'Ainda levar� tempo para se ter privacidade na internet', diz Assange
Asilado na embaixada do Equador em Londres desde junho de 2012, o fundador do site WikiLeaks, o australiano Julian Assange, 43, afirma que � "imposs�vel" ter privacidade na internet. "Isso ainda vai levar muito tempo", disse, em entrevista � Folha, na sexta-feira (6).
Assange recebeu a reportagem para falar sobre seu novo livro, "Quando o Google encontrou o WikiLeaks" (Editora Boitempo), que chega ao Brasil na pr�xima semana. O livro aborda um encontro dele com executivos do Google em 2011.
A empresa, para Assange, tornou-se a vil� do controle de dados pessoais e aliada do governo dos EUA, com quem o fundador do WikiLeaks trava batalha jur�dica em raz�o da revela��o de documentos sigilosos, muitos deles segredos militares e diplom�ticos.
Assange pediu asilo ao Equador em Londres para evitar a extradi��o para a Su�cia, onde vivia e � acusado de crimes sexuais em 2010.
Ele se diz inocente e teme ser enviado aos EUA para ser julgado devido ao WikiLeaks.
Por quest�es de seguran�a, Assange pediu que n�o fosse feita imagem do local da entrevista. Do lado de fora da embaixada, um policial brit�nico fazia a vigil�ncia.
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Folha- Por quanto tempo o senhor conseguir� viver na embaixada?
Julian Assange - O presidente Correa (Rafael Correa, presidente do Equador) fala em 200 anos, mas espero que n�o seja por muito tempo. H� uma quest�o interessante, alguns benef�cios, por quest�es de seguran�a nacional. N�o h� pol�cia brit�nica dentro da embaixada, n�o h� intima��es, tribunais. � como uma terra de ningu�m. N�o h� lei formal, h� apenas rela��o entre seres humanos.
Quando o Google Encontrou o WikiLeaks |
Julian Assange |
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H� uma certa curiosidade sobre sua rotina.
Brinco com minha equipe quando me perguntam isso e digo: vamos mostrar meu lado humano. Eles brincam: 'estamos procurando isso nos �ltimos quatro anos'. Mas n�o tenho que falar disso. Estou comprometido com o que estou fazendo, tenho fam�lia, me preocupo com ela.
O sr. tem visto seus parentes?
N�o posso falar por quest�es de seguran�a.
O sr. n�o pode sair daqui. N�o se parece com uma pris�o?
Em alguns momentos, sim, porque recebo visita, h� um aparato policial l� fora vigiando 24 horas por dia. N�o � um ambiente saud�vel. � uma situa��o dif�cil, mas outras pessoas tamb�m est�o em situa��es dif�ceis e estou confiante que vou sobreviver.
� vi�vel uma solu��o no curto prazo, como uma negocia��o com as autoridades?
Os pa�ses envolvidos, como Reino Unido e Su�cia, querem mostrar firmeza. J� as autoridades dos EUA se recusam a conversar. � importante destacar que organiza��es de direitos humanos revelaram � ONU preocupa��o com minha situa��o.
O que tem feito o WikiLeaks?
Tr�s coisas: uma � desenvolver recursos mais sofisticados de sistemas de pesquisa para nosso material, por um assunto ou uma palavra. Temos 3,1 milh�es de documentos publicados, e desenvolver isso � importante para o jornalismo e pesquisas acad�micas. A outra � trabalhar em cima de novas publica��es, relacionadas a setores de intelig�ncia. Em terceiro, estamos nos defendendo na Justi�a pelo mundo.
E como est�o os processos?
S�o v�rios, espalhados, mas sobretudo nos EUA, onde h� uma acusa��o interessante de conspira��o e que poderia ser aplicada a qualquer empresa de m�dia: um jornalista que trabalha para um ve�culo obt�m uma informa��o de uma fonte e dizem que a fonte conspirou com o jornalista. N�o. O jornalista discutiu com seu editor, que trabalhou nesse material para publicar. Essa chamada conspira��o � parte normal do processo. Se os americanos forem bem-sucedidos nessa teoria, qualquer m�dia poder� sofrer essa acusa��o.
Quantas pessoas trabalham hoje para o WikiLeaks?
Tenho orgulho disso. Apesar de tudo, de bloqueio banc�rio, eu aqui na embaixada, esse apoio tem crescido. N�o � um n�mero alto, mas � significante. S� n�o posso falar.
Durante esse tempo asilado, o sr. se arrependeu de algo em rela��o ao WikiLeaks?
N�o tenho arrependimentos, tenho muito orgulho do que fiz. E sobrevivi a isso. Mas tiro li��es das estrat�gias do passado. �s vezes, voc� tenta voltar no tempo e percebe que, em situa��es espec�ficas, foi for�ado pelas circunst�ncias.
Poderia dar exemplos?
