Reino Unido subestimou efeitos da Guerra do Iraque, conclui investiga��o
Daniel Leal-Olivas/AFP | ||
Manifestantes usam m�scaras do ex-premi� brit�nico Tony Blair (esq.) e de George W. Bush em Londres |
O Reino Unido subestimou as consequ�ncias da Guerra do Iraque (2003-2011) e decidiu participar do conflito, ao lado dos Estados Unidos, tendo como base dados de intelig�ncia falhos e um planejamento inadequado, concluiu um relat�rio encomendado pelo pr�prio governo brit�nico, cujos resultados foram divulgados nesta quarta (6).
Segundo John Chilcot, 77, que comandou por sete anos a investiga��o, o pa�s resolveu se envolver na guerra antes que fossem esgotadas todas as alternativas pac�ficas para o desarmamento do regime do ditador Saddam Hussein (1979-2003).
"Apesar de advert�ncias expl�citas, as consequ�ncias da invas�o foram subestimadas. O planejamento e os preparativos para o Iraque p�s-Saddam foram totalmente inadequados", disse Chilcot, um funcion�rio do governo brit�nico que participou das negocia��es de paz na Irlanda do Norte (1990) e que, ap�s se aposentar em 1997, trabalha como consultor privado.
Ainda assim, a investiga��o concluiu que o ent�o primeiro-ministro brit�nico Tony Blair (1997-2007) e seu governo n�o agiram deliberadamente para enganar o Parlamento e a popula��o. A legalidade da invas�o do Iraque n�o foi analisada, ainda que o relat�rio aponte que a base legal para a guerra esteve longe de ser satisfat�ria.
De acordo com Chilcot, "as avalia��es sobre a gravidade da amea�a das armas de destrui��o em massa do Iraque foram apresentadas [por Blair] com uma certeza que n�o se justificava". "O Comit� de Intelig�ncia deveria ter deixado claro a Blair que suas investiga��es n�o conclu�ram 'al�m de qualquer d�vida' que o Iraque tinha continuado a produzir armas qu�micas e biol�gicas ou que persistiam os esfor�os do pa�s para desenvolver armas nucleares."
Al�m disso, disse Chilcot, Blair se comprometeu a ajudar os EUA sem consultar seu gabinete ou ter clareza sobre os planos americanos no Iraque. "Em 28 de julho [de 2002, oito meses antes da invas�o do Iraque], Blair escreveu a [o ent�o presidente americano George W.] Bush assegurando-lhe que estaria ao seu lado 'aconte�a o que acontecer'."
Como resultado, a participa��o brit�nica na guerra n�o atingiu os objetivos propostos e levou suas tropas, que estariam mal-equipadas, a fazer acordos com mil�cias iraquianas para evitar que fossem atacadas.
Relat�rios produzidos pelo Congresso e pelo Pent�gono americanos, no passado, j� apontaram excessos nos relatos de intelig�ncia que levaram � invas�o americana no Iraque.
Um documento divulgado em 2006 pela Comiss�o de Intelig�ncia do Senado afirmou que n�o havia evid�ncias da liga��o de Saddam com a Al-Qaeda. No ano seguinte, uma an�lise do Pent�gono criticou autoridades civis do mesmo �rg�o por produzirem an�lises alternativas sobre a liga��o entre Saddam e o grupo terrorista que eram inconsistentes com o consenso da comunidade de intelig�ncia.
REA��O
Ap�s a divulga��o do relat�rio, Blair lembrou que os investigadores o eximiram de qualquer m�-f�. "Quer as pessoas concordem ou n�o com minha decis�o de agir militarmente contra Saddam Hussein, tive boa f� e fiz o que acreditava ser o melhor para o pa�s", disse em comunicado.
Mais tarde, em pronunciamento � imprensa, Blair negou que a decis�o de invadir o Iraque tenha ocorrido �s pressas e que seu gabinete debateu a situa��o do Iraque 26 vezes antes da invas�o. Segundo ele, ainda que a investiga��o tenha encontrado s�rias falhas de procedimento do Reino Unido, ela n�o sugeriu caminhos alternativos que poderiam ter sido tomados.
Para Blair, se Saddam Hussein tivesse continuado no poder, o pa�s poderia ter se tornado uma S�ria (em guerra civil desde a Primavera �rabe, 2011).
"Pe�o com humildade para que o povo brit�nico aceite que tomei essa decis�o porque eu acreditava que ela era a coisa certa a fazer, baseada nas informa��es que eu tinha e nas amea�as que eu via. Deixar Saddam no poder seria pior para o Reino Unido e o mundo."
