Descrição de chapéu mudança climática

Popularidade dos iates de luxo cresce junto de seu enorme impacto climático

Há quase 6.000 iates de luxo no mar, montante que quadruplicou nos últimos 30 anos

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Jessica Nix
Bloomberg

Iates de luxo são o símbolo máximo de status para famílias reais, oligarcas e bilionários, de Jeff Bezos a Bernard Arnault. Os palácios flutuantes são fonte de fascínio e segredo —e também de emissões de gases de efeito estufa.

A poluição causada por embarcações de luxo que beneficiam apenas algumas pessoas levou o cientista social Gregory Salle a chamá-las de forma de "ecocídio" e "reclusão ostensiva" em seu novo livro, "Iates de Luxo: Luxo, Tranquilidade e Ecocídio".

Há quase 6.000 iates de luxo —ou seja, embarcações com mais de 30 metros— no mar, de acordo com relatório da SuperYacht Times, empresa de inteligência de mercado focada no setor. A frota quadruplicou nas últimas três décadas.

Um iate de luxo ancora nas águas azuis diante de uma cidade costeira, com edifícios densamente agrupados subindo pelas colinas ao fundo, sob um céu claro.
A concentração de riqueza não apenas levou à explosão de iates de luxo, mas também com os mais ricos vivendo estilos de vida com maior emissão de carbono. - VALERY HACHE/Vaçery Hache/AFP

"É difícil pensar em um sinal de riqueza mais convincente do que possuir um iate de luxo", diz Salle, que é professor na Universidade de Lille, na França.

A concentração de riqueza não apenas levou à explosão de iates de luxo, mas também a uma divisão nas emissões per capita, com os mais ricos vivendo estilos de vida com maior emissão de carbono.

Os 10% mais ricos do mundo já respondem por metade das emissões de dióxido de carbono do planeta, de acordo com pesquisas da Oxfam. A organização descobriu que levaria 1.500 anos para que alguém da camada 99% mais pobre emitisse tanto carbono quanto um dos principais bilionários do mundo.

As emissões dos ultra-ricos vêm de várias fontes, incluindo grandes residências e viagens frequentes em jatinhos. Mas os iates de luxo são sua maior fonte única de emissões de gases de efeito estufa, de acordo com estudo de 2021.

As emissões anuais de CO2 dos 300 principais iates de luxo somam quase 285 mil toneladas, de acordo com o livro de Salle. O valor é maior do que a pegada de nações inteiras, como Tonga.

Os iates de luxo não são apenas poluidores climáticos. Efluentes, poluição sonora e luminosa, material particulado nos escapamentos e até mesmo onde as embarcações atracam podem ter um efeito adverso no meio ambiente local. Esses impactos significativos explicam por que Salle chamou as embarcações de uma forma de ecocídio.

O termo —que foi cunhado na década de 1970— refere-se à destruição deliberada da natureza e foi frequentemente usado para descrever as ações dos ricos, dada sua grande pegada de carbono. Em 2021, advogados propuseram codificar o ecocídio no direito penal internacional, colocando-o em pé de igualdade com o genocídio.

Parlamentares da União Europeia votaram para criminalizar danos ambientais "comparáveis ao ecocídio" no início deste ano. Se a nova lei será usada para processar o uso de iates de luxo é uma questão que ainda está por ser vista.

Alguns proprietários estão cientes dos perigos que suas embarcações representam para o meio ambiente. O iate de luxo Koru de US$ 500 milhões (R$ 2,64 bilhões) de Jeff Bezos partiu em abril de 2023 com velas para ajudar a impulsionar sua viagem. No entanto, ainda possui motores a diesel.

A Oxfam estima que o iate de 127 metros emitiu 7.000 toneladas de dióxido de carbono no último ano, uma quantidade equivalente às emissões anuais de 445 americanos médios.

Essa estimativa provavelmente está no lado conservador, pois os cálculos consideram o iate em espera em vez de em trânsito. O número também não inclui o iate companheiro de Koru, Abeona, uma embarcação de apoio a motor de 75 metros, que funciona como uma garagem com heliponto e jet skis.

