Setor de energia esbarra em marketing para levar mercado livre a empresas menores

Diante de novas regras, companhias têm de competir com comercializadoras ligadas a distribuidoras para conquistar clientes

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São Paulo

Diante de novas regras que ampliam o tipo de consumidor que pode aderir ao mercado livre de energia, comercializadoras que atuam no segmento conhecido como atacado, cujo público-alvo são grandes indústrias e empresas, ainda estão receosas de expandir suas operações para outros clientes.

Se quiserem abocanhar o varejo —fatia do mercado na qual as comercializadoras podem representar empresas de pequeno ou médio porte, como farmácias e padarias—, será necessário investir, sobretudo, em marketing. É o que avaliam executivos de comercializadoras ouvidos pela reportagem.

Linhas de transmissão de energia elétrica se estendem pelo horizonte, com torres de metal em sequência sobre um campo cultivado sob um céu azul com nuvens esparsas. Uma árvore solitária destaca-se entre as torres, contrastando a natureza com a infraestrutura humana.
Linhas de transmissão de energia em fazenda de café em Santo Antônio do Jardim, em São Paulo - Paulo Whitaker - 6.fev.14/Reuters

Uma portaria do Ministério de Minas e Energia publicada em 2022 definiu que, a partir de 1º de janeiro deste ano, todos os consumidores atendidos em alta tensão poderiam entrar no mercado livre de energia.

Antes, a adesão só era permitida para quem tivesse demanda contratada acima de 500 kW (quilowatts), o que equivale a uma conta de luz de R$ 140 mil, de acordo com a Abraceel, entidade do setor que representa as comercializadoras de energia.

Na prática, a nova regra permite que qualquer consumidor que pague conta de luz em um patamar a partir de R$ 10 mil possa negociar no mercado livre.

No entanto, o cliente que consumir menos do que 500 kW fica obrigado a ser representado na CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica) por um agente varejista —isto é, uma comercializadora que atue nesse segmento.

Diferentemente do mercado cativo, no qual a distribuidora acumula os serviços de infraestrutura de rede e fornecimento de energia —como a Enel e a Light fazem em áreas residenciais de São Paulo e Rio de Janeiro—, no mercado livre o consumidor pode negociar a energia diretamente com fornecedores.

A Stima é uma das comercializadoras de energia que escolheram permanecer somente no atacado. Segundo Daniela Alcaro, sócia da empresa, o varejo é um mercado de marketing que exige muito investimento.

"Se eu chegar para o cliente e falar que sou a Daniela, da Stima, uma comercializadora de São Paulo, ele não vai saber o que é isso. O custo de aquisição de cliente é altíssimo. Energia quase se resume à Enel para a maioria dos consumidores", afirma.

A Enel Trading, comercializadora de energia da concessionária Enel no Brasil, diz que vem tentando expandir a clientela varejista.

De acordo com a empresa, entre o fim de dezembro e março, período que marcou o começo da regra que ampliou a entrada no mercado livre, o número de clientes da companhia no varejo aumentou em 23%.

Além de uma página na internet com explicações sobre o mercado livre de energia, a Enel Trading também faz ações de marketing nas redes sociais. A companhia afirma ter consultores em todos os estados do país que identificam e abordam potenciais clientes para o mercado livre.

Na opinião de Fábio Fernandes, sócio da comercializadora Squadra Energia, o atacado é "menos charmoso". Ele afirma que, no estrato varejista do mercado, há mais clientes e as margens são melhores.

Apesar disso, a Squadra vai continuar a atuar somente para clientes atacadistas, por enquanto. É que, segundo ele, a expansão da operação para incluir consumidores menores pode trazer custos de digitalização.

Fernandes explica que, para grandes clientes, é possível abordá-los, fazer uma reunião e vender o produto; no varejo, o processo não é tão simples.

"[No mercado varejista] Tem de fazer com que o consumidor venha até você. A melhor forma de fazer isso hoje em dia é desenvolver um aplicativo, divulgar no Instagram, nas redes sociais. Não dá para você fazer um tête-à-tête", afirma.

Pelos planos da Squadra, a empresa vai tentar atrair mais consumidores do atacado nos próximos anos e, apenas depois desse movimento de expansão, deve anunciar a entrada no varejo.

"Neste primeiro momento, reconheço que há uma vantagem competitiva para as comercializadoras varejistas ligadas às distribuidoras, mas acho que tem espaço para outras independentes", diz Fernandes.

De acordo com os registros da CCEE, existem hoje pouco mais de 120 companhias varejistas (comercializadoras e geradoras que atuam no segmento) frente a mais de 410 comercializadoras atacadistas.

A gerente-executiva de Cadastros e Contratos da entidade, Adriana Sambiase, diz que houve um crescimento de companhias no varejo do mercado livre no ano passado, já na preparação para o início das novas regras.

Segundo ela, a expectativa é que haja uma pulverização de comercializadoras varejista neste primeiro momento. Depois o mercado deve passar por uma concentração, diz.

"Pensando um pouco em outros mercados que abriram, como na Inglaterra, no início, teve um boom dessas empresas. Com o tempo, foi tendo uma redução, uma comprando a outra, fazendo aglomerados. Eu acredito que pode ser uma tendência aqui", afirma.

De acordo com Sambiase, a CCEE está agindo para garantir a segurança do consumidor no mercado livre de energia para situações como falência de uma comercializadora.

Uma consulta pública tramita na Aneel e tem como objetivo aprimorar a regulamentação do tema.

Em sua contribuição, a CCEE sugeriu ao órgão regulador a simplificação dos processos de troca entre fornecedores varejistas e de migração entre o mercado cativo e o livre. A ideia é que o sistema seja feito em nuvem, segundo Sambiase.

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