Apesar disso, Blair pediu desculpas pelo ocorrido. "A decis�o de ir � guerra no Iraque e tirar Hussein do poder foi a mais dif�cil que tomei em meus dez anos como primeiro-ministro. Por essa decis�o, tenho total responsabilidade, sem exce��o ou desculpas. As informa��es de intelig�ncia feitas naquela �poca se mostraram erradas. O resultado foi mais hostil e sangrento do que imagin�vamos. Uma na��o cujo povo queria se ver livre e seguro de Hussein se transformou em v�tima do terrorismo sect�rio", disse. "Por tudo isso, expresso remorso e pe�o desculpas."
Segundo Frank Ledwidge, autor do livro "Losing Small Wars: British Military Failure in Iraq and Afghanistan" (2011, sem edi��o em portugu�s), devido � extens�o do relat�rio (ao todo s�o 2,6 milh�es de palavras, quatro vezes o tamanho do romance "Guerra e Paz", de Tolst�i), ainda n�o � poss�vel fazer uma an�lise detalhada da investiga��o.
No entanto, diz, o sum�rio executivo apresentado, apesar de n�o trazer nenhuma conclus�o sobre a legalidade da guerra e estar redigido em linguagem neutra e diplom�tica, j� faz uma cr�tica em suas entrelinhas � investida brit�nica e a relaciona com "outra opera��o militar falha" do Reino Unido: a no Afeganist�o.
"Por muito tempo, devido aos sucessivos atrasos para sua conclus�o, esse relat�rio foi visto como tendo um fim em si mesmo. No entanto, est� ficando claro que esse � apenas o come�o", disse Ledwidge em entrevista por e-mail � Folha. "Muitas pessoas, inclusive eu, acreditam que agora o caminho est� livre para que pessoas sejam responsabilizadas. A quest�o � se isso acontecer� judicialmente. Infelizmente, a responsabiliza��o criminal � muito remota, mas como as fam�lias [de soldados brit�nicos mortos] disseram, � grande a possibilidade de processos civis."
Al�m disso, de acordo Ledwidge, alguns parlamentares j� mostraram a inten��o de abrir um processo de impeachment retroativo contra Blair, algo sem resultados pr�ticos (j� que ele n�o ocupa mais o cargo), mas com forte carga simb�lica.
INVESTIGA��O DUROU SETE ANOS
A produ��o do relat�rio apresentado nesta quarta teve in�cio em 2009, ap�s a retirada das tropas brit�nicas do Iraque. Seu objetivo era investigar como se deu a decis�o do Reino Unido de participar da guerra e sua subsequente ocupa��o no pa�s. Mais de 120 testemunhas foram ouvidas e 150 mil documentos foram analisados.
A Guerra do Iraque deixou 179 soldados brit�nicos mortos, al�m de 4.500 americanos e mais de 100 mil iraquianos. Al�m disso, criou um ambiente de caos e divis�o sect�ria no Iraque que ajudou na ascens�o da fac��o terrorista Estado Isl�mico (EI).
Na �poca da invas�o, EUA e Reino Unido atropelaram o Conselho de Seguran�a da ONU, agindo sem sua anu�ncia. Os dois pa�ses alegavam que o regime de Hussein escondia armas de destrui��o em massa, que nunca chegaram a ser encontradas.
O relat�rio, em ingl�s, pode ser lido na �ntegra on-line.
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PRINCIPAIS CONCLUS�ES DO RELAT�RIO
Amea�a superestimada
O Iraque n�o trazia perigo iminente ao Reino Unido, que decidiu pela guerra antes de esgotar todas as alternativas pac�ficas para o desarmamento do regime de Saddam Hussein. O ent�o premi� brit�nico Tony Blair falou sobre os riscos das armas de destrui��o em massa iraquianas "com uma certeza que n�o se justificava"
Falta de planejamento
Planejamento e prepara��o do Reino Unido para a guerra foram inadequados. Blair superestimou a influ�ncia do pa�s sobre os EUA para decis�es durante a interven��o, e o ent�o presidente americano George W. Bush ignorava a maioria dos conselhos brit�nicos
Hip�tese falha
As ag�ncias de intelig�ncia do Reino Unido desde o in�cio tomaram por certo que Saddam Hussein tivesse armas de destrui��o em massa, principal argumento a favor da guerra. No entanto, tal arsenal nunca chegou a ser encontradas
Objetivos frustrados
N�o foram cumpridos os objetivos previstos pelo Reino Unido para o p�s-guerra. Al�m disso, o governo n�o previu uma estrat�gia para quando terminasse a ocupa��o
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