Descrição de chapéu Plano Real, 30

Real já valeu mais que o dólar, mas perdeu mais de 40% do valor em 30 anos

Apesar da forte valorização da moeda americana, câmbio está longe do recorde real

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São Paulo

Durante os seus primeiros anos, o real chegou a valer mais que o dólar. Em outubro de 1994, um dólar comercial equivalia a R$ 0,829 na venda. Já o turismo estava a R$ 0,831, segundo dados do Banco Central. O maior valor nominal da divisa brasileira.

Isso aconteceu porque um dos fatores determinantes para o sucesso do Plano Real no controle da inflação foi a política de paridade cambial. No lugar do congelamento de preços, que se mostrou fracassado nos planos econômicos anteriores, a estabilidade se daria no câmbio. Assim, a moeda americana deveria permanecer ao redor de R$ 1.

"Era um regime intermediário de câmbio [nem livre, nem fixo], de taxas administradas, com uma desvalorização arbitrada pelo governo", diz Roberto Padovani, economista-chefe do banco BV e assessor do Ministério da Fazenda durante a estruturação do plano.

Para controlar a cotação, o governo brasileiro gastou as reservas internacionais de dólar. Quando aumentava a demanda pela moeda, o Banco Central aumentava ainda mais a sua oferta. Além disso, as taxas de juros ficavam acima de 50% ao ano, de modo a atrair investidores estrangeiros —e consequentemente, dólares— para o Brasil e frear o consumo.

Foi dessa forma que, nos seus dois primeiros anos, o real valia um pouco mais que o dólar.

"Ao mesmo tempo que o câmbio baixo ajuda a controlar a inflação, ele estimula a importação. Foi uma festa, se comprava bolo norueguês e queijo suíço no supermercado", diz Padovani.

Desde então, essas cotações tiveram um salto de mais de 500% e, na última sexta (21), estavam em R$ 5,4406 e R$ 5,657, respectivamente.

Tamanha desvalorização é menor que a inflação acumulada no período. De julho de 1994 a maio deste ano, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) acumulou alta de 708%. No mesmo intervalo, o CPI (Índice de Preço ao Consumidor dos EUA) teve ganho de 112%. Dessa forma, R$ 1 e US$ 1 não valem o mesmo que valiam em 1994.

Corrigido pela inflação brasileira, R$ 1 daquela época equivalem a R$ 8,08. Ou seja, o real tinha oito vezes mais poder de compra há 30 anos. Já US$ 1 em julho de 1994, segundo a inflação americana, equivale a R$ 2,12 atualmente. Dessa forma, se o câmbio tivesse acompanhado apenas a inflação, o dólar estaria a R$ 3,81. Em relação a cotação atual, de R$ 5,44, isso significa uma desvalorização de 42,78% em termos reais.

Cédula de um dólar
Nos primeiros anos do real, o dólar custava menos que R$ 1 - Gabriel Cabral/Folhapress

Em 1999, porém, o Brasil abandonou a política de paridade e adotou o câmbio flutuante, como temos hoje. A mudança já era prevista, mas se tornou imperativa ao passo que o Brasil estava com suas reservas esgotadas e uma dívida externa que se aproximava de 8% do PIB (Produto Interno Bruto) da época, em meio a um período turbulento para a economia global, com as crises asiática e russa.

Com seu preço determinado pelo mercado financeiro, o dólar logo chegou a R$ 2, mas se manteve relativamente estável, dado o juro perto dos 20% anuais.

Em 2002, porém, o real teve o seu momento de maior desvalorização. Com Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à frente das eleições daquele ano, a cotação da divisa americana foi a R$ 4 pela primeira vez no pregão de 10 de outubro, antes do segundo turno contra José Serra (PSDB), mas fechou o dia a R$ 3,99.

Corrigidos pela inflação americana e brasileira esses valores correspondem hoje a R$ 8,37 e a R$ 8,35. Ou seja, para bater o recorde de maior valor do Plano Real, o dólar teria que subir mais 54% e superar os R$ 8,37.

Segundo Padovani, a política de paridade cambial dos primeiros anos do real foi uma saída temporária, enquanto o país não tinha outros instrumentos eficazes contra a inflação, como as políticas fiscais e monetária. Assim, acompanharam a mudança no câmbio a criação da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) e das metas para a inflação. "O grande problema do real que persiste é o controle das contas públicas", diz.

Mesmo com reservas internacionais sólidas e uma balança comercial favorável, o risco Brasil persiste devido ao risco fiscal, afirmam economistas.

"Precisamos que a trajetória da dívida pública não seja explosiva. Caso contrário, entraremos em um ciclo vicioso, no qual investidores saem do país, o dólar e a inflação aumentam e o país para de crescer", diz Julia Gottlieb, economista do Itaú BBA.

Em abril, a dívida líquida do setor público do Brasil em relação ao PIB (Produto Interno Bruto) ficou em 61,2%, de 61,1% no mês anterior. Segundo boletim Focus, essa conta deve alcançar 63,68% do PIB ao fim deste ano e 71,14% ao fim de 2027, um patamar considerado como elevado para um país emergente.

"O câmbio é um veículo que carrega o risco esperado, a incerteza. Se há uma incerteza sobre o fiscal no futuro, ele fica mais depreciado. Para se defender, você busca proteção no dólar", diz Alexandre de Ázara, economista-chefe do UBS BB no Brasil.

Para Ázara, a tendência é que o dólar continue a subir ante o real até que o governo federal apresente medidas concretas de corte de gastos."Teria que ter uma medida mais objetiva para endereçar esse problema [fiscal] de maneira mais clara", afirma.

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