O ministro Walton Rodrigues, do TCU (Tribunal de Contas da União), afirmou em julgamento que a pensão concedida a familiares de militares expulsos das Forças Armadas por condenações na Justiça é "premiação por má conduta".
Oficiais e praças expulsos são considerados pela Justiça militar como "mortos fictícios", e a família passa a ter o direito à pensão. Para Rodrigues, o benefício pode nem sequer ter amparo jurídico e será discutido em processo do TCU aberto no último ano.
"Independentemente de haver ou não amparo jurídico, trata-se de premiação por má conduta, que não encontra paralelo nos casos de demissão de empregados e servidores faltosos dos regimes de previdência", disse o ministro em documento anexado na quarta-feira (12) ao processo de prestação de contas do governo Lula (PT) em 2023.
O Exército gasta R$ 20 milhões por ano com o pagamento de pensão a familiares de 238 "mortos fictícios". A lista dos militares expulsos e dos beneficiários foi tornada pública pela primeira vez na última semana.
A pensão aos mortos fictícios é estabelecida em lei de 1960. Ela se junta a uma série de benefícios previstos no SPSMFA (Sistema de Proteção Social dos Militares das Forças Armadas), o conjunto de direitos que militares possuem desde 1980 para a garantia da remuneração, saúde e assistência na ativa e inatividade.
O ministro Walton Rodrigues defendeu no julgamento que o sistema de benefícios militares seja revisto para adequá-lo ao contexto nacional.
"A manutenção de privilégios [dos militares], em relação aos demais trabalhadores, às custas da sociedade, é cada vez menos aceitável, diante da difícil situação fiscal do país e dos naturais anseios sociais pela moralidade e isonomia", afirmou.
A manifestação de Rodrigues não é isolada. O presidente do TCU, ministro Bruno Dantas, sugeriu que novas mudanças nas regras da Previdência começassem pelos militares em entrevista à Folha.
A cúpula do Exército já havia sido informada sobre o surgimento de debates para a redução dos gastos com militares inativos em reunião do Alto Comando em maio. O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, ouviu apelos relacionados ao tema do ministro da Casa Civil, Rui Costa.
As ofensivas contra os gastos militares foram recebidas com frustração nos altos escalões das Forças Armadas. Os oficiais-generais têm pleiteado a Múcio um aumento salarial de cerca de 10% para a carreira, já que as remunerações não são reajustadas desde 2019.
O principal argumento levantado para propor a revisão dos gastos é resultado de um levantamento recente da área técnica da corte de contas. Auditores calcularam que o custo do Estado com o militar inativo é 15 vezes maior que o gasto com o civil aposentado no Regime Geral de Previdência Social.
O déficit por beneficiário no sistema previdenciário do INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social) foi de R$ 9,4 mil em 2023. O rombo foi de R$ 68,7 mil por servidor público civil; no caso das Forças Armadas, o valor chega a R$ 158,8 mil por militar inativo.
Walton Rodrigues disse que os dados levantam discussões sobre "justiça e isonomia". "O relatório revelou que o sistema de proteção dos militares é o que impõe maior custo à sociedade por beneficiário e, por isso, deve ser objeto de atenção, estudo e debate", afirmou.
No governo Lula, o tema dos militares é tratado com cautela nos bastidores, mas encontra defensores no Palácio do Planalto e na área econômica. A razão é que a lei aprovada em 2019, que reestruturou a carreira dos militares, após a aprovação da PEC (proposta de emenda à Constituição) da reforma da Previdência, não é considerada uma reforma para valer.
A lei aprovada em 2019 para os militares aumentou o tempo de serviço de 30 para 35 anos e estabeleceu que oficiais e praças da reserva e pensionistas devem contribuir com a pensão militar até a morte. Os cálculos apontam para uma redução de R$ 10 bilhões em uma década após a aprovação do texto.
Em complemento, as Forças criaram planos para redução de efetivo, cujo objetivo era diminuir em 10% o tamanho das tropas.
Com a mesma lei, porém, os militares conseguiram outros benefícios. Eles tiveram ganhos na remuneração, ao elevar percentuais de aumento salarial por cursos concluídos, e passaram a receber o dobro do valor estabelecido como ajuda de custo quando eles passam à reserva.
Com a reforma, os militares recebem —como ajuda de custo— oito vezes o salário do último posto quando deixam o serviço ativo. No caso de generais, o valor chega a R$ 300 mil.
Um caso usado como exemplo é o fato de o comandante do Exército, general Tomás Paiva, ter recebido R$ 770 mil quando foi para a reserva. O valor é composto por ajudas de custos e indenizações pecuniárias adquiridas ao longo de 42 anos de serviço.
Os benefícios servem aos oficiais como forma de inflar as remunerações. Como a verba é calculada pelo salário dos militares, os ganhos são mais significativos para oficiais do que para praças, que reclamam das diferenças dos valores.
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