Chinesa State Grid leva principal lote no maior leilão de energia do Brasil

Estatal asiática arrematou lote de linhas de transmissão, com investimentos previstos de R$ 18 bilhões

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

A State Grid arrematou o principal lote no maior leilão de energia da história do Brasil. A gigante estatal chinesa ofertou o deságio mais alto para construir linhas de transmissão nos estados do
Maranhão, Tocantins e Goiás. Sozinho, o projeto prevê investimentos de mais R$ 18 bilhões.

O leilão ocorreu nesta sexta-feira (15), na sede da B3, em São Paulo. Os outros dois lotes em disputa foram arrematados pelo consórcio brasileiro Olympus XVI e pela espanhola Celeo. A Eletrobras também participou do certame, mas não ganhou nenhum ativo.

Somados, os três lotes contratam R$ 21,7 bilhões em investimentos para reforçar o transporte de energia no país. Os ativos foram disputados com base na proposta com maior deságio da RAP (Receita Anual Permitida Contratada). Venceram os grupos que ofereceram o maior desconto para operar as linhas de transmissão.

Homens de terno batem martelo em cerimônia do leilão
Comitiva da State Grid, empresa chinesa que levou o maior lote no megaleilão de energia desta sexta (15) - Divulgação B3

De acordo com a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) o objetivo do certame era aumentar a interligação entre as regiões Norte e Nordeste com as demais regiões do país, de modo a ampliar a capacidade de escoamento de excedentes de geração.

Atualmente, a geração eólica e solar no Nordeste excede o consumo, a ponto de algumas usinas precisarem parar a produção por não terem para onde enviar a energia.

No leilão desta sexta foram oferecidos três lotes em cinco estados —Goiás, Maranhão, Minas Gerais, São Paulo e Tocantins— para a expansão de 4.471 quilômetros de novas linhas, acompanhadas de reforço de subestações e conexões com o SIN (Sistema Interligado Nacional).

Na avaliação do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, o resultado do certame viabiliza novos investimentos em geração de energia renovável. Segundo ele, em 2023 foi alcançada a marca de R$ 40 bilhões de linhas de transmissão contratadas no Brasil.

Ricardo Tili, diretor da Aneel, também comemorou o resultado do leilão, que teve deságio médio de 40,85%. "A minha expectativa era um pouco de preocupação com esse deságio. Superou minha expectativa", disse em entrevista coletiva.

Uma das questões envolvidas no leilão era de que ele não resolve um relevante problema no setor de energia. Atualmente, a expansão da geração de renováveis ocorre em um ritmo muito mais acelerado do que a construção das redes para interligá-las.

Questionado sobre o fato de o Brasil não ter carga (consumo) suficiente para escoar a produção renovável em expansão, Sandoval Feitosa, diretor-geral da Aneel, admitiu que isso é sim um desafio, mas que já está sendo avaliado.

"Há uma fronteira tecnológica que terá que ser rompida nos próximos anos. Nós teremos que eletrificar nossa economia, o governo federal tem planos para isso. Então, temos que massificar o uso de veículos elétricos, transporte de massa", afirmou.

Thiago Prado, presidente da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), também respondeu sobre o risco de subutilização dos ativos leiloados. Segundo ele, a EPE não recomenda licitação de linhas de transmissão sem haver necessidade de mercado e projeção de demanda que respalde o projeto.

"Tenho certeza de que esses ativos serão utilizados, não se trata de um investimento afundado com uma expectativa futura. São ativos que têm embasamento nas projeções de mercado da EPE e com uma visão de curto e médio prazo do Operador Nacional do Sistema Elétrico", disse.

Prado também comemorou o resultado do leilão, disse que os ativos são necessários ao sistema elétrico brasileiro e que está seguro de que foi contratado aquilo que o país precisa do ponto de vista do tecnológico, não aquilo que os fabricantes queriam.

No leilão desta sexta, foi contrato um sistema especial de transmissão, em corrente contínua, denominado HVDC. O modelo é diferente de pacotes concedidos recentemente. A especificidade da tecnologia torna o sistema mais caro que o convencional, em corrente alternada, o que explica os investimentos recordes em número pequenos de lotes.

O tipo de sistema leiloado faz sentido apenas para grandes distâncias e grande potência, permitindo maior controle do fluxo de energia elétrica entre as regiões, com alta confiabilidade e menores perdas.

A tecnologia já é conhecida e aplicada no Brasil. É utilizada para escoar a geração de Itaipu (PR), Belo Monte (PA), Jirau (RO) e Santo Antônio (RO).

