Com receio do impacto das enchentes no Rio Grande do Sul na inflação de alimentos, o governo federal anunciou a importação de até 1 milhão de toneladas de arroz. Uma medida provisória vai autorizar a compra.
O ministro Carlos Fávaro (Agricultura) afirmou, na tarde desta terça-feira (76), que o objetivo é evitar a escassez do produto no mercado brasileiro. A MP pretende evitar ainda a especulação de preço da commodity.
Mais cedo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) havia dito em entrevista a rádios que a importação estava no horizonte como forma de segurar a alta do arroz. Afirmara também estar preocupado com o feijão.
O mercado e especialistas, porém, dizem que é cedo para mensurar a pressão inflacionária da tragédia. O cereal segue cotação internacional, e seu preço atualmente está em patamar reduzido.
Mesmo assim, o governo fará um leilão internacional. Segundo Fávaro, os vendedores deverão ser de países do Mercosul. Caberá à Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) a realização da compra.
O Rio Grande do Sul responde por cerca de 70% da produção de arroz no Brasil. De acordo como Irga (Instituto Rio Grandense do Arroz), 82,9% das lavouras já foram colhidas. Restam em torno de 150 mil hectares.
Segundo o órgão, vinculado ao governo gaúcho, a região central do estado é a que apresenta menor percentual de área colhida, com 62%, restando cerca de 45 mil hectares. Essa é a região mais afetada pelas enchentes.
De acordo com Fávaro, houve perda de parte da produção que ainda está no campo. Segundo ele, há armazéns e silos que foram atingidos pela água. O ministro também citou problemas de logística para escoar a produção local.
Inicialmente, haverá a compra de 200 mil toneladas de arroz, descascado e embalado. Os leilões serão feitos em blocos. Fávaro não deu prazos para aquisição do produto.
Segundo o ministro, o produto não vai concorrer com a produção dos agricultores gaúchos. Fávaro disse que o arroz a ser adquirido pela Conab será vendido "a balcão" —ou seja, para pessoas físicas que tenham interesse no produto ou pequenas vendas e mercados de periferias, de outras regiões do país.
"Não é concorrer. A Conab não vai importar arroz e vender para para os atacadistas, que são compradores dos produtos do agricultor. Então, o primeiro momento é evitar desabastecimento, evitar especulação", disse o ministro.
Segundo a Conab, a produção nacional de arroz se aproxima do consumo doméstico anual, que está em torno de 10 milhões de toneladas. A expectativa de compra chega a 10%.
Fávaro disse ainda não ser possível dimensionar a perda dos agricultores, uma vez que muitas áreas seguem inacessíveis.
Um eventual risco de inflação deixa o governo apreensivo em momento de queda de popularidade de Lula.
"Eu agora estou com uma briga para baixar o preço do feijão e do arroz. Porque está caro e com essa chuva no Rio Grande do Sul talvez encareça mais. A Bahia precisa plantar arroz, precisamos financiar o plantio de arroz em outros estados porque se tem uma coisa que não pode estar caro é o arroz e feijão", disse o presidente a sete rádios, de São Paulo, Amazonas, Ceará, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, Paraná e Rio Grande do Sul.
O presidente disse que a importação de arroz seria necessária "para equilibrar a produção" e colocar "na mesa do povo brasileiro um preço compatível com aquilo que ele ganha".
Entre os produtos agrícolas, o arroz é o de situação mais sensível. O arroz, hoje, é o item de maior peso no grupo "alimentação no domicílio" do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), indicador oficial de inflação.
"O Brasil inteiro depende desse arroz. É uma situação muito diferente de outros grãos, como soja e milho, que, ainda que expressivos no Rio Grande do Sul, também são produzidos por outros estados", disse Felippe Serigati, economista e pesquisador do Centro de Agronegócio da FGV (Fundação Getúlio Vargas).
Ele afirmou, no entanto, que é difícil estimar o tamanho do impacto no preço sem ter total dimensão do dano às safras.
"As enchentes podem levar a pragas, fungos e danos nos solo por causa de um teor maior de umidade, o que pode prejudicar safras futuras. Os produtores vão precisar de financiamento e políticas públicas para driblar isso. Mas é um prejuízo temporário, um choque exógeno por questões climáticas. Podemos ter preços mais altos, mas não vejo uma alteração substancial na inflação a ponto do BC precisar mexer na trajetória da Selic, por exemplo", disse Serigati.
Segundo o Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), da Esalq/USP, as tempestades no Rio Grande do Sul travaram as negociações de forma geral.
"Produtores seguem avaliando as consequências climáticas sobre as lavouras a serem colhidas, assim como sobre unidades armazenadoras", disse o centro, em nota. "Ainda assim, os preços do cereal se mantiveram firmes, sustentados pela demanda de outros estados, embora sem sucesso nas efetivações."
Em relatório, a equipe de economia da XP Investimentos afirmou que mantém a projeção da inflação para o fim deste ano em 3,7%, com viés de alta limitado (em torno de 0,1 p.p.).
A projeção de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) também foi mantida em 2,2% para 2024. Os analistas da XP reconhecem, contudo, os efeitos negativo incertos que as enchentes pode trazer para a economia do Brasil.
Segundo a XP, o ponto de atenção é com o escoamento, já que estradas e pontes foram destruídos pelas chuvas, deixando várias regiões do estado isoladas.
De acordo com o presidente Lula, ainda não é possível ter uma ideia dos recursos que serão necessários para recuperar o estado. Ao participar da entrevista, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, afirmou que cerca de R$ 1,06 bilhão em emendas serão liberados a partir de sexta-feira (10).
A tragédia já deixou um prejuízo milionário na agricultura gaúcha. A estimativa da CNM (Confederação Nacional dos Municípios) é que ao menos R$ 433,8 milhões foram perdidos no setor, entre 29 de abril até a última segunda-feira (6).
O dado se refere a apenas 25 municípios do estado que conseguiram cadastrar informações no sistema do Ministério da Integração —e pode subir exponencialmente nos próximos dias, conforme a extensão dos danos começar a ser avaliada após a água abaixar.
Do total de 497 municípios gaúchos, 401 foram afetados pelas fortes chuvas da região.
O governo vai atender ainda uma demanda dos agricultores e suspender por 90 dias os débitos do setor, sejam ele de custeio ou de investimentos.
A medida será discutida em uma reunião extraordinária do CMN (Comitê Monetário Nacional) —composto Simone Tebet (Planejamento), Fernando Haddad (Fazenda) e Roberto Campos Neto (Banco Central)
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