Relembre os planos econômicos que antecederam o Real

Entre o início de 1986, ano do Plano Cruzado, até o fim de 1994, o país teve 11 ministros da Fazenda

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Roberto Rockmann
São Paulo

Às 9h30 de 28 de fevereiro de 1986, uma sexta-feira, o então presidente da República, José Sarney, iniciou um discurso de 20 minutos em cadeia nacional de rádio e televisão.

Com inflação anual superior a 200% ao ano e a ameaça de hiperinflação à porta, anunciou seu primeiro pacote econômico: uma reforma monetária mudou a moeda de cruzeiro para cruzado e cortou três zeros no valor nominal da moeda, decretou-se congelamento de preços e tarifas.

Com o congelamento dos preços, uma das medidas do Plano Cruzado, consumidores comparam os preços no supermercado com a tabela da Sunab - Jorge Araújo - 25.mar.1986/Folhapress

Sarney abandonou o estilo literário de outros pronunciamentos e conclamou cada brasileiro a "ser um fiscal dos preços em qualquer lugar do Brasil". Criou-se uma tabela publicada nos jornais e fixada nos supermercados mostrando quanto cada item deveria custar.

Apesar da euforia inicial dos chamados fiscais do Sarney, o Plano Cruzado não celebrou a virada daquele ano. Resistiu por nove meses, sendo o primeiro dos seis planos econômicos que antecederam o real. Alguns produtos começaram a faltar nos supermercados, entre eles, a carne.

O aumento dos salários, a abrupta queda da inflação, a maior oferta de crédito e o processo de monetização incitavam a demanda. O congelamento de preços com o consumo nas alturas gerava ágios, sumiço de bens nas prateleiras dos supermercados.

"O plano acabou sendo extremamente generoso em termos do reajuste salarial. Foi dado um abono salarial de 8% e um aumento de 16% no salário mínimo. Em cima disso ainda se criou o gatilho salarial a cada 20% de inflação, havia reajuste. Foi aí que o plano se perdeu de vez. Em qualquer processo de ajuste, há sempre o risco de uma inflação corretiva, até por causa da compressão dos preços", recordou-se o economista Edmar Bacha, um dos autores do plano, à Folha em fevereiro de 2006.

Em 21 de novembro de 1986, o governo Sarney anunciou o Plano Cruzado II, com aumento de todas as tarifas de serviços públicos, um descongelamento sob o comando dos empresários e uma mudança arbitrária nos índices de preços.

"A maneira de anunciar o fim do congelamento foi estranha. No auditório do Ministério da Fazenda, os empresários sentaram-se à mesa e iniciaram a entrevista coletiva em que contaram que o congelamento de preços havia acabado. Faltava alguém naquela mesa: o próprio governo. Parecia que a Fiesp havia assumido o comando dos ministérios econômicos", escreveu a jornalista Miriam Leitão em "Saga brasileira: A longa luta de um povo por sua moeda".

Em junho de 1987, foi lançado o Plano Bresser, com novo congelamento de preços e extinção do gatilho salarial. Quatro meses após a moratória da dívida externa, para promover o superávit comercial e fortalecer as reservas internacionais, a taxa de câmbio foi desvalorizada. A inflação voltou a subir.

O novo congelamento não foi respeitado. A descrença nos pacotes econômicos só crescia. Sem conseguir mais reduzir a inflação e buscando evitar que ela subisse além de 20% mensais, o governo Sarney anunciou em janeiro de 1989 (ano eleitoral) seu quarto pacote econômico: o plano Verão.

Mais uma moeda surgia: o cruzado novo, equivalente a mil cruzados. A desindexação salarial foi mais ambiciosa do que a dos planos anteriores, pois não embutia nenhuma regra de correção futura, com a pretensão de estimular a livre negociação entre empregados e patrões.

Desvalorizou-se a taxa de câmbio em 18% e, em seguida, criou-se uma nova moeda, o cruzado novo, equivalente a mil cruzados. Reajustaram-se tarifas públicas, prometeu-se um ajuste fiscal amplo com extinção de ministérios, demissão de servidores, privatizações e controle de despesas em regime de caixa. Boa parte das promessas ficou no papel em um ano eleitoral, em que o país assistiu à primeira eleição direta presidencial desde 1964.

Primeiro presidente eleito depois da redemocratização, Fernando Collor de Mello lançou em 16 de março de 1990 um conjunto de medidas econômicas que iam da privatização de empresas à abertura das importações, passando por um pacote econômico que ficaria conhecido por uma medida drástica: o confisco da poupança de milhões de brasileiros, anunciado em coletiva pela ministra da Fazenda, Zélia Cardoso de Mello.

Parte do dinheiro das contas-correntes, aplicações no overnight e das cadernetas de poupança ficaria presa. O dinheiro retido continuaria a se chamar cruzado novo. Nas contas e nas cadernetas só 50 mil cruzados novos virariam cruzeiros e poderiam ser sacados.

Ao fim do feriado bancário de três dias, longas filas se formaram nas agências, e os bancos não tinham dinheiro suficiente para cobrir saques dos clientes. O comércio também ficou paralisado.

O governo Collor atingiu em cheio a classe média, com o confisco da poupança. Começou a queda da popularidade. Também não conseguiu controlar as despesas e as privatizações se concentraram no setor siderúrgico.

Em 1990, a economia brasileira apresentou contração de 4,3%, a maior no pós-guerra, igualando-se à de 1981.

"O Plano Collor I recebeu críticas de todas as partes. O bloqueio dos recursos foi considerado uma inadmissível intervenção estatal, que tirava a confiança dos poupadores no sistema financeiro nacional, com graves consequências para o país", escreveu Lavinia Barros Castro em "Economia Contemporânea do Brasil".

Em 31 de janeiro de 1991, o governo anunciou seu segundo pacote econômico, batizado de Collor II, com novo congelamento de preços e salários. Determinou-se o fim das contas indexadas de curtíssimo prazo para pessoas físicas (remuneradas por aplicações de um dia em títulos públicos –o chamado overnight).

Durou dois meses. Insatisfeito com a situação, Collor demitiu a ministra da Fazenda, Zélia Cardoso de Mello. Entre o início de 1986, ano do Cruzado, até o fim de 1994, ano do Real, passaram-se nove anos e o país teve 11 ministros da Fazenda e vivenciou seis pacotes econômicos nesse período.

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