Gasto militar e Ucr�nia assombram a R�ssia, 25 anos depois da URSS
Alexander Nemenov - 7.nov.1990/AFP | ||
Mulher em Moscou, antes do colapso da Uni�o Sovi�tica |
Quando a bandeira vermelha da Uni�o Sovi�tica desceu o mastro do Kremlin no gelado 25 de dezembro de 1991, poucos poderiam prever que em um mero quarto de s�culo os elementos que levaram � derrocada do imp�rio comunista seguiriam a assombrar Moscou.
Queda nos pre�os do petr�leo que move sua economia intrinsecamente disfuncional, eleva��o de gastos militares e o desafio representado pela Ucr�nia. O que foi fatal h� 25 anos amea�a agora os planos de Vladimir Putin de resgatar o prest�gio da antiga superpot�ncia.
O presidente, que considera o fim do imp�rio que faria cem anos em 2017 o "maior desastre geopol�tico do s�culo 20", tem dobrado a aposta.
Tem dado certo pontualmente, mas os pr�ximos dois anos mostrar�o se as vit�rias t�ticas que vem colhendo podem tornar-se duradouras.
Sem sucessor claro nas elei��es de 2018, Putin vem centralizando poder com intrigas dignas do papado na era dos B�rgias, expurgando aliados e criando inst�ncias como sua Guarda Nacional.
A economia, como sempre, � quem d� o ritmo � valsa. O arco narrativo russo de 2016 torna-se uma serpente a comer o pr�prio rabo de 1991 justamente devido � press�o sobre as arcas do Kremlin.
O governo prev� que o principal fundo soberano amealhado no ciclo de alta do petr�leo esteja exaurido em 2017, n�o menos pela voracidade do gasto militar, perto dos 5% do PIB.
No ocaso sovi�tico, era semelhante, mas, at� pela natureza do regime, a percep��o da crise era mais branda para o cidad�o comum, apesar das famosas filas para comprar comida.
"A vida era melhor, as pessoas tinham previsibilidade. Quando acabou, n�o quis acreditar. A� veio o [governo de Boris] Ieltsin, parecia que ia ser bom, mas foi um desastre. Putin colocou ordem ao virar presidente, mas as coisas andam dif�ceis", diz Vera Pimenova, 64, professora aposentada em Khabarovsk, segunda maior cidade do Extremo Oriente russo.
L�, o pleito de setembro passado manteve no poder o R�ssia Unida, partido criado para dar suporte a Putin em 2001. "Votamos nos chefes do poder, como nos tempos comunistas. N�o sei como � em Moscou", resume Vera.
A leste da ferrovia Transiberiana, tudo parece mais sovi�tico. A 9.289 km de Moscou, no ponto final em Vladivostok, carros japoneses passam por est�tua que homenageia a tomada da cidade pelo Ex�rcito Vermelho em 1922.
Sergei Kharpukhin - 25.dez.1991/AP | ||
Fam�lia assiste em casa ao discurso de ren�ncia do presidente da URSS, Mikhail Gorbatchov |
CAPITAL E INTERIOR
Na capital russa � diferente, a despeito de a cidade guardar aqui e ali s�mbolos sovi�ticos e propagande�-los como suvenires.
Com uma classe m�dia escolarizada e melhor renda (concentra 21,6% do PIB do pa�s), a cidade viu grandes protestos logo depois da terceira elei��o de Putin � presid�ncia, em 2012 –ap�s esquentar a cadeira de premi� (e real governante) na gest�o do protegido Dmitri Medvedev, que a ocupa agora.
Apesar de ser um centro de dissenso, Moscou tamb�m � dominada pelo R�ssia Unida. � do Kremlin que Putin executa seu projeto de recria��o de uma identidade nacional, seguindo o padr�o da dinastia Romanov (1613-1917) e replicado sem o verniz religioso pelos comunistas.
"Somos um povo de valores", afirma o chefe de comunica��o da Igreja Ortodoxa, Vladimir Legoyda, 43, o que explica o peso dado por Putin � ritual�stica. E a igreja � um baluarte do projeto putinista, que tamb�m passa por suas aventuras militares.
A interven��o na guerra civil da S�ria � a mais recente e criticada, mas para Putin o sucesso dom�stico da propaganda � ineg�vel: segundo o instituto de pesquisas Levada, ele mant�m a aprova��o na casa dos 80%.
