Taxas mais altas anunciadas por Biden encerram a era do produto chinês barato

Atual presidente dos EUA e seu oponente, Donald Trump, adotam o protecionismo para atrair eleitores

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Jim Tankersley
Washington | The New York Times

Nas duas primeiras décadas do século 21, muitos produtos de consumo nas prateleiras das lojas nos Estados Unidos ficaram mais baratos. Uma onda de importações da China e de outros países emergentes ajudou a reduzir o custo de videogames, camisetas, mesas de jantar, eletrodomésticos e muito mais.

Essas importações levaram algumas fábricas do país à falência e custaram mais de 1 milhão de empregos. Lojas de desconto e varejistas online, como Walmart e Amazon, prosperaram vendendo produtos de baixo custo feitos no exterior.

Biden anuncia aumento de tarifas contra produtos da China
Biden anuncia aumento de tarifas contra produtos da China - Mandel Ngan/AFP

Mas os norte-americanos se rebelaram. Feridos por fábricas fechadas, indústrias arrasadas e estagnação salarial prolongada, os americanos elegeram em 2016 um presidente que prometeu retaliar a China no comércio. Quatro anos depois, elegeram outro.

Em esforços separados, mas sobrepostos, o ex-presidente Donald Trump e o presidente Joe Biden buscaram reviver e proteger as fábricas do país tornando mais cara a compra de produtos chineses. Eles taxaram as importações em indústrias tradicionais que foram esvaziadas ao longo dos últimos 25 anos, como roupas e eletrodomésticos, e em indústrias que são mais recentes, como a de painéis solares, que estão lutando para crescer em meio à competição com a China.

A decisão de Biden na terça-feira (14) de aumentar as tarifas impostas por Trump deixou claro que os Estados Unidos encerraram uma era de décadas que abraçava o comércio com a China e valorizava os lucros através de produtos de baixo custo em detrimento da perda de empregos manufatureiros geograficamente concentrados.

Uma única taxa tarifária simboliza esse panorama: um imposto de 100% sobre veículos elétricos chineses, que custam menos de US$ 10 mil cada e têm surgido nos showrooms ao redor do mundo, mas têm enfrentado dificuldades para superar as barreiras governamentais para o mercado dos EUA.

Democratas e republicanos já se uniram para fortalecer os laços econômicos com Pequim, impulsionados pela tese de que a América se beneficiaria terceirizando a produção para países que poderiam fabricar certos bens de maneira mais barata, em parte pagando salários baixos aos seus trabalhadores.

Os economistas sabiam que parte dos trabalhadores americanos perderia seus empregos, mas afirmavam que a economia ganharia mundialmente ao oferecer produtos de baixo custo aos consumidores e liberar as empresas para investir em indústrias de maior valor, onde os Estados Unidos tinham uma vantagem em termos de inovação.

Os dois partidos políticos agora estão competindo para romper esses laços. Os congressistas têm adotado posições cada vez mais duras sobre as práticas trabalhistas da China, roubo de propriedade intelectual de empresas estrangeiras e subsídios generosos para fábricas que produzem muito mais do que os consumidores chineses podem comprar.

Não está claro que essa nova política surgirá desses incentivos: a política industrial estratégica de Biden, o recuo de Trump para uma economia doméstica mais autocontida, ou algo completamente diferente.

Também não está claro se o eleitor dos EUA, ainda se recuperando do maior índice de inflação do país em 40 anos, tolerará as dores que podem acompanhar essa mudança de rumo.

"O antigo consenso foi despedaçado, e um novo não surgiu", afirma David Autor, economista do Instituto de Tecnologia de Massachusetts que ajudou a liderar a pesquisa pioneira sobre o que ficou conhecido como o Choque da China no início dos anos 2000, quando a aceitação da China na OMC (Organização Mundial do Comércio) ajudou a eliminar empregos de manufatura em todo o mundo desenvolvido.

