Só o Código Florestal não é suficiente para o café cumprir nova lei europeia, diz setor

Diretora-executiva da OIC, Vanusia Nogueira afirma que, como está, regulamentação da União Europeia veta transformar excedente de reserva legal em lavoura para exportar

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Belo Horizonte

Cumprir o Código Florestal, que é alvo frequente de críticas de ruralistas, pode não ser o suficiente para que o café produzido no Brasil possa ser exportado para a União Europeia com a aprovação de uma lei antidesmatamento válida nos 27 países membros.

A avaliação é de Vanusia Nogueira, diretor-executiva da OIC (Organização Internacional do Café), que disse que cafeicultores do mundo todo têm dúvidas sobre a nova regulamentação, mas que é preciso estarem prontos para seguir as normas, que não são apenas uma recomendação, e sim uma obrigação aos países integrantes do bloco.

Barista prepara café na SIC (Semana Internacional del Café), em Belo Horizonte
Barista prepara café na SIC (Semana Internacional del Café), em Belo Horizonte - Xinhua/Wang Tiancong

A proposta de proibir a importação de produtos do agronegócio considerados fortemente ligados ao desmatamento era discutida pela Comissão Europeia desde 2021.

O Regulamento da União Europeia para Produtos Livres de Desmatamento (EUDR), aprovado pelo parlamento europeu em 29 de junho, define regras pelas quais exportadores dos produtos com risco de ligação com problemas ambientais devem garantir que eles são livres de desmatamento e legais.

Um dos problemas, segundo a diretora-executiva, é que, conforme as regras, desde 31 de dezembro de 2020 uma área para ser considerada legal não pode ser desmatada ou ter sofrido degradação florestal.

"O que a Europa está pedindo é muito mais exigente do que o Código Florestal brasileiro. Para exportar para a Europa, mesmo que a propriedade tenha um excedente de reserva legal e pela lei brasileira legalmente seria permitido transformar esse excedente numa produção de café, este café proveniente desta área não poderá ser exportado para a Europa", afirmou.

A questão gera interrogações no setor cafeeiro brasileiro principalmente pelo fato de a União Europeia ser responsável pela compra de 47,3% do café exportado pelo Brasil neste ano até setembro, de acordo com o Cecafé (Conselho dos Exportadores de Café do Brasil).

O índice é inferior ao de 2022, quando a fatia europeia no bolo de embarques representou 52,9% do total no mesmo período, mas é extremamente relevante para o mercado nacional, principal produtor do grão no mundo.

Embora o Código Florestal tenha sido aprovado em 2012 após intensa disputa entre ambientalistas e ruralistas, um agravante é que o desmatamento no Brasil foi acelerado depois da sua aprovação.

Imagens de satélite compiladas e analisadas pela plataforma MapBiomas mostram que o país perdeu 5,8 milhões de hectares de vegetação nativa entre 2008 e 2012. Nos cinco anos seguintes, a área subiu para 8 milhões de hectares e, de 2018 a 2022, para 12,8 milhões.

A redação final do Código Florestal trouxe uma série de derrotas para a área ambiental, como um dispositivo que anistiou o desmatamento ilegal em diversos casos. Desde então, essa anistia vem sendo ampliada por projetos de lei impulsionados pela bancada ruralista.

Conforme a regulamentação, a legislação nesse momento vale para a entrada do café verde na União Europeia e para café torrados ou torrados e moídos. O café solúvel está livre da regra, mas a dirigente da OIC afirma que a expectativa é que em dois anos, quando a lista de produtos será revisitada, o solúvel também entre na relação.

"Há um prazo para transição e adaptação para as grandes empresas importadoras no mercado europeu, que termina em 30 de dezembro de 2024, ou seja, iniciou 2025 a lei está valendo e é quando elas terão de apresentar documentação de que já estão cumprindo as medidas", disse. Para as pequenas e médias empresas, há um prazo extra de seis meses.

O café não é o único produto agrícola que corre risco com a nova regulamentação europeia. A partir de 2025, o bloco de 27 países vai exigir também provas de que a soja e outras commodities não sejam provenientes de terras afetadas pelo desmatamento, legal ou ilegal, além de cumprirem as leis locais —o Código Florestal, no caso brasileiro.

Cafeicultor no sul de Minas Gerais, Lucas Ramos disse que será preciso dialogar com países europeus para que haja uma flexibilização das restrições, sob risco de pequenos produtores serem punidos por terem ampliado a área em produção nos últimos anos.

"Ninguém é contra seguir regras, mas elas precisam ser justas para todos os lados", disse.

Além do temor de produtores rurais, a nova regulamentação gerou reações no governo brasileiro e em um bloco de países em desenvolvimento.

O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, afirmou que o Brasil tem legislação própria sobre produtores rurais e ambiente e que impor normas –como prega a nova lei antidesmatamento europeia– fere a soberania do país.

"Nós não vamos admitir. Essa é cláusula pétrea para não ser tocada no acordo Mercosul-União Europeia. E se querem uma boa vizinhança, uma boa parceria e grandes oportunidades com o Brasil, tirem isso da mesa", disse.

Em setembro, o Brasil e outros 16 países enviaram uma carta a autoridades europeias relatando preocupações em relação à legislação e pedindo que seja mantido um diálogo efetivo com os países.

Entre os países que assinaram a carta estão Argentina, Colômbia, Guatemala, Indonésia, Malásia, México, Nigéria e República Dominicana.

As afirmações de Vanusia foram feitas numa palestra virtual na SIC (Semana Internacional do Café), a partir da Costa Rica, onde estava para encontros em que discutiu a nova legislação europeia.

Realizada em Belo Horizonte, a feira da cafeicultura reuniu em sua 11ª edição mais de 20 mil visitantes de 30 países e movimentou R$ 55 milhões em negócios.

O jornalista viajou a convite da SIC (Semana Internacional do Café)

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