'Nada nos preparou para o medo permanente'
"Voc�s t�m que sair daqui agora, tem muita gente infectada." O alerta veio de um major do ex�rcito de Serra Leoa, Baimba Demby, em uma estrada no meio da selva.
Est�vamos rumo a Kailahun, distrito com o maior n�mero de contaminados por ebola, quando a camionete atolou. O celular n�o funcionava e chovia muito.
Depois de uma hora, passou um caminh�o da ONU, que levava alimentos para as fam�lias que est�o em quarentena por ter entrado em contato com doentes. O caminh�o come�ou a nos rebocar, e tamb�m atolou.
Vieram mais dois caminh�es da ONU e um da ONG M�dicos sem Fronteiras. Todos atolaram.
Come�ou a juntar gente dos vilarejos ao redor. Sorridentes, pediram para tirar fotos com a gente. "No worry, no touch", diziam, avisando que n�o iam tocar na gente. Est�o acostumados com o estigma. Veio mais gente.
Come�aram a empurrar a camionete, tentando tirar do atoleiro.
Um menino parecia muito doente e fraco. Ele se aproximava do carro e tocava a janela. Fiquei com pena. Mas comecei a entrar em p�nico.
"Trago um term�metro comigo e me�o minha temperatura duas vezes por dia, porque tenho que entrar nos vilarejos infectados e levar alimentos para as fam�lias isoladas", contou Muhamed Buckari, 48.
"Muitos motoristas se recusaram a fazer esse servi�o. Quando digo que venho de Kailahun, as pessoas me evitam, acham que todo mundo em Kailahun est� doente."
Um militar se aproximou e nos alertou para sair dali, porque era perigoso. O rep�rter-fotogr�fico Avener Prado e eu pegamos uma carona na ca�amba de sua camionete, que estava levando peixes para os militares do servi�o de emerg�ncia em Kailahun. Fomos por outra estrada, que estava um pouco melhor.
Em Freetown, capital de Serra Leoa, as pessoas est�o hist�ricas. H� cartazes de preven��o do ebola pela cidade e baldes de �gua com cloro na frente de todos estabelecimentos. Mas a amea�a � menos palp�vel.
Em Kailahun, todos t�m medo. Muita gente perdeu o vizinho, o pai ou a m�e para o ebola. E ningu�m se encosta, porque n�o se sabe quem pode estar com a doen�a.
"N�s n�o tocamos nossos colegas, nem ningu�m; e tentamos nunca p�r a m�o no rosto", contou a sueca Karin Ekholm, que trabalha no centro dos M�dicos sem Fronteiras em Kailahun.
A MSF t�m um hospital com 80 leitos especializado no tratamento de v�timas de ebola. Todo dia, admitem de cinco a dez novos casos suspeitos. Os pacientes que s�o internados t�m todas as suas roupas queimadas, para evitar contamina��o. "O v�rus s� � transmitido por contato com pessoas ou coisas, mas a doen�a � altamente contagiosa", diz Karin.
Antes de virmos para Serra Leoa, fomos alertados pela MSF sobre a press�o psicol�gica de fazer uma cobertura em epidemia. Fomos ao Ambulat�rio do Viajante no Hospital das Cl�nicas, onde fomos aconselhados pela infectologista Karina Miyaji. Tomamos as vacinas recomendadas pela MSF: t�tano, poliomielite, sarampo, hepatite A, hepatite B, meningite, raiva, febre tifoide.
A maior preocupa��o � contrair alguma dessas doen�as em Serra Leoa, onde o sistema de sa�de � prec�rio e est� sobrecarregado.
Tamb�m fazemos preven��o contra a mal�ria com o antibi�tico doxiciclina –os sintomas iniciais da mal�ria s�o muito parecidos com o ebola. Com sintomas parecidos, h� risco de acabar em uma �rea de isolamento em um hospital de Serra Leoa.
Na mala, trouxemos luvas, �lcool gel, desinfetante para sapatos, barras de cereal, �gua mineral, repelente, casaco imperme�vel, term�metro (� preciso monitorar a temperatura todos os dias).
Foram muitas as precau��es, mas nada nos preparou para essa sensa��o permanente de medo, de olhar para todo mundo e pensar: e se estiver com ebola?
"Passamos muito tempo em uma guerra civil, mas agora lutamos contra um inimigo invis�vel", disse Amadu Ansumana, que trabalha em um hotel em Freetown.
Avener Prado/Folhapress | ||
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Caminh�es atolados na estrada que liga as cidades de Kenema e Kailahun, em Serra Leoa |
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