Eu subestimei o quanto a Su�cia tinha mudado nos �ltimos 30 anos. A Su�cia ficou famosa nos anos 70, quando o premi� Olof Palme aceitou refugiados do Vietn� e o pa�s promoveu sua reputa��o. Mas, desde seu assassinato, em 1986, a Su�cia se transformou no pa�s mais pr�ximo dos EUA na Europa, com exce��o do Reino Unido. Foi um equ�voco de minha parte. Eu tamb�m n�o entendi direito a natureza do "The Guardian" (jornal que rompeu parceria com Wikileaks). Sou australiano e o via como um jornal "antiestablishment", mas isso n�o era verdade. � um jornal que representa parte do establishment brit�nico. Quando voc� � estrangeiro, leva tempo para entender no��es de poder do pa�s.
O seu novo livro aborda a poss�vel "morte" da privacidade na internet. Como as pessoas podem proteg�-la?
Isso � imposs�vel para a maioria das pessoas e ainda vai levar muito tempo. Por outro lado, as pessoas est�o acordando para o que est� acontecendo com o Google e criando demandas para algo que preserve a privacidade e reprima o apetite do Google, cujo neg�cio � coletar informa��o privada. Pelo menos 80% dos smartphones s�o controlados pelo Google, que grava as localidades, contatos, e-mails, o que pesquisaram.
Essas informa��es s�o integradas com outras coletadas no Gmail e no Youtube para construir um perfil sobre voc�. N�o � s� uma empresa de tecnologia. � a segunda maior companhia dos Estados Unidos, com conex�es com o Departamento de Estado, trabalhando com projetos de intelig�ncia nos �ltimos 12 anos.
Carmen Valino/Sunshine Press Productions | ||
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O fundador do WikiLeaks durante entrevista �Folha na Embaixada do Equador em Londres |
Por isso afirma no livro que o Google n�o � o futuro da internet?
Seu modelo � uma armadilha do servi�o gratuito, oferecendo maneiras de pesquisa que parecem ser de gra�a, mas n�o s�o. � um anzol, e voc� � o peixe que morde a isca com informa��o pessoal.
No come�o, parecia que o Google n�o atuava como organiza��o lucrativa, porque oferecia servi�os gratuito com simples t�cnicas de pesquisas, um logo colorido. Mas o fato � que essa organiza��o est� levando a pol�tica externa americana para outros pa�ses.
Como v� a repercuss�o do caso de espionagem dos EUA no Brasil?
Ou o Brasil define suas institui��es e tem o seu governo ou os EUA v�o sempre encontrar uma maneira de meter os dedos no governo brasileiro.
O governo de Dilma Rousseff deve proteger a sociedade brasileira da ambi��o de outros Estados e das empresas conectadas com esses Estados.
O pa�s tem de buscar passos para ser independente. Infelizmente, o governo dos Estados Unidos e as suas institui��es privadas t�m sido bem-sucedidos em corromper funcion�rios e empresas dos governos, incluindo no Brasil.
Essas pessoas pensam que a independ�ncia do Estado brasileiro � acoplada a suas ambi��es e est�o dispostas a vender e trocar equipamentos militares para as miss�es de treinamento e de alta tecnologia com ag�ncias americanas.
Qual sua opini�o sobre o debate do "direito de ser esquecido" envolvendo o Google na Europa, em que as pessoas podem requerer a retirada de links que citam seus nomes das pesquisas do site?
O que me parece � que a Europa est� decidindo formalmente testar o quanto eles podem empurrar para fora a domina��o americana. � uma experi�ncia sobre qu�o independente � o ocidente europeu. O Google tem economicamente o tamanho de algumas na��es, como Nova Zel�ndia e Portugal. Na verdade, podemos dizer que o Google � como um Estado, e Estados t�m obriga��es. Quando seu poder aumenta, a responsabilidade tamb�m. O Google tem servi�os como efeitos civis em bilh�es de pessoas. Ou seja, no caso dele, n�o � publicar ou n�o publicar alguma coisa.
Por que o sr. acha que o Google realmente tem uma rela��o pol�tica pr�xima do governo americano?
Sim, tem. Como mostro no livro, h� conex�es pessoais entre executivos da empresa e o estafe da ex-secret�ria de Estado Hillary Clinton, candidata a Presid�ncia em 2016.
O sr. chamaria o Google de uma empresa de m�dia?
Eu chamaria de empresa de distribui��o de informa��o.
N�o d� para comparar o Google com alguma outra empresa, como o Facebook, por exemplo?
Em termos de rela��es com ag�ncias de intelig�ncia americana, o Google � �nico.
O Facebook � parecido, mas o a ambi��o do Google � maior, � uma integra��o de informa��o coletada das pessoas, e comprou muitas empresas nos �ltimos anos.
As pessoas dizem que Google � inovador. O Android n�o foi criado pelo Google, o Youtube tamb�m n�o. O Google tem sido bem-sucedido em comprar empresas que colectam informa��es. O Facebook tem se concentrado nele mesmo, criando ferramentas essencialmente para as pessoas obterem informa��es de seus amigos, suas atividades. Mas, como o governo americano n�o regula o monop�lio dessas empresas, fica dif�cil competir, e elas acabam se tornando boas amigas do governo.
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