Temo pela desidratação da reforma tributária, diz presidente da CNI

Ricardo Alban diz à Folha que nova política industrial do governo precisa acelerar e critica redução de estímulos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

O presidente da CNI (Confederação Nacional da Indústria), Ricardo Alban, alerta para o risco de desidratação da reforma tributária na sua fase de regulamentação.

"Essa reforma pode ser desidratada nos detalhes", afirma Alban, em entrevista à Folha. "O problema é que nos detalhes vão voltar vários lobbies a atuar."

As duas preocupações maiores da indústria são com o Imposto Seletivo e a cesta básica.

O presidente da CNI, Ricardo Alban. - Gabriela Biló-23.Abr.24/Folhapress

O empresário diz ainda que a nova política industrial do governo precisa acelerar e critica a política de redução de estímulos do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

"Todos sabem que não tem mais espaço para aquecer a massa tributária no Brasil", diz.

Qual a sua avaliação sobre a regulamentação da reforma tributária entregue ao Congresso?
O texto é longo. Mas [estamos] muito preocupados com o Imposto Seletivo sobre insumos, que voltaria a representar a cumulatividade. Estamos preocupados com os produtos que podem estar incluídos em redução ou isenção de alíquota para que não sobrecarregue o IVA.

De outro lado, ficamos bastante satisfeitos em saber que foi incorporado ao projeto, a partir de uma discussão que tivemos, [item] em relação ao crédito [do imposto] do spread bancário —aquele que supera a Selic para as operações financeiras—, de forma que vai ajudar bastante no processo de redução do custo financeiro do país.

O que esperar da regulamentação na Câmara?
O perigo mora nos detalhes. Essa reforma pode ser desidratada nos detalhes. Essa reforma pode ter uma nova onda de postergação.

Se vierem dois, três projetos de lei, é impossível pensar o mesmo relator. Mas o que advogamos, de uma forma lógica e coerente, é que o âmago do projeto de lei, que trata da reforma, deve ser [do relator] Aguinaldo Ribeiro.

O posto dele como relator não está certo.
Por isso você pode botar [na entrevista]: a indústria defende o Aguinaldo Ribeiro.

O problema é que nos detalhes vão voltar vários lobbies a atuar. O problema do lobby é que ele não é assumido. Nos Estados Unidos, é uma profissão.

O sr. teme pela reforma?
Temo pela desidratação. Temo nos itens, principalmente, que dizem respeito à alíquota do Imposto Seletivo. O que diz respeito à cesta básica.

O que pode ser interpretado como cesta básica? Saiu uma relação aí, não sei se veio do Congresso, que era uma coisa absurda. E o Imposto Seletivo, nós vamos tributar insumos da cadeia produtiva? Qual é o país que tributa a exportação?

O sr. vê risco de o Imposto Seletivo ser usado para aumentar a carga tributária?
Claro. E lá saiu alíquota de até 1%. [Veja] o efeito multiplicador disso numa cadeia aqui.

O sr. acha que a sucessão da presidência da Câmara está contaminando a reforma?
Não sei se neste momento é a sucessão que está contaminando. O ambiente político que busca ainda convergências entre o Executivo e o Legislativo. Na verdade, a partir de julho, depois de São João, vai parar. A bola da vez é a eleição municipal.

A produção industrial segue em 2024 com dificuldade de recuperação. Quais as razões para esse quadro?
Temos um hiato de formação de mão de obra, de atualização tecnológica, de incentivos de financiamento para renovação de equipamentos e de política industrial. É uma combinação explosiva.

O que agravou esse processo?
Se um elo da cadeia não estiver tão aparelhado, atualizado e apoiado, vai interferir na estrutura de custo de toda a cadeia.

Gostamos de falar do custo Brasil, que é um jargão, mas temos um dos custos de energia mais baratos do mundo. Temos a maior parte das nossas hidrelétricas amortizadas. Tivemos Itaipu amortizada e estamos discutindo aumento [da tarifa]. Nós deveríamos estar discutindo uma redução.

Tem o lado do Paraguai que quer aumentar a tarifa. Tem também a equação tarifária no Brasil, está cheia de penduricalhos. Como nós temos um dos custos de produção mais baixo e uma das energias mais caras?

O que é mais urgente para a indústria?
Não tenho uma resposta tão simples. Nós precisamos da implementação da política industrial. Nós estamos ainda detalhando a política. Na verdade, neste mesmo momento o Brasil trava outras lutas.

Quais?
As lutas políticas que temos hoje, de espaço entre os Poderes. A luta política de um déficit fiscal à custa de receitas ou de redução de estímulo à produção. Se você reduzir alguns tipos de estímulos, como as medidas que estão aí, vai na mesma situação.

O que o sr. quer dizer com isso?
Não se está criando imposto, mas se está reduzindo o benefício que se tinha. Quem mais contribui com a carga [tributária] federal? A indústria. Quem vai mais sofrer? A indústria.

Está se correndo um risco de desidratar os benefícios da reforma tributária quando você faz esse movimento. A reforma tributária tem um horizonte de maturação. Ela vai começar a partir de 2026 e 2027.

