O país do Pacífico que guarda, no fundo do mar, um tesouro para carros elétricos

Ilhas Cook querem extrair minerais que podem elevar padrão de vida de seus 15 mil habitantes

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Pete McKenzie
Rarotonga (Ilhas Cook) | The New York Times

Dois navios chegaram às Ilhas Cook, no sul do Pacífico, em março do ano passado. Um era familiar: um enorme cruzeiro carregando centenas de turistas para as praias intocadas deste país de 15 mil habitantes.

O outro, um navio laranja-neon transportando equipamentos científicos complexos, era mais incomum.

Em um cais próximo, o primeiro-ministro Mark Brown e muitos outros cidadãos proeminentes se reuniram para celebrar a chegada do barco menor. Para Brown, o cruzeiro representava a preocupante dependência de seu país em relação ao turismo. Ele descreveu o outro navio, pertencente a uma empresa de mineração multinacional, como um prenúncio de riqueza incrível.

Praia das Ilhas Cook - Divulgação

As Ilhas Cook estão na vanguarda de uma busca para explorar o fundo do oceano atrás de minerais usados em baterias de carros elétricos.

A mineração desses depósitos nunca foi tentada em grande escala, mas seus recursos são tão vastos, argumentam os defensores, que extrair esses minerais poderia impulsionar a transição para longe dos combustíveis fósseis.

Seria uma transformação também para as Ilhas Cook: a mineração do leito marinho poderia gerar dezenas de bilhões de dólares para o pequeno país, de acordo com um estudo de 2019. Sua renda per capita é de cerca de US$ 11 mil (R$ 56 mil).

Mas a mineração do leito marinho enfrenta forte oposição de ambientalistas, que se preocupam que isso prejudicaria a ecologia do fundo do mar. Mais de 800 cientistas pediram uma moratória sobre a prática, assim como a França, o Reino Unido e grandes empresas como Google e BMW.

Por dois anos, empresas de mineração têm avaliado a viabilidade da mineração do fundo do mar nas águas das Ilhas Cook.

O governo está preparado para tomar a decisão em 2027 se permitirá a prática, e enfrenta uma pressão crescente em casa e no exterior de críticos que dizem que está se apressando em adotar uma prática não testada.

"O governo está promovendo agressivamente a mineração em águas profundas", disse Duncan Currie, consultor da High Seas Alliance e de outras organizações internacionais de conservação. "Eles parecem estar buscando a mineração do fundo do mar independentemente dos efeitos adversos."

Brown, o primeiro-ministro, insistiu que as Ilhas Cook não se comprometeram com a mineração.

As críticas "podem ser irritantes, às vezes", disse ele em entrevista. Explorar as possibilidades da mineração do fundo do mar faz parte de nossa jornada de independência soberana".

No passado, ele reagiu mais fortemente contra os críticos.

"Os mesmos países que destroem nosso planeta ao longo de décadas de desenvolvimento voltado ao lucro, e que até hoje continuam orientados pelo lucro e negligenciam suas responsabilidades em relação às mudanças climáticas, estão fazendo exigências", disse ele em uma conferência de 2022.

"É paternalista e implica que somos muito burros ou muito gananciosos para saber o que estamos fazendo."

As Ilhas Cook, uma cadeia de 15 ilhas que já foi uma colônia da Nova Zelândia, são autônomas desde 1965.

Pouco depois de alcançar esse status, que não chega a ser de independência plena, navios de pesquisa internacionais começaram a explorar as águas territoriais do país, que cobrem uma área comparável à área terrestre do México.

Os pesquisadores encontraram um fundo marinho coberto de rochas do tamanho de abacates, ou nódulos, ricos em cobalto e manganês.

Cada nódulo cresce com a espessura de um cartão de crédito, aproximadamente, a cada milhão de anos. Até os recentes avanços tecnológicos, essas rochas eram inacessíveis.

Na última década, as Ilhas Cook têm perseguido esses nódulos de forma intermitente. Em 2012, criou uma agência para solicitar propostas de mineração para suas próprias águas. Em 2022, emitiu licenças para três empresas para pesquisar as águas e testar tecnologia de mineração.

Outros países que deram passos para pesquisar seus leitos marinhos incluem Japão e Noruega. A maioria das empresas privadas está focada na mineração em águas internacionais, mas as regulamentações para permitir isso ainda estão sendo elaboradas.

Os defensores argumentam que a exploração do fundo do oceano é a melhor maneira de obter mais dos minerais usados em baterias de carros elétricos e reduzir a dependência mundial de combustíveis fósseis.

Eles acrescentam que extrair nódulos do fundo do oceano com controles adequados causaria menos danos ambientais do que minas a céu aberto, que muitas vezes também perturbam comunidades vizinhas.

A mineração do fundo do mar —que envolve máquinas rastejantes vasculhando o leito, sugando rochas e liberando nuvens de sedimentos— aterroriza Teina Rongo, biólogo marinho que dirige uma organização não governamental ambiental na capital das Ilhas Cook, Avarua, na ilha de Rarotonga.

"Nossa história de criação é que o fundo do oceano é onde a vida começou", disse. "Quantas criaturas vamos destruir lá embaixo se sugarmos toda essa areia?".

Rongo havia acabado de terminar de dar uma aula sobre mudanças climáticas para crianças na escola de um centro comunitário, onde tartarugas de palha enfeitavam as paredes e água de equipamentos de mergulho pingava no chão.

Falando a um repórter sobre o que ele chamou de perigos da mineração, ele apontou para Nauru, outra pequena nação do Pacífico.

Depósitos ricos de fosfatos, usados nos fertilizantes, já levaram vastas riquezas para Nauru, mas uma má gestão e uma suposta corrupção mergulharam a nação na pobreza. Agora, seu povo vive em uma paisagem lunar desolada e devastada pela mineração.

Alex Herman, chefe da Cook Islands Seabed Minerals Authority, enfatizou que sua agência estava adotando uma abordagem cuidadosa e baseada na ciência para a mineração do leito marinho.

"As Ilhas Cook são um lugar muito especial, nosso próprio paraíso", disse, "e queremos estar muito atentos a quaisquer consequências ou impactos não intencionais decorrentes da progressão desse setor."

Ainda assim, alguns críticos dizem que o governo de Brown se aproximou demais das empresas que ele permitiu fazer o levantamento do leito marinho. "Ambos têm a mesma agenda", disse Kelvin Passfield, diretor da Te Ipukarea Society, um grupo ambiental local.

Brown rejeita essa acusação, mas críticos dizem que há evidências de relações entre os dois lados. Depois que o ex-diretor da agência de mineração, Paul Lynch, renunciou, uma empresa de prospecção, Cook Islands Cobalt, contratou sua esposa, Shona Lynch, como sua principal executiva no país.

Brown disse que teve o cuidado de não se aproximar dos líderes do setor de mineração. Mas, ele acrescentou, ao "se estabelecer aqui, você tende a se tornar parte da família. É muito pessoal, os relacionamentos que você teria com as empresas."

O governo diz que colocou observadores independentes em navios de levantamento para garantir a confiabilidade dos dados das empresas, que, segundo os funcionários, informarão a decisão sobre a continuidade da mineração no fundo do mar.

O público parece estar dividido igualmente sobre a questão, disse Rashneel Kumar, editor do Cook Islands News, o maior jornal do país.

Mas muitos acham que sabem qual será a decisão. Teresa Manarangi-Trott, defensora cautelosa da mineração do leito marinho, liderou um comitê do governo que reuniu as opiniões dos residentes sobre a prática.

"O governo decidiu que isso vai acontecer", disse, "independentemente do que qualquer um diga."

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