Em Serra Leoa, hospital adota regras r�gidas contra o ebola
A infectologista italiana Livia Tampellini, 38, costuma ter dois pesadelos recorrentes. Em um deles, a m�dica est� em um vilarejo, e uma pessoa com ebola vem correndo e vomita em seus p�s.
Em outro, ela sonha que uma de suas luvas se rasga, demora a perceber e se contamina com o v�rus no hospital da ONG M�dicos Sem Fronteiras em Kailahun, leste de Serra Leoa, na �frica.
O emprego de Livia � entrar todos os dias na �rea de alto risco do hospital para cuidar de doentes de ebola, altamente contagiosos.
O hospital –o maior centro de tratamento de ebola do mundo, com 80 leitos– foi constru�do no meio da selva em junho. H� seis m�dicos trabalhando, mas ser�o dez em pouco tempo. Aqui, n�o h� espa�o para erros.
"Qualquer deslize � fatal", conta Livia, que est� em Kailahun h� dez dias e antes estava trabalhando na epidemia na Guin�.
M�dicos, enfermeiras e higienistas que trabalham diretamente com os doentes de ebola, dentro das �reas de alto risco, seguem um protocolo r�gido de seguran�a para evitar contamina��o.
Eles sempre trabalham em duplas, para que um avise o outro se, por exemplo, h� algum mil�metro de pele exposto. Todos usam o chamado PPE (Equipamento de Prote��o Pessoal, na sigla em ingl�s), composto de um macac�o de seguran�a amarelo, um capuz, �culos especiais, um avental, botas e duas luvas em cada m�o.
Dentro dos macac�es, a temperatura chega a 46� C. Por isso, cada m�dico ou enfermeiro pode ficar at� 45 minutos dentro da �rea de alto risco. A� sai, faz a desinfec��o com �gua com cloro a 0,5%, tira a roupa e descansa meia hora. S� da� pode voltar.
Os prontu�rios nunca saem da �rea de alto risco. Os m�dicos escrevem e gritam para a enfermeira do lado de fora anotar em um bloco n�o contaminado.
A comida dos doentes � deixada entre as duas cercas de isolamento.
Nada que est� dentro da �rea de isolamento sai. As roupas e sapatos dos doentes s�o queimados. Os macac�es de prote��o dos funcion�rios tamb�m –150 por dia, a um custo de US$ 20 (R$ 45) cada.
Os celulares dos pacientes s�o mergulhados em �gua com cloro durante 24 horas, sem as baterias, para desinfec��o. O dinheiro tamb�m.
"� muito risco, mas n�s seguimos todos os procedimentos", diz Patrick Karimau, 26.
Ele � higienista, encarregado de limpar fezes, v�mito e sangue nas tendas, altamente contagiosos. Antes, consertava telefones celulares e ganhava 25 mil leones por m�s (cerca de US$ 55). Agora, ganha 46 mil (US$ 100).
CLORO E SANGUE
L� dentro, quando as equipes de limpeza acabaram de passar, o cheiro � de cloro. Mas, muitas vezes, o que se sente � um odor de sangue. Muitos pacientes em est�gio final da doen�a sangram pela boca, nariz e vagina.
Todos os funcion�rios precisam medir sua temperatura duas vezes por dia. A qualquer sinal de febre, v�o para o isolamento e s�o testados.
At� agora, ningu�m se contaminou no hospital do MSF.
Nos centros de tratamento do governo, houve v�rias mortes de m�dicos e enfermeiras. Primeiro, porque ainda n�o seguem um protocolo r�gido de controle de infec��o. Al�m disso, n�o disp�em de todos os equipamentos de prote��o, muito caros.
Mas, mesmo com todas as precau��es dos MSF, o perigo � alto.
"Muitos pacientes ficam confusos e agressivos em est�gios avan�ados da doen�a –� perigoso, atacam os enfermeiros, tentam arrancar a m�scara", conta a enfermeira americana Mary Jo Frawley, 59, que j� esteve em mais de 20 miss�es com os MSF.
Avener Prado/Folhapress | ||
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Com traje especial de prote��o, equipe serve refei��o a pacientes infectados com ebola em Kailahun |
Para Livia, que j� esteve no Haiti e no Iraque, o ebola � o maior desafio que j� enfrentou. "N�o existe cura. O m�ximo que podemos fazer � deixar o paciente hidratado, limpo, mais confort�vel, n�o deix�-lo morrer sozinho em casa, ou contaminando o resto da fam�lia", diz.
O hospital � composto por v�rias tendas –uma para pacientes suspeitos de terem o v�rus, outra para aqueles que provavelmente t�m (re�nem tr�s dos sintomas da doen�a e tiveram contato com algum doente) e oito para os que fizeram exames e foram confirmados como portadores.
Doentes com ebola que se sentem melhor ficam fora das tendas, j� que dentro � muito quente. De l�, � poss�vel falar com quem est� fora da �rea de risco, aos gritos, porque h� uma dist�ncia de 1 metro e meio e duas cercas.
"Quando sair daqui, vou ser o homem mais feliz da face da Terra", contou � Folha Idrissa Nallo, 23, que est� h� 22 dias internado com ebola.
A primeira coisa que quer fazer � acompanhar um jogo de futebol do seu time, o Arsenal, da Inglaterra.
"Mas vou ter que tirar um tempo para reorganizar nossa vida; meu pai morreu, agora sou o mais velho e n�s perdemos muita gente da fam�lia", afirma. A fam�lia inteira contraiu ebola –pai, m�e e 14 irm�os. Morreram sete, incluindo o pai.
O hospital de Kailahun j� tratou 320 pacientes. Cerca de 65% morreram.
Os m�dicos do MSF n�o costumam ficar mais de dois meses em cada posto, pois o trabalho � muito estressante.
Segundo Livia, uma das coisas mais dif�ceis � n�o poder tocar ningu�m durante meses. � uma regra, para n�o haver transmiss�o.
"Depois de dias assistindo a pessoas morrerem, �s vezes precisamos muito de um contato humano", diz.
"Por isso, �s vezes nos abra�amos dentro da �rea de alto risco, todos vestidos com a roupa de prote��o, s� para sentir um contato f�sico."
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