Ao mesmo tempo, [o governo] trabalha em reduções de estímulos. O impacto dos benefícios, segundo alguns dos levantamentos nossos, significa em média de 30% a 35% de perda do incentivo fiscal que essas empresas tinham. Isso é um contratempo que impede o processo de aceleração. Muitas empresas judicializaram, inclusive nós.

Há economistas que apontam que a agenda de aumento da arrecadação do ministro Haddad é um fator que inibe o crescimento. O sr. concorda com isso?
Claro, principalmente no setor industrial, que é quem mais contribui. Se você está tirando alguns estímulos, ele anda obviamente na contramão. Como é que se equilibra o custo, principalmente para produtos tradables [comercializados mundialmente]?

Se tiram estímulos daqui, e lá fora continua a mesma coisa, você está perdendo competitividade.

Há um esgotamento da estratégia de alta de impostos para melhorar as contas públicas?
Todos sabem que não tem mais espaço para aquecer a massa tributária no Brasil. Isso já é quase um ponto comum.

A CNI entrou como uma ação no STF para acabar com a isenção das compras de até US$ 50 nas plataformas de ecommerce internacionais. O que esperar?
Às vezes falta uma decisão política e em um ano eleitoral vai ser mais difícil ter no Congresso. Faltou uma decisão política do Executivo. Eu li que uma das dessas empresas já tinha atingido bilhões de faturamento.

O Supremo não deu ainda liminar. Mas eu estou otimista com isso pela sensibilidade que a gente ouviu dos ministros.

Há uma inação do governo em relação a esse tema da isenção de até US$ 50?
Sim, de fato, por isso que nós entramos [na Justiça]. A nossa sensibilidade é que a Receita Federal não tem como ser contra isso. Não tem argumento. Estamos falando de equidade.

Como avalia a judicialização da desoneração da folha de pagamentos?
É preocupante. Essa decisão reonera a folha de diversos setores produtivos, aumenta o custo da mão de obra, afeta a competitividade dos produtos e dos serviços brasileiros no mercado interno e no comércio internacional e prejudica o ambiente econômico.

Os críticos afirmam que a indústria gosta de protecionismo.
Não. Protecionismo tem no mundo inteiro. A indústria americana, a Europa, a Inglaterra. A própria China com a sua indústria. E nós temos custos que ninguém tem. Não é protecionismo. É dar equiparação competitiva.

Então, na sua avaliação, estaria faltando mais incentivo do governo para industria brasileira?
Nós não temos um país com uma condição de orçamento tão tranquila para isso. Nós estamos falando da nossa NIB [Nova Indústria Brasil] de R$ 300 bilhões [de 2024 até 2026]. Quanto é o Plano Safra? Se eu não me engano, são quase R$ 400 bilhões por ano.

A indústria está sendo tratada de forma diferente?
Óbvio. Mas não é em detrimento da agricultura. A gente quer uma evolução gradativa. Temos de dar o pontapé inicial.

A política industrial tem de acelerar?
Tem de acelerar. É apenas o primeiro passo. Que bom que demos o primeiro passo. Estamos tentando acelerar dentro da realidade que é a conjuntura política, da limitação fiscal e das prioridades sociais que esse país tem com esse governo.

A nova política industrial, a NIB, anda lenta?
Bem mais lenta do que deveria ser. Nós ainda estamos trabalhando com a perspectiva de o PIB industrial crescer 1,9%. Estamos vindo de bases pequenas.

Temos grandes oportunidades com a transição energética, mas temos um processo regulatório [pela frente]. Alguns países já saíram na frente. Temos uma idade média de 14 anos dos equipamentos do nosso parque industrial.

O sr. está satisfeito com a atuação do vice Geraldo Alckmin no ministério?
Eu estou satisfeito com o Alckmin e também com a postura do BNDES. Porque você vê, de fato, medidas sendo tomadas [pelo BNDES] em favor da indústria.

Nós estamos tendo de trabalhar em várias fontes. Por exemplo, as obras do PAC, estamos conversando e tentando ver se podemos criar um fundo garantidor para investimento em infraestrutura. Porque as nossas empresas não têm condições de acesso ao crédito com custo melhor.

Como funcionaria?
Precisamos ter acesso ao financiamento. Seria criado com recursos que viriam do próprio negócio ou de outras fontes. Essa é uma proposta que tem de ser detalhada. É para as empresas nacionais terem um custo mais barato. Estamos conversando com a Fazenda e o BNDES.


RAIO-X

Ricardo Alban, 64
Presidiu a Federação das Indústrias do Estado da Bahia por nove anos e foi presidente do Centro das Indústrias do Estado da Bahia entre 2018 e 2023. É formado em engenharia mecânica pela Universidade Federal da Bahia e administração de empresas pela Escola de Administração de Empresas da Bahia. Trabalhou no Citibank no início dos anos 1980. Desde 1987, é sócio-diretor da Biscoitos Tupy, tradicional fábrica de alimentos fundada por sua família. Em 2023 foi eleito para presidir a CNI

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.