As velas no navio de Bezos são uma exceção: a grande maioria dos iates de luxo é movida apenas a motor. Apenas oito novas construções de veleiros foram concluídas em 2023, em comparação com os 195 novos iates a motor.

Entender as verdadeiras emissões de carbono de um iate de luxo é incrivelmente difícil devido à falta de dados coletados e à natureza inerentemente secreta do iatismo, de acordo com Malcolm Jacotine, fundador da empresa de consultoria de iates de luxo Three Sixty Marine.

Usando os dados da Organização Marítima Internacional, Jacotine estima que as emissões de iatismo atingirão 10 milhões de toneladas até 2030 se a indústria seguir a mesma abordagem.

Para ajudar os proprietários a entender o impacto de seus barcos, ele desenvolveu duas calculadoras de emissões de carbono. Mas elas têm limitações, já que dependem de dados reportados voluntariamente e de toneladas estimadas de diesel.

Os iates passam de 10% a 20% do ano navegando e, dependendo da potência do motor, atingem a velocidade máxima apenas 0,1% do ano, de acordo com Robert van Tol, diretor executivo da Water Revolution Foundation. No restante do ano, a embarcação vira um hotel flutuante, dependendo de geradores que são necessários por um período longo e emitem mais CO2.

Ainda assim, os dados de emissões são feitos caso a caso, e um iate pode viajar mais do que outro em um ano, tornando as emissões de viagem mais altas.

Os iates estão isentos das regras de emissão da Organização Marítima Internacional. Isso reflete como os iates de luxo são ao mesmo tempo ostensivos e desconhecidos.

"Os iates de luxo são feitos para serem notados", diz Salle. "Mas [eles] também são veículos realmente secretos no sentido de que você não pode acessar o interior se não for convidado."

As novas construções estão focando menos em motores que atingem altas velocidades e mais em economizar energia no modo hotel. Mas a sustentabilidade pode não estar na vanguarda das decisões de compra.

"Não é uma decisão totalmente racional comprar um iate", afirma Ralph Dazert, chefe de inteligência na SuperYacht Times. "É algo bastante emocional, porque custa uma fortuna absoluta."

Em 2023, o valor total dos iates vendidos totalizou 4,6 bilhões de euros (R$ 25,91 bilhões), de acordo com Dazert. Ele diz que o movimento em direção à sustentabilidade será em grande parte impulsionado por estaleiros e engenheiros adicionando recursos às novas construções, incluindo o uso de materiais reciclados. Novos tipos de combustível também podem reduzir as emissões.

Neste ano, o estaleiro italiano Sanlorenzo testará o primeiro iate de aço de 50 metros movido por células de combustível de hidrogênio, e outro iate de 114 metros do fabricante alemão Lürssen com a mesma tecnologia está em produção para 2025.

Mas quanto maior a construção, maior o tempo de espera. Isso significa que algumas dessas características levarão anos para aparecer nos mares, de acordo com Jacotine.

Na tentativa de limpar a imagem dos superiates, alguns proprietários estão disponibilizando os seus para pesquisa e exploração. Isso inclui um novo iate de 195 metros de propriedade do bilionário norueguês Kjell Inge Rokke, que está programado para ser lançado em 2026 com mais de 50 cientistas para estudar o oceano —também está disponível para cruzeiros personalizados.

Enquanto a pressão pública está aumentando, a indústria de superiates é impulsionada pelos clientes. E para a maioria dos compradores, o luxo ainda supera as preocupações climáticas.

Salle observa que, como muitos itens de luxo, os superiates não são apenas produtos. Eles representam um "estilo de vida", que atualmente está intimamente ligado a atividades intensivas em carbono.

"O ecocídio é algo que causa um grande dano, um dano que perdura ao longo do tempo", diz. "Você poderia aplicar isso ao que [os superiates] estão fazendo, não apenas individualmente, mas globalmente."

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