Este é o segundo megaleilão de energia do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em junho foram oferecidos nove lotes em sete estados, com previsão de R$ 15,7 bilhões em investimentos para construção de 6.184 quilômetros de linhas de transmissão e subestações.

Empresas tradicionais ficaram de fora da disputa

Grupos já bem conhecidos no setor elétrico, como Cemig, Taesa, Copel, não participaram do leilão desta sexta-feira. Para especialistas, isso já era algo esperado, mas a lista de proponentes trouxe um bom sinal para o mercado.

Alberto Bull, sócio da área de Energia do Veirano Advogados, diz que uma grande novidade foi a participação de possíveis novos grupos no setor. "Isso é sempre bom, porque como vários tradicionais do mercado ficaram fora, o interesse de novos entrantes é bastante importante", afirma.

Com relação à State Grid, ele diz que faz todo o sentido a gigante se interessar e levar o primeiro lote. "A China é reconhecida como um dos maiores e melhores players em transmissão de alta voltagem, e esse lote é muito complexo tecnicamente."

Aline Klein, advogada e especialista em infraestrutura do escritório Vernalha Pereira, lembra que a companhia chinesa está no Brasil desde 2010. "Ela assumiu o controle da CPFL Energia, opera uma grande extensão de linhas no Brasil. Providenciou as linhas de transmissão que atendem Belo Monte, que estão entre as mais extensas do mundo. Então ela conhece muito bem o mercado nacional."

Segundo ela, o resultado do certame confirmou que o elevado valor de investimentos é um fator de restrição da concorrência, tal como se verifica em outros setores da infraestrutura como em rodovias, aeroportos e portos. "Esse tem sido sempre um diferencial para restringir a concorrência. Mesmo assim houve competição e deságios significativos, na faixa dos 40%", afirma.

Rosana Santos, diretora-executiva do Instituto E+, afirma que o leilão desta sexta foi necessário para que a transição energética continue acontecendo.

Segundo ela, o Brasil possui um sistema interligado onde a energia produzida pelas renováveis do Nordeste flui para o Sudeste, e das hídricas do Sudeste para o Nordeste.

"Ultimamente, a gente tem vivenciado alguns gargalos de transmissão. Por conta disso, vários projetos de renováveis não estavam conseguindo escoar a sua energia", afirma.

Santos destaca que já é consenso nos principais fóruns climáticos do mundo que a transmissão é parte fundamental da transição energética.

"Conectando diversas regiões e diversas áreas, você consegue atingir uma diversidade geográfica, o que traz segurança no abastecimento, traz tranquilidade para o operador ter quantidade de energia renovável para atender à demanda do país."

Como foi o leilão

Para o primeiro lote, a State Grid ofertou R$ 1,9 bilhão, o que representa um deságio de 39,9%. Os projetos foram subdivididos em quatro sublotes. A disputa poderia ocorrer de duas formas: oferta pelo lote inteiro ou por cada pedaço. A State Grid foi a única que fez lance para arrematar o bloco todo.

Nas ofertas por sublotes, a chinesa participou ao lado de um único concorrente: o consórcio brasileiro Olympus XVI, formado pela Alupar e pelo grupo de investimentos Mercury.

Embora o consórcio tenha ofertado deságios maiores em alguns sublotes, o valor agregado dos quatro pacotes ficou acima do lance que a State Grid fez para arrematar o bloco inteiro, por isso o ativo ficou com a chinesa.

O Olympus XVI arrematou o segundo lote do leilão, ofertando R$ 239,5 milhões, o que representa um deságio de 47%. O consórcio disputou o ativo com outras duas proponentes: Eletrobras e FIP Warehouse.

O projeto prevê investimentos de mais de R$ 2,5 bilhões com a construção de linhas de transmissão nos estados de Goiás, Minas Gerais e São Paulo.

A empresa vencedora do terceiro lote foi a espanhola Celeo. O ativo contou com quatro grupos interessados, que enviaram suas propostas por envelope. Participaram o grupo espanhol Celeo, a Eletrobras, o Consórcio Olympus XVI e a espanhola Acciona.

As duas melhores propostas enviadas por envelope foram da Celeo e da Eletrobras, que seguiram para a etapa viva-voz (quando os interessados vão disputando lance a lance). Após dez rodadas, a Celeo arrematou o bloco, ofertando R$ 101,2 milhões (deságio de 42,39%).

Com investimentos previstos em R$ 1 bilhão, o projeto é para construir linha de transmissão ligando Minas e São Paulo.

Colaborou Alexa Salomão

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.