Descrição de chapéu Financial Times indústria China

O que as zebras podem ensinar sobre o comércio internacional

Tarifas dos EUA sobre produtos chineses são resultado de um ecossistema complexo

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tim Harford
Financial Times

Não é sempre que é possível encaixar zebras em um texto de tarifas comerciais. Mas diante de uma guerra comercial sobre carros elétricos —e com eleições nos EUA, economia chinesa e crise do clima em jogo— vale a tentativa.

O governo de Joe Biden impôs tarifas pesadas sobre produtos chineses, especialmente veículos elétricos. A médio prazo, o efeito será bloquear a entrada de carros elétricos baratos no mercado americano, o que é ruim para o planeta, ruim para os consumidores e ótimo para qualquer pessoa que queira fabricá-los ou vendê-los dentro do país.

Mas e a longo prazo? O jogo é tentar mudar a estrutura da economia dos EUA em direção à fabricação de tecnologias verdes como painéis solares, baterias e carros elétricos. Isso pode funcionar? É aí que entram as zebras.

Zebras encostando suas cabeças, no zoológico de Londres - DANIEL LEAL/Daniel Leal - 3.jan.2024/AFP

Num modelo simplificado de savana, a grama cresce sob o sol. As zebras comem a grama. Os leões comem as zebras. E como nenhum modelo não está completo sem termos técnicos, vale introduzir um: o nível trófico.

O nível trófico do sol é 0. A grama tem um nível trófico de 1, as zebras, 2, e os leões têm um nível trófico de 3.

Claro que tudo fica mais complicado. Os javalis comem plantas, mas podem comer uma zebra morta ou até um leão morto. Então um javali pode ter um nível trófico de, digamos, 2,1.

Tudo isso é útil para pensar durante a modelagem da ecologia da savana. Mas também útil para pensar na estrutura de uma economia.

Dois cientistas da complexidade, James McNerney e Doyne Farmer, sugeriram procurar analogias com níveis tróficos em economias. Não é que uma economia tenha uma cadeia alimentar ou um predador dominante, como tal. Mas as economias têm muitos setores interdependentes, e a matemática dos níveis tróficos oferece uma maneira promissora de analisá-los.

Em um cenário econômico, o nível trófico 0 será definido como o dos indivíduos. Uma indústria de ferramentas que usa apenas mão de obra humana tem um nível trófico de 1. Uma indústria de engrenagens composta metade por trabalhadores e metade por ferramentas tem um nível trófico de 1,5, e assim por diante.

Quanto mais elos houver na cadeia de suprimentos de uma indústria, maior será seu nível trófico. Isso significa que setores com alto nível trófico são mais sofisticados? Não mais do que os leões são mais sofisticados do que as zebras. Mas o nível trófico importa.

McNerney, Farmer e coautores usaram dados do World Input-Output Database para calcular os níveis tróficos de diferentes setores nos EUA, China e outros países. Eles descobriram que a economia chinesa está cheia de setores com um nível trófico acima de 4, enquanto o nível trófico mais alto de um grande setor dos EUA é a fabricação de alimentos, um pouco acima de 3,5.

Grandes setores dos EUA, incluindo saúde, varejo e defesa, têm um baixo nível trófico, de cerca de 2.

Os níveis tróficos não são fixos. A agricultura nos EUA é altamente mecanizada e tem um nível trófico acima de 3, enquanto a agricultura chinesa é uma atividade intensiva em mão de obra com um nível trófico abaixo de 2,5.

Os parlamentares americanos dizem que querem defender os empregos na indústria manufatureira da concorrência chinesa. Existem algumas razões plausíveis de segurança e algumas implausíveis, mas isso também é uma tentativa de elevar o nível trófico da economia dos EUA.

Fábrica da Tesla em Austrin, Texas - SUZANNE CORDEIRO/Suzanne Cordeiro/AFP

Isso é desejável? Apesar dos baixos níveis tróficos, o cidadão típico dos EUA desfruta de um padrão de vida muito mais alto do que o da China.

Mas, como Farmer explica em seu livro recente "Making Sense of Chaos", há uma vantagem em setores de alto nível trófico. Elas tendem a se tornar mais eficientes em menos tempo.

A razão é simples, quase mecânica: um setor sem fornecedores tem apenas uma possível fonte de melhoria tecnológica, ela mesma.

Um setor com uma cadeia de suprimentos profunda se beneficia quando qualquer empresa nessa cadeia melhora. McNerney descobriu que, para o setor típico, cerca de dois terços das melhorias tecnológicas vêm dos fornecedores e apenas um terço é feito internamente.

Essa teoria simples traz algumas suposições que podem estar erradas, mas quando McNerney, Farmer e coautores analisaram os dados, descobriram que a evidência estava de acordo com a teoria.

Economias com níveis tróficos mais altos são mais inovadoras e tendem a crescer mais rapidamente. A teoria também explica a crença vaga, mas amplamente aceita, de que há algo especial na manufatura.

O que é especial é que a manufatura frequentemente tem um alto nível trófico.

Muitos eleitores aplaudirão as novas tarifas dos EUA sobre a China. Deveriam? Farmer diz que "uma política industrial que apoia setores com longas cadeias de suprimentos, elevando o nível trófico da economia, deve resultar em um crescimento mais rápido do PIB e aumentos mais fortes na produtividade".

Isso deixa em aberto a questão de se as tarifas são a maneira certa de nutrir tais setores.

Décadas de retórica sobre proteger "indústrias nascentes" tentaram obscurecer o fato de que as tarifas geralmente protegem indústrias antigas e em declínio, em vez daquelas jovens e em crescimento.

Essas novas tarifas, por outro lado, estão protegendo setores de mercado nascentes e em rápido crescimento. Então talvez, desta vez, as coisas sejam diferentes.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.