da regi�o central da It�lia, incluindo a pr�pria Roma, enquanto o resto da pen�nsula estava dividido em diversos Estados independentes.
Com a unifica��o italiana e a transforma��o de Roma em capital do novo reino, em 1871, os papas viraram "prisioneiros do Vaticano", sem Estado independente pr�prio e em briga constante com o governo secular da It�lia.
Diante dos sinais de tr�gua emitidos por Mussolini, Pio 11 considerou que valia a pena apoiar cautelosamente o fascismo. Al�m disso, o papa n�o era um entusiasta do parlamentarismo italiano e preferia um governo forte. "Mussolini n�o � nenhum Napole�o, mas s� ele compreendeu o que era preciso para livrar o pa�s da anarquia a que fora reduzido", declarou o pont�fice ao embaixador da B�lgica na Santa S� em 1923. "Que ele reviva a It�lia! S�o esses homens predestinados � grandeza que conseguem trazer a paz hoje ausente."
As negocia��es entre os emiss�rios do papa e os do Duce culminaram com o Tratado de Latr�o, assinado em 11 de fevereiro de 1929. O tratado criou o pequeno Estado do Vaticano, nos moldes que ainda tem hoje, e estipulou uma boa compensa��o pela perda de propriedades da igreja na It�lia durante o processo de unifica��o.
ENTRE TAPAS E BEIJOS
A rela��o entre os dois l�deres passaria por altos e baixos depois disso. Mussolini n�o queria que as organiza��es fascistas enfrentassem a concorr�ncia da A��o Cat�lica na hora de atrair crian�as e adolescentes para suas fileiras. Pio 11 bateu o p�, exigindo liberdade para o �rg�o. Em 1931, chegou a publicar uma enc�clica em italiano, "Non Abbiamo Bisogno" ("N�o Precisamos Disso"), que criticava o regime.
Conforme Mussolini foi se aproximando de Hitler ao longo dos anos 1930, o papa se mostrou cada vez mais desgostoso com o rumo tomado pelo fascismo, mas continuou se valendo de suas liga��es com o regime para reprimir livros, filmes e comportamentos considerados ofensivos � igreja e para barrar o crescimento da pequena comunidade protestante da It�lia.
Quando os fascistas decidiram copiar as leis nazistas sobre a "pureza da ra�a", proibindo o casamento entre judeus e "italianos arianos" e tirando direitos da popula��o judaica, Pio 11 e seus emiss�rios s� foram incisivos ao exigir que os casamentos entre cat�licos e judeus convertidos ao catolicismo fossem reconhecidos como v�lidos.
O Papa e Mussolini |
David I. Kertzer |
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N�o houve oposi��o clara � discrimina��o, embora o papa tenha ressaltado em um de seus discursos: "Espiritualmente, somos todos semitas". Um discurso p�stumo de Pio 11 com cr�ticas mais veementes a Mussolini acabou sendo engavetado por seu secret�rio de Estado, Eugenio Pacelli (eleito, logo depois, papa Pio 12), ap�s a morte de Ratti.
O PAPA E MUSSOLINI
QUANTO: R$ 69 (592 p�gs,)
AUTOR: David Kertzer
EDITORA: Intr�nseca
AS LIGA��ES ENTRE O VATICANO E O DITADOR FASCISTA
PIO 11
Ambrogio Damiano Achille Ratti (1857-1939), estudioso de manuscritos antigos, tinha fama de autorit�rio. A menina de seus olhos era a A��o Cat�lica, associa��o que buscava promover a influ�ncia crist� na sociedade
MUSSOLINI
Benito Amilcare Andrea Mussolini (1883-1945) come�ou sua carreira como esquerdista violentamente contr�rio � Igreja Cat�lica, mas se aproximou do Vaticano assim que obteve chances reais de assumir o governo
PACELLI
Eugenio Maria Giuseppe Giovanni Pacelli (1876-1958), futuro papa Pio 12, foi nomeado secret�rio de Estado por Pio 11 em 1930, ap�s bem-sucedida carreira diplom�tica. Tinha boas rela��es com o regime fascista
VENTURI
Pietro Tacchi Venturi (1861-1956), jesu�ta escolhido para atuar como intermedi�rio extraoficial nas negocia��es entre Pio 11 e Benito Mussolini, tinha fortes cren�as antissemitas
VITTORIO EMANUELE 3�
Rei da It�lia de 1900 a 1946, t�mido e pouco popular, o monarca compartilhava do anticlericalismo de Mussolini, mas acabou abra�ando a ideia de uma reaproxima��o com a hierarquia cat�lica
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