Lixão de Porto Seguro é desativado após danos ambientais, colapso e décadas de brigas judiciais

OUTRO LADO: Prefeitura reconhece que antigo lixão afetava o solo e o rio Buranhém e afirma que resíduos agora vão para aterro sanitário que segue regras ambientais

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Porto Seguro

Um jovem casal de catadores caminha entre montes de entulho e sacos de lixo, com os olhos atentos em busca de pedaços de metal. Os pés afundam na lama, e o odor do chorume trava as narinas, mas ambos seguem em frente, enquanto urubus circundam o terreno em busca de restos de carniça.

O lixão de Porto Seguro (710 km de Salvador), que encerrou suas atividades em março de 2023, está a 500 metros do leito do rio Buranhém. O curso d’água cruza áreas remanescentes de mata atlântica e desemboca próximo a praias como Trancoso e Arraial d’Ajuda, destinos turísticos badalados que registram engarrafamentos de jatinhos particulares no verão.

Catador aguarda a chegada de caminhões para vasculhar recicláveis em lixão desativado pela prefeitura de Porto Seguro em março de 2023 - Bruno Santos / Folhapress

Erguido no distrito de Pindorama, que fica às margens de uma rodovia estadual e a 15 km do centro, o terreno que hoje é um lixão abrigou o primeiro aterro sanitário de Porto Seguro, num retrato das dificuldades que o Brasil enfrenta para eliminar seus mais de 1.500 lixões. A data para encerrar esse tipo de destinação inadequada de resíduos no país era 2014. Adiada por múltiplas vezes, a meta está prevista para a agosto de 2024, sem perspectiva de sucesso.

O empreendimento de Porto Seguro foi aberto como aterro sanitário em 2000 na esteira das celebrações dos 500 anos da chegada dos portugueses no Brasil, mas teve vida curta.

Ele atingiu sua capacidade máxima em 2005 e colapsou, passando a ter o seu terreno utilizado como um lixão comum. Com isso, ficou sem tratamento do chorume, que pode contaminar rios e lençóis freáticos, e sem destinação para gases como o metano, um dos vilões do efeito estufa responsáveis pela crise climática.

O problema se arrastou por duas décadas, atravessou quatro gestões municipais e se tornou objeto de investigações por suspeitas de crimes ambientais.

"O aterro foi colocado em uma área inapropriada e atingiu muito rapidamente a sua capacidade máxima. Em 2005, já não havia mais condições de se fazer qualquer tipo de depósito naquele local", afirma Maurício Magnavita, promotor de Justiça em Porto Seguro que acompanha o caso.

Em nota, a prefeitura de Porto Seguro informou que o fechamento do lixão era uma prioridade desde o início da gestão, mas que este é um processo complexo, multidisciplinar e as mudanças não acontecem "da noite para o dia."

A gestão afirmou ainda que o depósito de resíduos no local era inadequado e reconheceu que "os resíduos já estavam afetando agressivamente o solo, o rio que passa próximo ao local e por consequência o mar."

Aterro sanitário foi inaugurado em 2000 e colapsou cinco anos depois, se transformando desde então em um lixão comum - Bruno Santos / Folhapress

Dados do Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento, do Governo Federal, apontam que o país ainda tinha mais de 2.100 depósitos inadequados em 2022, sendo 1.572 lixões e 598 aterros controlados —terrenos fechados sem tratamento de resíduos.

Na Bahia, segundo dados da Confederação Nacional dos Municípios, havia ao menos 195 lixões e aterros controlados, parte deles encravados em biomas sensíveis, caso dos lixões das cidades de Lençóis e Palmeiras, na Chapada Diamantina, e da ilha de Boipeba, em Cairu.

Em Porto Seguro, o primeiro inquérito para apurar o descarte irregular de lixo foi aberto em 2006. A investigação foi deslocada para o Ministério Público Federal, já que o terreno fica na área de influência de um rio federal, que corta mais de um estado —o rio Buranhém nasce em Minas Gerais.

