Analistas começaram a monitorar as perdas para as empresas e a economia do país com a tragédia provocada pelas chuvas e enchentes no Rio Grande do Sul. Os especialistas enfatizam, contudo, que ainda é difícil prever exatamente o tamanho do prejuízo, devido ao desconhecimento sobre quando as águas vão baixar e a situação vai se normalizar no estado.
O presidente do Itaú Unibanco, Milton Maluhy, disse nesta terça-feira (7) que todos os setores da economia gaúcha estão tendo quedas nos seus faturamentos que podem chegar a mais de 20% ao ano.
A informação foi extraída do Idat (Daily Activity Tracker), índice do banco que mede a atividade econômica no Brasil diariamente por meio das transações de seus clientes e via suas plataformas, como maquininhas de cartão.
Já o time de análise do Bradesco BBI liderado pelos analistas Felipe Cassimiro e Pedro Pinto calcula que, entre as companhias da Bolsa acompanhadas pelo banco, as vendas do segundo trimestre devem ter queda entre 0,3% a 0,9% para cada dez dias de desastre, a depender do tamanho da exposição da companhia ao mercado do Rio Grande do Sul.
Em meio às estimativas iniciais, investidores anteveem prejuízos e as ações de companhias gaúchas ou com grande exposição ao estado recuaram entre a última segunda (6) e esta terça-feira (7).
No caso da Lojas Quero-Quero, que foi fundada no estado e possui 55% de todas suas lojas concentradas na região, a queda nas vendas deve ser de 6% a cada dez dias de desastre, segundo estimativa do Bradesco.
A varejista de materiais de construção e eletrônicos informou por meio de comunicado na última segunda que, das 552 lojas da companhia, 12 foram impactadas diretamente pelas enchentes, enquanto 29 unidades apresentaram operações parciais, por conta de problemas com telecomunicação, fornecimento de energia elétrica e dificuldade de deslocamento de colaboradores.
Com as dúvidas do mercado sobre os prejuízos da Quero-Quero com a tragédia, a ação da empresa recuou 6% na Bolsa na segunda-feira.
Outra companhia com capital aberto que possui forte presença no Rio Grande do Sul é a Panvel. Com sede em Eldorado do Sul (RS), cidade que praticamente está toda submersa pela água, e quinta maior rede de farmácias do Brasil, a empresa tem 67% das suas unidades no estado.
A Panvel não foi analisada pelo Bradesco, mas o BTG Pactual enfatizou em relatório que, ao lado da Lojas Quero-Quero, ela é a varejista da Bolsa com maior exposição ao estado do Rio Grande do Sul.
A rede de farmácias informou que as inundações comprometeram o acesso à sede da companhia e ao seu centro de distribuição. A empresa redirecionou a sua logística e segue abastecendo as farmácias por meio do seu centro de distribuição de São José dos Pinhais, que atende Santa Catarina, Paraná e São Paulo.
Na sessão de segunda-feira, a ação da companhia recuou 5% na Bolsa.
Além das duas varejistas, segundo o BTG Pactual, a Renner possui 13% de suas lojas no estado, o Carrefour tem 10%, Magazine Luiza possui fatia de 8% no estado, Lojas Marisa tem 7%, Petz e Cobasi, 6%, Vivara, Grupo SBF (Centauro) e Arcos Dorados (maior franquia independente do McDonald's no mundo), 5%.
Grupo Soma (dona da Hering, Farm e Animale), Arezzo, Raia Drogasil, Zamp (dona do Burger King), Track&Field e C&A possuem menos de 5% de suas lojas no Rio Grande do Sul, ainda segundo o BTG.
A catástrofe sem precedentes no estado atingiu 2/3 de seu território, afetando diretamente cerca de 320 municípios e 700 mil pessoas. Além disso, 400 mil estabelecimentos de serviços essenciais estão sem energia e as estradas do estado estão comprometidas em mais de 180 localidades.
"A produção rural está suspensa em muitas fazendas, o que deve gerar um impacto negativo no poder de compra da população e no aumento dos preços dos alimentos", diz o Bradesco BBI.
Segundo a ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal), dez unidades produtoras de carne de aves e de suínos estão paralisadas ou com dificuldades extremas de operar pela impossibilidade de processar insumos ou de transportar colaboradores.
O estado é responsável por 11% da produção de carne de frango e 19,8% da produção de suínos nacional, que são direcionados para consumo nas gôndolas do próprio Rio Grande do Sul e para a exportação.
Entre os frigoríficos da Bolsa acompanhados pelo Goldman Sachs, o banco americano diz que a BRF é a que tem maior exposição ao Rio Grande do Sul. De um total de 31 unidades operacionais espalhadas pelo Brasil, 5 estão no estado. Além disso, dos 53 centros de distribuição da companhia, 6 ficam no RS. Lá também estão duas fábricas de ração da empresa.
Algumas dessas unidades chegaram a ter as atividades suspensas, segundo a BRF. Como a situação calamitosa no estado ainda está em curso, o Goldman Sachs diz que é um desafio avaliar potenciais perdas.
As ações da companhia recuaram 3% na última segunda-feira.
Além da produção de carne, o abastecimento de arroz também pode ser afetado com a catástrofe, já que o Rio Grande do Sul corresponde a 70% da produção nacional do cereal.
A maior preocupação em relação à inflação não é com a produção, afinal, boa parte da safra já foi colhida — 82,9% das lavouras segundo o Irga (Instituto Rio Grandense do Arroz). Restam em torno de 150 mil hectares.
O ponto de atenção é com o escoamento, já que estradas e pontes foram destruídas pela tempestade, deixando várias regiões do estado isoladas.
A produção da Camil, contudo, pode ser afetada. A XP estima que 15% da colheita de arroz pela empresa na região sul do estado ainda estavam pendentes antes das chuvas.
Mesmo com os riscos no abastecimento de alimentos, a equipe de economia da XP disse que mantém sua projeção da inflação para o fim deste ano em 3,7%, com viés de alta limitado (em torno de 0,1 p.p.).
A projeção de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) também foi mantida em 2,2% para 2024. Os analistas da XP reconhecem, contudo, os efeitos negativo incertos que as enchentes pode trazer para a economia do Brasil.
Diante do risco de falta de oferta, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse nesta terça que o governo federal pode ter que importar arroz e feijão para segurar a alta dos preços.
Com as perdas ainda calculadas para as empresas e os moradores do Rio Grande do Sul, o BTG enxerga impactos sobre a carteira de crédito do Banrisul, banco cuja sede fica no estado.
Segundo os analistas Ricardo Buchpiguel, Eduardo Rosman e Thiago Paura, os empréstimos combinados das regiões mais afetadas pela tragédia —Porto Alegre, Serra Gaúcha e o leste do estado— totalizam cerca de R$ 10 bilhões. Isso equivale a quase 20% do total da carteira do Banrisul.
Os analistas ponderam, contudo, que uma parcela significativa desse valor pode não ser afetada, já que estão sendo estudadas pelo governo linhas de crédito de emergência com recursos subsidiados para os esforços de reconstrução e assistência regional, "embora os detalhes ainda sejam limitados".
"A expectativa é que o Banrisul desempenhe um papel ativo na distribuição de recursos, possivelmente através de fundos governamentais", dizem os analistas do BTG.
Desde a última segunda-feira até o fechamento do mercado nesta terça, a ação do Banrisul caiu cerca de 10,5%.
Procuradas, BRF, Camil e Banrisul não se manifestaram até a publicação da reportagem.
Com Reuters
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