Nióbio brasileiro vira matéria-prima para transição energética

Pesquisa dos EUA destaca envolvimento chinês na produção do metal

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Michael Pooler
São Paulo | Financial Times

Entre as abundantes riquezas minerais do Brasil —desde minério de ferro e ouro até pedras preciosas e cobre— está um metal de nicho que quase nenhum outro país pode reivindicar produzir em escala: o nióbio.

O principal produtor, a CBMM (Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração), explora novas aplicações e acredita que o elemento químico tem um papel fundamental a desempenhar em baterias elétricas, para veículos como ônibus e caminhões.

A CBMM estima que seu complexo de mineração e fabricação em Araxá, no estado de Minas Gerais, é responsável por três quartos do fornecimento global de nióbio.

Reserva Biológica Morro dos Seis Lagos, em São Gabriel da Cachoeira (AM), concentra uma das maiores reserva de nióbio do mundo
Reserva Biológica Morro dos Seis Lagos, em São Gabriel da Cachoeira (AM), concentra uma das maiores reserva de nióbio do mundo - Lalo de Almeida/Folhapress

Por décadas, o principal uso do metal tem sido em ligas metálicas para fortalecer o aço. Pequenas quantidades conferem maior resistência à corrosão e pontos de fusão mais altos.

Encontrado em tudo, desde carrocerias de automóveis até gasodutos e reatores atômicos, o nióbio também é usado em dispositivos de alta tecnologia, como motores a jato e ressonâncias magnéticas hospitalares.

Em meio a uma corrida internacional para garantir matérias-primas consideradas vitais para as tecnologias modernas, há uma crescente atenção aos aspectos estratégicos e geopolíticos do nióbio —especialmente porque a produção está concentrada em apenas alguns lugares.

O metal cinza brilhante é classificado como o segundo mineral "crítico" pelo Serviço Geológico dos EUA, que estima que 90% da produção total vem do Brasil.

"Nosso país pode se posicionar como um fornecedor muito importante de materiais para a transição energética", diz o presidente da CBMM, Ricardo Lima. "A propriedade mais importante que podemos oferecer é o carregamento rápido", explica. "Na indústria de baterias, realmente temos uma grande oportunidade de sermos muito bem-sucedidos."

Fundada na década de 1950 e controlada pela dinastia empresarial Moreira Salles, os outros acionistas da CBMM são um grupo japonês-coreano e um consórcio de siderúrgicas chinesas.

A outra mina de nióbio dedicada do Brasil foi adquirida pela CMOC da China em 2016. A China é o principal destino das exportações brasileiras do metal.

Um relatório do think tank CSIS (Center for Strategic and International Studies) de Washington DC destaca esse nível de envolvimento chinês e o potencial da substância em equipamentos militares como razões para as autoridades dos EUA ficarem alertas. "No grande tabuleiro de xadrez da geopolítica de defesa, o nióbio emergiu como uma peça de importância primordial", escrevem os pesquisadores.

O metal de uso estabelecido há muito tempo na indústria aeroespacial —desde o programa Apollo da Nasa até foguetes SpaceX— é descrito por tomadores de decisão americanos como "indispensável" para componentes críticos em mísseis hipersônicos. Capazes de viajar cinco vezes a velocidade do som, as armas estão sendo desenvolvidas por várias nações, incluindo os EUA e a China.

Henry Ziemer, um dos autores do relatório do CSIS, diz que ação é necessária pelas autoridades dos EUA para evitar futuras interrupções no fornecimento de nióbio. "O nióbio passou despercebido", ele argumenta. "Não houve um esforço sistemático dos EUA para garantir a cadeia de suprimentos, alinhar incentivos e soar o alarme", acrescenta, referindo-se ao grau de propriedade chinesa das minas de nióbio.

A CBMM tranquiliza as preocupações sobre possíveis problemas de fornecimento. Sua capacidade de produzir 150 mil toneladas por ano de liga de ferronióbio —a principal forma em que o metal é vendido— excede a demanda mundial, de acordo com a empresa. "Não é algo crítico como se fosse raro, ou houvesse limites de produção [ou] poderia em breve haver escassez", diz o diretor de tecnologia Rafael Mesquita. "Existem outros depósitos no mundo."

"Todo o gerenciamento de nossa empresa é feito aqui", acrescenta Lima. "Não é pelos acionistas chineses, é por nós. Não vejo nenhuma preocupação em relação aos chineses." Quanto ao papel do nióbio na defesa, os executivos da CBMM dizem que não é um mercado-alvo.

Ainda assim, embora a indústria do aço deva permanecer como cliente principal da CBMM, a empresa deseja aumentar novas linhas de negócios para 30% da receita total até 2030, ante 10% atualmente. Ela vê áreas como vidro avançado para painéis solares, fungicidas e materiais magnéticos especiais como promissores.

"O nióbio é um elemento bastante novo em comparação com outros como ferro, cromo e molibdênio, então ainda há muitas aplicações a serem desenvolvidas", observa Mesquita. "Em vez de uma maior [participação de mercado], queremos ter um bolo maior".

Fornecer óxido de nióbio de grau de bateria para veículos comerciais é fundamental para a abordagem da CBMM. No próximo mês, ela irá revelar o primeiro EV do mundo com uma bateria contendo o composto: um ônibus protótipo em parceria com a Volkswagen e a Toshiba. Ela espera que versões reais estejam nas estradas até 2025.

No ânodo (negativo) de uma bateria, o nióbio pode substituir o grafite, permitindo um carregamento mais rápido enquanto reduz o risco de superaquecimento e explosões, diz a CBMM. "Comparado ao grafite, é mais caro", diz Lima. "Mas, como você tem uma vida útil de bateria mais longa, se você pode dirigir por uma distância maior, o custo final de propriedade para o cliente é melhor."

No cátodo (positivo) das baterias à base de níquel, a empresa diz que pequenas quantidades de nióbio podem reduzir a necessidade de cobalto. A Anistia Internacional relata que a mineração na África tem levado a despejos forçados de comunidades e outros abusos aos direitos humanos. Algumas fabricantes de carros elétricos agora se comprometeram a reduzir o uso de cobalto.

"Os cátodos poderiam ser um mercado bastante significativo ao longo do tempo para o nióbio", diz Andrew Matheson, da consultoria de metais CPM Group. "No lado do ânodo, ainda é cedo para dizer se haverá adoção em massa, mas é uma perspectiva forte. Caminhões de mineração sozinhos poderiam eventualmente representar tanto quanto a quantidade atual indo para o aço."

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