Enquanto isso, cerca de 60 famílias de catadores da região passaram a ter no lixão a sua principal fonte de sustento. Mas enfrentavam os riscos de manejar os resíduos sem equipamentos de proteção, incluindo parte do lixo hospitalar da cidade que era destinado ao local.

O problema poderia ter sido solucionado em 2021, quando o município passou a destinar os resíduos sólidos para um aterro sanitário privado da empresa RWE (Recycle Waste Energy), que fica na cidade vizinha de Santa Cruz Cabrália.

Mas no mesmo ano, o prefeito Jânio Natal (PL) suspendeu o contrato e voltou a descartar os resíduos no antigo lixão. Na época, a justificativa para a decisão foi o impacto social causado para as famílias que viviam no antigo lixão.

A situação perdurou até março de 2023, quando os resíduos voltaram a ser levados para o aterro privado após notificações do Ministério Público. O novo aterro, que atende as condicionantes ambientais, recebe os resíduos dos municípios de Porto Seguro, Eunápolis e Santa Cruz Cabrália.

O antigo lixão terá que ser recuperado, mas a prefeitura ainda não apresentou um Plano de Recuperação de Área Degradada. Ainda não há previsão orçamentária nem prazos para regeneração do terreno, que segue coberto por lixo e chorume. Uma das propostas em estudo é que a área seja negociada para implantação de uma usina de geração de energia solar.

Moradores de residências vizinhas, que há anos travam batalhas judiciais para remoção do lixão irregular da região, seguem sem um horizonte.

"Precisa resolver. Não dá para ficar como esse lixo correndo para o rio e com água empoçada, criando foco de dengue", reclama o aposentado Carlos Alberto Rodrigues, 69, que mora desde 1983 em uma casa no terreno ao lado de onde foi erguido o antigo aterro.

Mesmo após a desativação, a área do lixão ainda é frequentada por alguns poucos catadores que se arriscam em meio aos detritos em busca de metais, plásticos e outros materiais recicláveis. A Folha conversou com quatro deles, mas todos pediram para ter suas identidades preservadas.

O terreno do lixão ainda recebe caminhões de forma esporádica. Na última semana de abril, em uma tarde em que a reportagem esteve no local, ao menos três veículos a serviço da prefeitura faziam o descarte do entulho recolhido em bairros da periferia da cidade.

Mas é cada vez mais raro encontrar materiais com maior valor para a reciclagem, como o alumínio. As famílias que trabalhavam no local perderam a sua principal fonte de renda e agora dependem de biscates, sobretudo em fazendas da zona rural da cidade.

"Não houve nenhum tipo de assistência aos catadores. Estamos há mais de um ano correndo atrás de uma solução", afirma Adelane Novaes, presidente da Coopera Porto, cooperativa que reúne catadores de recicláveis da cidade.

A cooperativa luta pela construção de um galpão para que os catadores atuem na coleta seletiva, ainda incipiente na cidade. Com isso, será possível recolher parte do lixo reciclável antes que ele seja encaminhado para o novo aterro sanitário.

A empreitada dos catadores tem o apoio do Cesol, centro de economia solidária do governo estadual, e da consultoria Ambient See, que trabalha em busca de parcerias com empresas.

"Este é um território com fluxo turístico muito alto. São diversos empreendimentos que atuam como grandes geradores de resíduos e que poderiam atuar com a coleta seletiva", diz a bióloga Inaiara Souza.

Segundo a prefeitura de Porto Seguro, os resíduos são atualmente despejados em um aterro sanitário que segue as regras ambientais. Sobre os catadores, informou que cadastrou as famílias e tem se esforçado para que elas possam ser inseridas no mercado de trabalho, destacando a importância do trabalho de reciclagem.

Da janela da sua casa feita de madeira, cuja estrutura foi condenada e corre riscos de desabamento, a catadora Adelane Novaes diz esperar pela reestruturação da área do antigo lixão e por dias melhores para a comunidade.

"Não é só o dinheiro. Eu vivi ali dentro do lixo e só depois fui ter a dimensão da importância deste trabalho. Quero olhar para trás e ver que deu tudo certo porque sei a importância da nossa luta."

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