"O regime est� entrando num novo est�gio, de preserva��o, n�o de se arriscar com novas vis�es ou pol�tica econ�mica", diz o historiador ucraniano Serhii Plokhy, 59, professor em Harvard e autor de um livro seminal sobre o fim da Uni�o Sovi�tica, "O �ltimo Imp�rio" (Leya, 2015).
Igor Gielow/Folhapress | ||
Torre do Kremlin com arranha-c�us stalinistas ao fundo, em Moscou |
OTAN
O n� econ�mico � refor�ado pelas san��es dos EUA e Europa ap�s a anexa��o da Crimeia, territ�rio de maioria russa cedido a Kiev em 1954.
A R�ssia � um pa�s travado pela geografia, sem acesso f�cil ao mar e, logo, ao com�rcio e � proje��o militar. Com o fim da Uni�o Sovi�tica, perdeu o bloco que a isolava do Ocidente. Retomar sua base no mar Negro soa l�gico, assim como para os mais alarmistas tamb�m seria cobi�ar as antigas rep�blicas sovi�ticas do B�ltico.
Plokhy e outros duvidam desse avan�o, j� que os tr�s Estados da regi�o est�o na Otan (alian�a militar ocidental). Mas a Est�nia, com 25% de russos �tnicos em seu territ�rio, se prepara ativamente para algum tipo de conflito ou insurrei��o.
Para piorar, o Ocidente manteve uma pol�tica agressiva de expans�o de suas institui��es no p�s-Guerra Fria, com a UE (Uni�o Europeia) e Otan �s margens da R�ssia.
Conhecedor da inapet�ncia do Ocidente para o conflito de fato, Putin joga com o fato de ter 1.800 armas nucleares prontas para uso, fora outras 5.500 no estoque.
"Quando eu era crian�a, n�o tinha medo de guerra nuclear. De uns dois anos para c�, passei a ter, por mais improv�vel que pare�a", afirma o analista militar Ruslan Pukhov, 44, diretor do Centro para An�lise de Estrat�gias e Tecnologias de Moscou.
Falando grosso e travando uma guerra arriscada contra a nanica Ge�rgia em 2008, Putin conseguiu frear novos convites da Otan a ex-rep�blicas sovi�ticas. S� que a UE namorou a Ucr�nia, levando � queda do regime pr�-Moscou em 2014 e � subsequente a��o russa –que tamb�m fomenta separatistas.
Voltamos a 1991. Naquele ano, a insist�ncia de Kiev em promover um referendo de independ�ncia e rejeitar a Uni�o proposta pelo ent�o presidente Mikhail Gorbatchov foi o prego no caix�o do regime, dado o peso geopol�tico da rica Ucr�nia e sua posi��o entre russos e europeus.
"A Ucr�nia � agora um conflito congelado", sentencia o papa da geopol�tica americana George Friedman, 67, presidente da empresa de previs�o estrat�gica Geopolitical Futures. Isso d� uma vit�ria tempor�ria a Putin, a quem ele considera superestimado pelo Ocidente.
25 ANOS DE R�SSIA - Gasto militar russo, em % do PIB
TRUMP
H� tamb�m um fator imponder�vel: a chegada de Donald Trump ao poder nos EUA. Trump ter� dificuldades em explicar ao eleitor por que deveria arriscar guerra termonuclear para salvar Riga ou Tallinn, uma vez que amea�ou deixar a Otan �s moscas.
E o russo arriscaria? "Putin fez interven��o de baixo risco na S�ria que aumentou a chance de desafiar os EUA diretamente, mas as oportunidades de baixo risco est�o acabando", diz Friedman.
J� Plokhy v� um clima mais favor�vel a Putin com a ascens�o dos nacionalismos. "A R�ssia � regra, n�o exce��o, Putin estava l� antes de todos. Ele pode celebrar uma vit�ria. H� grandes chances de que a emerg�ncia do nacionalismo e do isolacionismo na UE e nos EUA facilite atingir seus objetivos de reintegra��o de espa�o no Leste Europeu e retomada de posi��es no Oriente M�dio", diz.
"A experi�ncia recente do impeachment no Brasil � um guia. Quando a economia se deteriora, carreiras pol�ticas acabam", compara, menos complacente, Friedman.
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