Mas os consumidores e eleitores, Autor alertou, "não podem ter tudo. Você pode fazer um trade-off. Todo o mundo é trade-offs. Se você quer chegar ao ponto em que os EUA mantêm e recuperam a liderança nessas áreas tecnológicas, você terá que pagar mais. E não está claro se funcionará."

Apesar de optar pelo protecionismo, Biden e Trump estão oferecendo aos eleitores visões contrastantes de como a economia nacional deve se envolver com a China em sua eleição deste ano.

Derrotado em 2020, Trump quer acabar com as pontes do comércio entre as duas maiores economias do mundo e restringir drasticamente as negociações como um todo. Ele prometeu aumentar as tarifas sobre todas as importações chinesas, revogando o status de "nação mais favorecida" que o Congresso votou para conceder à China no final do governo Clinton, e proibir a entrada de alguns produtos chineses. A opção seria impor novos impostos sobre todas as importações do mundo.

Biden rejeita as propostas de Trump e as classifica de muito amplas e caras. Ele quer construir uma fortaleza protetora em torno de indústrias estratégicas como energia limpa e semicondutores, usando tarifas e outras regulamentações. Biden também está anunciando bilhões em subsídios do governo para empresas nesses setores, incluindo tecnologias de energia verde por meio da Lei de Redução da Inflação.

"O investimento deve ser combinado com a aplicação do comércio para garantir que o retorno que estamos vendo nas comunidades ao redor do país não seja prejudicado por uma inundação de exportações da China injustamente baratas", disse Lael Brainard, que dirige o Conselho Econômico Nacional da Casa Branca, em um discurso nessa quinta-feira (16). "Aprendemos com o passado. Não pode haver um segundo Choque da China aqui nos Estados Unidos."

Muitos economistas que continuam a defender um comércio mais aberto com a China criticaram os planos de ambos os candidatos, e não apenas porque correm o risco de aumentar os preços para os compradores americanos.

Eles dizem que as políticas de Trump e Biden poderiam desacelerar o crescimento econômico. Cortar a concorrência chinesa, dizem eles, poderia forçar empresas e consumidores a gastar dinheiro em bens domésticos artificialmente caros, em vez de em novos e inovadores produtos que criariam novas indústrias e novos empregos.

"Vamos prejudicar nossa produção gastando em excesso nessas coisas", disse R. Glenn Hubbard, economista da Universidade de Columbia que liderou o Conselho de Consultores Econômicos da Casa Branca durante a gestão do ex-presidente George W. Bush.

Alguns democratas dizem que a maior aposta de Biden para construir uma política comercial duradoura e bem-sucedida com a China é gastar mais, incluindo outro pacote de subsídios para semicondutores e outros produtos de alta tecnologia, e ir mais longe na aplicação. O senador Sherrod Brown, crítico de longa data da China e do comércio no Congresso, pressionou Biden a proibir os veículos elétricos chineses.

Jennifer Harris, ex-auxiliar de Biden que agora lidera a Iniciativa de Economia e Sociedade na Fundação William e Flora Hewlett, pressionou a administração a combinar seus gastos com políticas industriais com regras ainda mais rígidas sobre o que os beneficiários desse dinheiro podem fazer com ele.

Ela quer mandatos mais fortes para que montadoras domésticas mudem para veículos elétricos, por exemplo, e restrições mais rígidas sobre recompras de ações para forçar empresas que recebem subsídios do governo, como fabricantes de semicondutores, a investir mais em pesquisa e desenvolvimento.

"Isto inicia o capítulo muito mais difícil, que acredito ser muito menos tentado na história de política industrial dos Estados Unidos", disse Harris: "Vamos fazer a indústria experimentar isso."

Os eleitores ficarão descontentes com esses esforços, acrescentou ela, se as políticas de Biden não ajudarem a reduzir rapidamente os preços dos produtos feitos nos EUA. "Os americanos querem os dois lados, e vão ficar irritados quando os preços subirem", disse ela.

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